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Bom começo

Negociação entre governo e centrais sindicais, além das novas regras para salário mínimo e tabela do IR, aponta para avanços na mentalidade econômica

agnaldo azevedo

Centrais e governo dão passo à frente

O acordo para a valorização do salário mínimo e para a correção da tabela do imposto de renda, assinado no dia 27 de dezembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelas centrais sindicais, é inédito tanto do ponto de vista econômico quanto político.

Resultado de longas negociações entre o governo federal e os representantes dos trabalhadores, o acordo traz um alívio simultâneo para a classe média e para os 43,7 milhões de brasileiros que, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), têm seu rendimento referenciado no salário mínimo.

A primeira novidade é que foi estabelecida uma nova política para o salário mínimo. Em abril de 2007 passará de 350 para 380 reais, com aumento real estimado em 5,4%. Nos quatro anos seguintes, o mínimo será reajustado pelo índice da inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB), com o pagamento antecipado em um mês a cada ano até ser fixado definitivamente em janeiro. Já a tabela do imposto de renda será corrigida em 4,5% ao ano no segundo governo Lula (veja na tabela). Em 2011 haverá revisão do acordo.

Pelas contas do Dieese, que projeta uma variação do INPC em 3% até o final de março de 2007, quando entrar em vigor em abril o salário mínimo terá acumulado um aumento real de 32% nos últimos quatro anos.

Considerando-se a série histórica do salário mínimo e trazendo todos os valores médios anuais, o valor de 380 reais em 1º de abril significará o maior valor real das séries anuais desde 1986, estima o Dieese, em documento elaborado para as sete centrais sindicais que assinaram o acordo com o governo federal (CUT, Força Sindical, CGT, CAT, CGTB, NCST e SDS).

A relevância do impacto desses 30 reais a mais no valor do piso nacional varia conforme a fonte. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o reajuste de 2007 injetará na economia 8,5 bilhões de reais, devolvendo aos cofres públicos 2,1 bilhões em arrecadação extra de tributos. Pelas projeções do Dieese, o incremento de renda na economia pode chegar a 16,8 bilhões de reais, e a 4,1 bilhões na arrecadação tributária.

A unidade das centrais sindicais na busca da valorização do salário mínimo e da correção da tabela do IR é outra novidade na história recente do movimento sindical brasileiro. O acordo foi assinado três semanas após a 3ª Marcha Nacional do Salário Mínimo a Brasília organizada pelas centrais no dia 6 de dezembro – e depois de uma dura queda de braço ao longo das reuniões com o governo.

Valter Campanato/ABrmarcha
3ª Marcha Nacional pela Valorização do Salário Mínimo, dia 6 de dezembro

Os representantes dos trabalhadores reivindicavam um mínimo de 420 reais e a correção da tabela do IR em 7,7%, para zerar a inflação dos últimos quatro anos. O Ministério da Fazenda propôs ao Congresso 367 reais ao piso nacional e zero de reajuste na tabela do imposto de renda. Na proposta orçamentária elaborada pelos parlamentares, chegou-se a 375 reais de salário mínimo e 3% na correção da tabela. O acordo final foi fechado na madrugada de 20 de dezembro entre os dirigentes sindicais e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, com o aval de Lula.

A manchete do jornal O Globo de 27 de dezembro, dia da assinatura do acordo, reflete o pensamento de um setor do empresariado. “Bondade com o mínimo reduz alcance de pacote”, bradou o diário da família Marinho, citando como fonte “um técnico da equipe econômica”, referindo-se ao pacote de redução de impostos que está sendo gestado pelo governo.

De outro lado, alguns analistas viram no acordo uma importante inflexão na política econômica para o segundo governo Lula. “A decisão de Lula de seguir a sua intuição para conceder o reajuste adicional do salário mínimo, e não reduzir nenhum programa social, muda completamente a discussão econômica”, escreveu em seu blog o jornalista econômico Luiz Nassif. “O que Lula fez foi redefinir as prioridades orçamentárias. Antes, o Banco Central definia uma fatia ilimitada para os juros. O que sobrasse era rateado pelas demais despesas (…) Daqui para frente, inclusão social passa a ser a determinante; os juros pagos, a variável de ajuste”, acredita Nassif. Esse novo cenário, na opinião do analista, requer uma mudança de comando do Banco Central. “Lula não conseguirá segurar a peteca se mantiver no Banco Central a ortodoxia cômoda de quem não tinha limites de responsabilidade fiscal para tratar com juros.”

O presidente indicou essa direção em pronunciamento no ato de assinatura do acordo. “Fui reeleito e não quero fazer o mesmo que já fiz nos primeiros quatro anos. Agora temos que fazer uma coisa nova. E, pelo amor de Deus, não cometam o erro de usar a palavra desenvolvimento ou crescimento econômico sem combinar a palavra distribuição de renda”, avisou. Lula referia-se ao ano de 1973, quando era dirigente sindical: o PIB cresceu 13,94%, mas o salário mínimo teve perda real de 3,4%.