Brasil em exposição

O país ganhou mais de 700 museus em dez anos, os investimentos crescem e o setor atrai mais e novos públicos. Mas falta descentralizar: de cada cinco municípios, quatro não têm nenhum museu

Museu da Língua Portuguesa, uma referência na capital paulistana (Foto: Jefferson Pancieri/Divulgação)

A entrada em cena do Museu de Arte do Rio (MAR), agora em março, abre com chave de ouro um ano importante para a museologia no país. Instalados em plena Praça Mauá, em plena região portuária da capital fluminense, os dois prédios do MAR compõem um novo cartão postal para a cidade e, mais que isso, um novo espaço de interação entre arte, cultura, patrimônio histórico e o público. Para um país conhecido por nem sempre cuidar de seu patrimônio artístico e cultural, é alentador o surgimento de mais de 700 museus apenas nos últimos 12 anos, conforme dados do Cadastro Nacional de Museus (CNM), do Ibram, instituto brasileiro do setor, que soma 1.938 espaços públicos e 658 privados. Os investimentos também crescem: desde 2001, foram de R$ 20 milhões para R$ 216 milhões anuais. 

O interesse do público parece corresponder a essa expansão. Enquanto megaexposições internacionais aportam por aqui e provocam filas de várias horas, obras de artistas brasileiros são prestigiadas com a mesma intensidade. O número de visitantes saltou de 15 milhões para 80 milhões em uma década.

A ambiente credencia o Rio de Janeiro a sediar, em agosto, a 23ª Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus (Icom). Para receber o evento, trienal – no qual são esperados entre 3 mil e 4 mil especialistas e profissionais de todo o mundo – a cidade concorreu com Moscou e Milão. “Essa conferência está para o setor dos museus como a Copa e a Olimpíada, para os esportes”, compara Magaly Cabral, que desde 1979 integra o Comitê de Educação e Ação Cultural do Icom.

“Os museus passaram a fazer parte da pauta cultural do país. A área se desenvolveu muito, trazendo mais investimentos para o setor”, diz o antropólogo José do Nascimento Júnior, responsável pela criação do Ibram. Nascimento trabalhou por dez anos no Ministério da Cultura, até março. E consdira um dos desafios a descentralização. Apenas 21% dos 5.564 municípios brasileiros têm museus, e em 771 só existe um. O estado de São Paulo concentra 517, sendo 132 na capital.

Avançados

Desde 26 de novembro de 2012, o Ibram abriu para consulta pública a construção do Programa Nacional de Educação Museal, por meio de fóruns virtuais de discussão. “Uma iniciativa próxima a essa apenas a Inglaterra possui”, garante Magaly Cabral, também diretora do Museu da República, no Rio de Janeiro. Este por sua vez, instalado no antigo Palácio do Catete, promove encontros mensais com professores para discutir as questões relacionadas ao papel educacional e educativo dos museus do estado. “Há muito interesse dos profissionais nessa área. Ainda não temos tantos profissionais, mas posso garantir que muitos têm se qualificado cada vez mais. Por isso, nesse aspecto o Brasil não fica a dever em nada aos museus internacionais e em algumas áreas somos até mais avançados”, acredita.

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Essa demanda crescente, porém, não é fenômeno exclusivo do Brasil. De acordo com o museólogo Fábio Magalhães, ex-curador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), o público aumentou consideravelmente em todo o mundo. Em muitos casos, ele assinala, atinge-se a frequência máxima permitida pelos espaços, como os parisienses Museu d’Orsay e Centro George Pompidou. “Muitas vezes há filas, porque é preciso aguardar a saída de algumas pessoas para outras poderem entrar, e assim garantir segurança e proteção ao acervo.”

Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá (Foto: Tania Rego/ABr)

Magalhães observa que os museus mais retratados pela imprensa são os de arte – mas não são os únicos. “Outros têm visitação muito expressiva, o que mostra diversidade. Em São Paulo, por exemplo, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu do Futebol e o Catavento, um museu de ciência e tecnologia para a área infanto-juvenil, vêm trabalhando no limite possível de público durante todos os dias do ano”, destaca. O especialista cita ainda o Museu do Holocausto, em Curitiba, que funciona desde fevereiro de 2012 e possui vários itens em exposição permanente, além de depoimentos de sobreviventes da Segunda Guerra que vieram para a capital paranaense em busca de nova vida.

Para o ex-presidente do Ibram, o papel da educação é fundamental. “É a escola que passa mais tempo com os jovens. Assim, tem maior oportunidade de transmitir conhecimento e de valorizá-lo. Seu papel ultrapassa o ensino formal. A escola tem o dever de formar cidadãos. E o que o Ibram tem feito é difundir a relevância dos museus brasileiros com diversos projetos”, diz Nascimento.

Produção da humanidade

“Os museus representam as diversas realidades do mundo, dos pequenos, com exposições locais, aos maiores, que têm um leque abrangente da produção da humanidade. Todos são fundamentais para a sociedade ao promover reflexão a respeito de sua história e sua realidade”, analisa Magaly Cabral. Um exemplo citado por ela é o Museu da Maré, o primeiro do país localizado numa favela, no Rio de Janeiro, fruto do desejo da própria comunidade de preservar a memória e afirmar sua identidade social. Inaugurado em maio de 2006, conta com um acervo permanente de fotografias, documentos e objetos históricos.

