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Bye-bye Brasil: clubes não conseguem mais segurar jogadores

O país do futebol perde talentos cada vez mais cedo para o mercado global da bola. E, em terra onde não se pode mais manter craques, quem conserva um plantel razoável é rei

RUBENS CHIRI/PERSPECTIVA

Dos 22 jogadores chamados pelo técnico Dunga para defender a seleção brasileira contra Peru e Uruguai, pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, nenhum pertencia ao campeão brasileiro da temporada. Apesar da escassez de craques em seu plantel, o São Paulo conquistou seu quinto título nacional com quatro rodadas de antecedência e uma vantagem avassaladora sobre as outras 19 equipes da primeira divisão – a maioria delas com salas de troféus tão cheias quanto a do Morumbi. Ainda que se reconheça a competência do técnico Muricy Ramalho e de seus atletas, a baixa qualidade e a inexperiência dos elencos rivais contribuíram decisivamente para que os torcedores brasileiros assistissem a um passeio são-paulino.

A crescente saída de jogadores de futebol cada vez mais jovens para o exterior produz efeito devastador na qualidade dos jogos. Obrigados a escalar atletas inexperientes para a equipe titular, os treinadores padecem com erros primários de passes e chutes, desrespeito a esquemas táticos e lances de pouca criatividade. E quem consegue cumprir minimamente os fundamentos da bola já entra na mira dos empresários. “Isso é negativo, porque perdemos jogadores que ainda não atingiram a maturidade certa. Terão de aprender a falar outra língua e estarão em clubes com mais 30 excelentes jogadores. Por isso, nem sempre vão poder jogar e ficarão sem ritmo. Para o crescimento deles, seria importante que estivessem jogando”, afirma Dunga.

A sangria de jovens talentos atinge clubes de todos os estados brasileiros, independentemente do tamanho da torcida. Até novembro deste ano, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) contabilizava 1.045 atletas profissionais neg ociados com equipes do exterior, a maior parte com menos de 25 anos. A lista não inclui as estrelas que vão embora antes mesmo de deixar oficialmente a categoria júnior, como o atacante Alexandre Pato, negociado em agosto para o Milan por cerca de 20 milhões de euros, aos 17 anos. A idade, aliás, foi um pequeno problema para o atleta, que fizera apenas 27 partidas na equipe principal do Internacional de Porto Alegre. Pelas regras do futebol italiano, um jogador só pode atuar como profissional depois de completar 18 anos, o que obrigou o garoto brasileiro a passar o segundo semestre apenas em treinamento na equipe européia.

Debandada

A lista de revelações exportadas em 2007 é extensa. O Grêmio vendeu o volante Lucas, 20 anos, para o Liverpool, rival do Manchester United, onde hoje joga o atacante Anderson, que foi para a Europa pouco depois de se tornar herói da equipe gaúcha na conquista do Campeonato Brasileiro da Série B, em 2005. Em Minas Gerais, o Atlético-MG negociou o goleiro Diego com o pequeno Almeria, da Espanha, com a promessa de compartilhar os lucros de uma futura venda para outro clube europeu. E o atacante Paulo Henrique, de apenas 18 anos, foi embora para o holandês Heerenveen – mesmo clube em que joga o artilheiro Afonso Alves, até pouco tempo desconhecido da maioria dos brasileiros.

O Corinthians, que lutou para não ser rebaixado durante todo o campeonato, viu o meia Willian, 19 anos, ir para o ucraniano Shakhtar Donetsk pouco tempo depois de ter se firmado como titular e ser apontado como futuro ídolo. Na próxima temporada, quem pode se despedir é o atacante Lulinha, já assediado pelo inglês Chelsea apesar de ter apenas 17 anos. O Palmeiras viveu situação diferente do arqui-rival na tabela de classificação, mas semelhante em relação à sua mão-de-obra. O clube, que lutou até a última rodada por uma vaga na Copa Libertadores da América, vendeu ainda no primeiro turno o jovem meia Michael para o Dínamo de Kiev, também da Ucrânia, e depois teve problemas para acertar a equipe.

