Cidadania

Cidades de paz

Só a sociabilização da escola faz crescer a noção do valor da vida, do outro

Daniel Kfouri/Folha Imagem

Há uma enfadonha mesmice na opinião pública brasileira. A mesmice é quando os argumentos emitidos por diferentes segmentos em diferentes situações tornam-se previsíveis. Mudam-se os fatos – em política ou economia, novela ou futebol –, mas é possível prever o que dirão os políticos, ministros, diretores de estatais, juízes, advogados, procuradores, empresários, intelectuais, religiosos, ecologistas, sindicalistas, artistas, esportistas e colunistas de jornal. As faces cruéis que a violência tem assumido são um prato cheio para soltar os demônios e fazer justiça com as próprias mãos. Mesmo quando é a valorização da vida que está em discussão, ainda prevalece a mesmice. Pena de morte, prisão perpétua, redução da maioridade penal, mais leis, maior rigor e polícia com maior poder de fogo.

Felizmente, essa mesmice foi quebrada em dois importantes momentos. No referendo das armas e agora. No referendo, houve elevado grau de adesão de personalidades à tese do desarmamento. Em que pese o resultado negativo nas urnas, o debate proporcionou um enorme acúmulo da política de paz. E o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, publicado no início deste março, mostra que municípios recordistas em crimes foram aqueles que mais votaram a favor da comercialização de armas. Da mesma forma, o atual debate a respeito dos crimes cruéis quebra a mesmice de opinião de direita e esquerda, oposição e situação. Mesmo sob a comoção, juntam-se vozes em torno de um diagnóstico comum: é preciso fazer valer os instrumentos que já temos em mãos, principalmente para desemperrar a Justiça. Eis aí a história da Lei Maria da Penha.

Felizmente, inúmeras vozes se levantam contra a redução da maioridade penal e defendem a efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A cultura de ódio só pode levar ao agravamento do estado de barbárie. No sentido oposto dos municípios mais violentos, várias cidades brasileiras obtiveram resultados fazendo o óbvio. Pais e educadores que se preocupam com a vida sabem que é preciso impor limites, que a punição é necessária e que só a sociabilização da escola faz crescer a noção do valor da vida, do outro. Quando poderes públicos dialogam entre si, integrados com a sociedade organizada, recupera-se a credibilidade, aumenta a participação dos cidadãos e abrem-se caminhos que levam a uma cultura de paz e de respeito à vida.