O mais antigo do Brasil é o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, também no Rio – originalmente Casa de Xavier dos Pássaros, que preparava exemplares da flora e da fauna brasileiras e de artefatos indígenas para enviar a Portugal. Com a chegada da família real, em 1808, virou Museu Real. Hoje, guarda mais de 20 milhões de bens culturais, dos quais 3.500 em exposição. 

Em São Paulo, a Pinacoteca do Estado, aberta em 1905, é pioneira. O acervo permanente tem cerca de mil obras, do século 19 à contemporaneidade. O espaço tem capacidade para organizar 35 exposições anuais e recebe em torno de 500 mil visitantes. É o que Fábio Magalhães denomina museu vivo. “Eles criam novidades. Ou seja, a cada visita as pessoas encontram uma situação nova e, por isso, os frequentam. Agora, quando os museus são repetitivos e sempre iguais, desinteressam o visitante, que vai uma vez, se entusiasma, acha muito bonito e volta uma segunda vez. Encontra tudo igual, e não volta”, observa.

pinacoteca

Em 1992, foi criada a Associação Pinacoteca Arte e Cultura, que em 2006 assumiu a gestão do museu para executar a política cultural do governo do estado de São Paulo. Segundo a coordenadora de comunicação, Cláudia Sampaio, a mudança permitiu o desenvolvimento de um trabalho profissionalizado em todas as áreas, com a introdução de programas de treinamento e o desenvolvimento de todo o corpo funcional. “A Pinacoteca é um dos poucos museus que mantêm uma equipe própria de pesquisadores e tem, no próprio edifício, um laboratório de conservação e restauro que utiliza 
as técnicas mais avançadas do setor.”

Sala de restauro da Pinacoteca do Estado de São Paulo” (Foto: Pinacoteca do Estado/ Divulgação)

Uma das exposições mais badaladas no Brasil em 2012 foi Caravaggio e Seus Seguidores. Considerada a maior já realizada na América Latina para o artista italiano, reuniu sete obras-primas e outras 15 de artistas influenciados pelo mestre. Um dos responsáveis por trazê-la ao país, Fábio Magalhães pondera que não são apenas as atrações internacionais que conquistam o público. E cita a obra da artista plástica brasileira Lygia Clark, reunida na exposição Lygia Clark: Uma Retrospectiva, no Itaú Cultural, que atraiu tanto público quanto a concorrida Impressionismo: Paris e a Modernidade – Obras-Primas do Museu d’Orsay”, no Centro Cultural Banco do Brasil, ambas no ano passado.

“Houve uma época em que ninguém queria emprestar exposições para cá em função de um incêndio no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (em 8 de julho de 1978), que queimou uma exposição do Joaquín Torres García (artista uruguaio)”, lembra Magalhães. Com o passar do tempo a situação mudou. “Hoje, temos uma cultura museológica internacional, com apoio institucional. O nível profissional não deixa a dever aos europeus ou norte-americanos.”

Descentralização

Fábio Magalhães aposta numa tendência de estimular a expansão dessa cultura para além das grande cidades, sobretudo do eixo Rio-São Paulo. Atualmente, ele está envolvido nos projetos de criação dos museus de arte contemporânea, em Sorocaba, do transporte, em Campinas, e da cana-de-açúcar, em Piracicaba – todos no interior paulista.

O museu brasileiro de maior reconhecimento internacional, segundo  Magalhães, não está em São Paulo nem no Rio, mas em Brumadinho (MG), a 60 quilômetros de Belo Horizonte. Em uma área de 350 mil metros quadrados de jardins paisagísticos, em meio a mais de 4 milhões de metros quadrados de mata nativa preservada, o Instituto Inhotim foi inaugurado em 2002 e conta com 500 obras de arte, de nomes como Helio Oiticica, Adriana Varejão, Janet Cardiff e Cildo Meireles, entre outros, expostas a céu aberto ou em galerias temporárias e permanentes. 

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Em Minas Gerais, existem ainda outros museus importantes, como lembra Magalhães. “O Museu da Inconfidência (em Ouro Preto, que funciona desde 1944) foi totalmente remodelado. Por meio da Ângela Gutierrez (colecionadora e empreendedora cultural), foi criado um museu extraordinário que é o de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte (aberto em dezembro de 2005). Também em Ouro Preto, foi inaugurado há alguns anos um museu só com o tema dos oratórios. E em Salinas estão fazendo o museu da cachaça.”

Museu da Inconfidência (Foto: Ronald Péret/Flickr/CC)

Outro local bastante prestigiado é a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Apesar de ainda não ser considerada formalmente um museu, a instituição assumiu papel de vanguarda na arte contemporânea e na ação educativa que realiza. É uma das 397 mapeadas pelo projeto de pesquisa Caminhos dos Museus, coordenado pela professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Maria Dalla Zen. O objetivo é descrever os processos de criação, as características, as funções e os objetivos de cada um, relacionando-o ao contexto histórico, político e social ao qual se refere. E montar um grande roteiro crítico, que já vem sendo divulgado pelo blog Caminho dos Museus.

A presença de museus também estimula a movimentação econômica na região em que estão situados. “Como são espaços múltiplos são um componente de desenvolvimento local e de criação de emprego e renda, com espaço para muitas modalidades profissionais, com diferentes formações, trabalharem neles. Formar uma cadeia produtiva em torno deles é interessante para as cidades”, assegura Nascimento Júnior. “Não existe grande nação no mundo sem projeto de memória em sua estratégia de desenvolvimento. Museus são instrumentos dessa ação, e portanto espaços de diversidade e de identidade. São portas de difusão de conhecimento e estratégicos para a construção de uma ideia de país.”