A debandada alviverde só não foi maior por causa de um projeto batizado de “cesta de atletas”, lançado em junho, que permitia aos torcedores investir uma determinada quantia para ter participação na venda futura dos 15 atletas que aceitaram participar do pacote. “Queríamos arrecadar mais dinheiro para o clube de uma maneira mais profissional e conseguimos. Se não fosse a cesta, teríamos vendido outros jogadores importantes antes do fim do campeonato”, admite o vice-presidente de futebol, Gilberto Cipullo. Ao todo, o Palmeiras angariou cerca de 2,5 milhões de reais com os novos investimentos, que cessaram assim que Michael foi negociado, para impedir que investidores retardatários tivessem prejuízo. O clube ainda estuda lançar uma segunda versão do projeto no próximo ano, com um registro feito na Comissão de Valores Mobiliários para que as cotas de participação possam ser negociadas no sistema de oferta pública – como fazem as empresas que abrem seu capital na Bolsa de Valores.

Antena ligada

Criatividade e planejamento parecem ser a solução mais adequada para evitar a debandada das revelações brasileiras. O São Paulo decidiu se adaptar ao mercado e, desde 2003, aplica uma série de medidas para impedir que o rendimento do time diminua com as constantes negociações de atletas. “Se um time consegue manter seu padrão de qualidade, como o São Paulo tem feito, e os outros vão caindo, a tendência é que os títulos venham cada vez mais cedo”, afirma o ex-diretor de futebol João Paulo de Jesus Lopes. Uma das iniciativas é substituir os jovens brasileiros por veteranos em boa forma.

“Montamos uma diretoria de planejamento, que trabalha em conjunto com a de futebol e acompanha o desempenho de diversos jogadores. Fazemos avaliações pessoais, acompanhamos o noticiário da imprensa e ficamos atentos aos atletas que estejam em fim de contrato, em países da Europa e do Japão. Também olhamos para as revelações que surgem em países da América Latina, como Chile e Uruguai”, conta Lopes. Um dos jogadores que chegaram ao Morumbi nessas condições foi o zagueiro uruguaio Lugano, que hoje defende o Fenerbahce (Turquia) e a seleção de seu país.

Além disso, os são-paulinos entenderam que as categorias de base são um negócio lucrativo – a venda de atletas formados pelo clube gera um superávit médio de 6 milhões de dólares por ano – e importante para atender a eventuais carências da equipe profissional. O tricolor, aliás, ganhou dinheiro até com as categorias de base alheias. O lateral direito Ilsinho jogava pelo Palmeiras desde os 12 anos. Aos 20, o Parque Antártica vacilou com o término de seu contrato e Ilsinho foi parar no Morumbi e acabou campeão em 2006. No início deste ano, o Shakhtar Donetsk Ucrânia o levou embora. “Fizemos o preço de 10 milhões de euros e os ucranianos pagaram. O Ilsinho foi até a Europa conhecer a estrutura do clube e gostou, pediu para sair, então fechamos o negócio.”

Por trás da história do jovem lateral, escrevendo-a, estava a figura de um personagem cada vez mais presente na vida dos boleiros desde o momento em que calçam as primeiras chuteiras: o empresário.

Para a próxima temporada, outro são-paulino formado em casa que deve sair cedo é o zagueiro Breno, 18 anos, titular da equipe no Brasileiro, assediado por Fiorentina, Bayern de Munique e Real Madrid. Também podem sair, quando a época de negociações se abrir na Europa, o goleiro palmeirense Diego Cavalieri e seu companheiro chileno Valdivia, o artilheiro do campeonato Josiel, do Paraná, e o meia Acosta, do Náutico.

