Ponto de Vista

Coragem e equilíbrio

No auge do cerco ao Planalto, Lula conseguiu atuar com prudência política, manteve o controle de seus nervos e não deixou o país sem comando. Agora, ao estender a mão aos derrotados, se dirige menos a eles, e mais à sociedade brasileira

Wilson Dias/A

No auge do cerco ao Planalto, Lula conseguiu atuar com prudência política, manteve o controle de seus nervos e não deixou o país sem comando. Agora, ao estender a mão aos derrotados, se dirige menos a eles, e mais à sociedade brasileira

A vitória obtida pelo presidente Lula, por ter sido tão expressiva, vai exigir, para administrá-la, cuidados especiais, dele e daqueles que o auxiliarem no governo. Dizia o grande líder africano Julius Nyerere que o governo é como um ovo na concha da mão. Se você aperta, ele se quebra; se você afrouxa os dedos, ele cai. No primeiro mandato, o presidente conseguiu agir dentro desse princípio, não avançando tanto quanto queriam os militantes e dirigentes do PT, mas obtendo extraordinários êxitos na administração do país e na luta contra as desigualdades.

Como já mostram os fatos, a direita conservadora está inquieta com a grande votação de Lula. Embora a sua coalizão de agora contasse com menos e menores partidos, sua vitória foi ainda mais expressiva do que a de 2002, e em condições bem mais difíceis. É sabido que o poder desgasta os governantes, sobretudo quando fatores adversos ocorrem.

Lula, desde as denúncias de Roberto Jefferson (em sua maior parte vazias), teve de enfrentar crescente oposição no Parlamento e nos meios de comunicação. De tal forma os setores conservadores – nisso ajudados pelo açodamento e pelos desvios de personalidades do governo – atuaram contra o presidente que, em certo momento, muitos se afastaram do governo e do próprio PT, certos de que não sairiam da crise.

No auge do cerco ao Planalto, somente os mais pobres e os ideologicamente mais coerentes continuaram a apoiar o governo e a ter esperanças na reeleição. Lula conseguiu manter a calma e atuar com prudência política, não perdendo o controle de seus nervos nem deixando o país sem comando. Desfez-se de auxiliares competentes, como é o caso de José Dirceu, quando percebeu que não era possível defender o governo, mantendo-o na chefia da Casa Civil.

Deixou que os fatos fossem apurados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Não usou de seu poder, como era comum no governo anterior, para dificultar a ação da Polícia Federal nem dos procuradores. O procurador geral da República, como é de conhecimento de todos, denunciou os petistas envolvidos no episódio conhecido equivocadamente como “mensalão”. No governo Fernando Henrique Cardoso, seu procurador era conhecido como o “engavetador”.

O presidente parece preparado para a resistência contra o acosso dos interesses contrariados. Ele sabe que não pode confiar nas promessas de bom comportamento por parte da oposição e, por isso mesmo, toma a iniciativa de propor o entendimento nacional. Ao estender a mão aos derrotados, o presidente se dirige menos a eles, e mais à sociedade brasileira. Mostra que está em busca do entendimento, e não do confronto. Ao mesmo tempo, dá sinais de que “nacionalizará” seu governo, deixando de dar mais espaço aos estados do Sudeste, para convocar ministros de todas as regiões brasileiras.

Há, sem embargo de seu sucesso eleitoral, questões que não podem ser relegadas ao futuro, mesmo porque não haverá um terceiro mandato seguido a este. Uma delas é a das relações de trabalho. O neoliberalismo significou imenso sacrifício dos trabalhadores, com o arrocho salarial, a terceirização dos serviços públicos, as falsas “cooperativas” de produção, a informalidade, não só consentida como estimulada. Todos esperam que seu segundo governo contenha a voracidade dos neoliberais, mantendo, pelo menos em parte, as conquistas dos trabalhadores obtidas ainda nos anos 30 e 40, com as leis impostas por Vargas.

O presidente já deu sinais de que buscará o apoio dos governadores, como meio de assegurar, no Parlamento, os votos necessários à aprovação das medidas necessárias. É corajosa prova de inteligência política.