Poder econômico

Autor do livro Pão e Circo: Fronteiras e Perspectivas da Economia do Entretenimento, o professor Fábio Sá Earp, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a pressão sobre os clubes brasileiros aumentou desde 1995, quando os jogadores nascidos em países da comunidade européia deixaram de ser classificados como estrangeiros quando atuassem fora de seu país de origem. “Com a Lei Bosman, um jogador português não ocupa mais a vaga de um estrangeiro em um time espanhol. Com essa mudança, abriram-se vagas no futebol de lá e apareceram clubes intermediários, como o português Marítimo. Eles compram jogadores brasileiros medianos e testam por um período, para vender depois por um preço maior para as equipes de ponta. Essa prática agora se espalhou para equipes do Leste Europeu e da Ásia”, comenta.

Com a pujança econômica dos times europeus, os agentes de jogadores encontraram um campo fértil para trabalhar e lucrar com as comissões que recebem a cada negociação. Nos últimos anos, tornaram-se freqüentes os casos de clubes que entraram em litígio com os procuradores por conta de negociações traumáticas. O atacante Robinho, incentivado por seu empresário Wagner Ribeiro, ficou mais de dois meses sem treinar até que o Santos o liberasse para o Real Madrid, em 2005.

O ex-goleiro Gilmar Rinaldi, que agora assessora a carreira de atletas, diz que os times estrangeiros investem pesado para angariar talentos nacionais. “Os clubes europeus mandam observadores ao Brasil para acompanhar os torneios e as categorias de base. Acho que o melhor momento para um jogador sair é quando já está com a carreira consolidada, mas também é uma ótima oportunidade financeira. O jogador vai viver uma nova fase na vida e, se souber aproveitar, terá benefícios para sempre”, opina.

A ação dos agentes é nítida em torneios menores. O técnico da seleção brasileira sub-15, Jorge Silveira, conta que o assédio sobre os meninos foi grande durante a disputa do campeonato sul-americano da categoria, no Rio Grande do Sul, em novembro. “As arquibancadas estiveram lotadas, com pais e empresários. Nós impedimos esse contato dos agentes, porque os clubes deixam os garotos sob nossa responsabilidade. Mas muitos deles já chegam até nós com contratos de representatividade assinados. Procuro não me intrometer muito nessa questão”, afirma.

O que Silveira tenta mostrar a seus meninos é que na maioria dos casos a saída do país muito cedo não é um bom negócio. “Digo para eles que, dos mais de 800 jogadores com menos de 20 anos que deixam o Brasil por ano, apenas dois ou três fazem sucesso. Sair cedo não é interessante, porque um garoto com 16, 17 anos tem muito a aprender”, avalia o técnico, que faz a ressalva do crescimento que pode ser ocasionado ao jogador por conhecer a estrutura oferecida fora do país. “O meu goleiro, Luiz Guilherme, está indo fazer testes no Arsenal. Mas o time inglês tratou direto com o Botafogo, é um relacionamento mais democrático. Ele já foi algumas vezes para a Inglaterra e vai voltar, até a hora em que estiver pronto para ficar lá”, exemplifica.

A ação predatória ocorre também em outros países da América do Sul, principalmente Argentina e Uruguai, cujos problemas econômicos são parecidos com os do Brasil. Os uruguaios, porém, já sentem na carne os prejuízos dessa política. Campeã mundial em 1930 e 1950, a seleção celeste tem dificuldades, desde o início da década de 1990, para montar uma equipe com atletas plenamente identificados com a torcida. De lá para cá ficou de fora de três das quatro Copas do Mundo; desde 1988 um clube uruguaio não é campeão da América.

Quem estuda o assunto não chega a prever um futuro tão sombrio para a seleção brasileira. “O Brasil é um país muito grande e sempre será capaz de produzir um número suficiente de jogadores para defender a seleção. A equipe nacional não deve sofrer por causa dessa debandada, porque sempre será possível chamar os astros que jogam na Europa. No final das contas, é péssimo para quem paga ingresso e vai até as arquibancadas”, aponta o professor Sá Earp, da UFRJ.

Uma das saídas para os clubes pode ser prestar mais atenção ao fanatismo do torcedor, comprovado com o aumento de público nos jogos mesmo com a queda na qualidade técnica do espetáculo e a ampla vantagem do São Paulo. A edição deste ano do Brasileiro registrou mais de 6 milhões de espectadores, contra pouco mais de 4,5 milhões no ano passado. O Flamengo foi o clube que mais gente levou para as arquibancadas – mais de 650 mil. “O torcedor foi obrigado a se acostumar com o espetáculo medíocre. Os cariocas, por exemplo, brigam para saber quem fica na frente dos outros conterrâneos, porque as chances de ser campeão são pequenas. Mas, apesar de tudo, o esporte ainda move o brasileiro”, resume o especialista.

Atrás da grana

Jogadores brasileiros que se mudaram para gramados estrangeiros em 2007

  • Lucas
    Idade: 20 anos
    Posição: Volante
    Time de origem: Grêmio
    Time atual: Liverpool (Inglaterra)
  • Edcarlos
    Idade: 22 anos
    Posição: Zagueiro
    Time de origem: São Paulo
    Time atual: Benfica (Portugal)
  • Fellype Gabriel
    Idade: 22 anos
    Posição: Meia
    Time de origem: Cruzeiro
    Time atual: Nacional (Portugal)
  • Diego
    Idade: 22 anos
    Posição: Goleiro
    Time de origem: Atlético-MG
    Time atual: Almeria (Espanha)
  • Getúlio Vargas
    Idade: 26 anos
    Posição: Goleiro
    Time de origem: Flamengo
    Time atual: Westerlo (Bélgica)
  • Gladstone
    Idade: 22 anos
    Posição: Zagueiro
    Time de origem: Cruzeiro
    Time atual: Sporting (Portugal)
  • Carlos Eduardo
    Idade: 20 anos
    Posição: Atacante
    Time de origem: Grêmio
    Time atual: Hoffenheim (Alemanha)
  • Carlos Alberto
    Idade: 23 anos
    Posição: Meia
    Time de origem: Fluminense
    Time atual: Werder Bremen (Alemanha)
  • Cássio
    Idade: 20 anos
    Posição: Goleiro
    Time de origem: Grêmio
    Time atual: PSV Eindhoven (Holanda)
  • Paulo Henrique
    Idade: 18 anos
    Posição: Atacante
    Time de origem: Atlético-MG
    Time atual: Heerenveen (Holanda)
  • Wendel
    Idade: 23 anos
    Posição: Meia
    Time de origem: Corinthians
    Time atual: Lask Linz (Áustria)
  • Lúcio
    Idade: 28 anos
    Posição: Lateral-esquerdo
    Time de origem: Grêmio
    Time atual: Hertha Berlin (Alemanha)
  • Josué
    Idade: 28 anos
    Posição: Volante
    Time de origem: São Paulo
    Time atual: Wolfsburg (Alemanha)
  • Michael
    Idade: 24 anos
    Posição: Meia
    Time de origem: Palmeiras
    Time atual: Dínamo de Kiev (Ucrânia)
  • Willian
    Idade: 19 anos
    Posição: Meia
    Time de origem: Corinthians
    Time atual: Shakhtar Donetsk (Ucrânia)
  • Ilsinho
    Idade: 21 anos
    Posição: Lateral-direito
    Time de origem: São Paulo
    Time atual: Shakhtar Donetsk (Ucrânia)
  • Renan
    Idade: 22 anos
    Posição: Volante
    Time de origem: São Paulo
    Time atual: All-Ittihad (Arábia Saudita)
  • Caio
    Idade: 20 anos
    Posição: Atacante
    Time de origem: Cruzeiro
    Time atual: Atalanta (Itália)
  • Denis Marques
    Idade: 26 anos
    Posição: Atacante
    Time de origem: Atlético Paranaense
    Time atual: Omya Ardija (Japão)
  • Alexandre Pato
    Idade: 18 anos
    Posição: Atacante
    Time de origem: Internacional
    Time atual: Milan (Itália)