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Uma geração de cantoras rejuvenesce e mantém em alta a qualidade e o prestígio universal da música brasileira

Roberta Goldfarb/Divulgação

Marina de la Riva: “A música foi para mim como aquele grande amor que nunca desiste de você”

Do rap ao rock, do samba à música pop, uma jovem safra de cantoras brasileiras – talentosas, charmosas e aguerridas –  vai ocupando espaços. Com um ou dois discos lançados, elas evoluíram tocando em casas noturnas e acumulando grande bagagem musical. Algumas acabam se destacando no exterior antes de ser conhecidas aqui. “Para quem acha que somos farinha do mesmo saco, não somos, não. Cada uma tem seu lance. Você pode gostar de todas, de uma ou de nenhuma, mas são todas diferentes”, garante Bruna Caram, de 22 anos, nascida em Avaré (SP).

Neta do violonista Jamil Caram, Bruna não navega na mesma água que o avô, o choro, e chama atenção por seu cantar suave, que, às vezes, lembra Adriana Calcanhoto. Entrou, aos 9 anos, no grupo Trovadores Mirins, braço infantil dos Trovadores Urbanos, no qual também cantou dos 15 aos 19. “Crescer rodeada por músicos, cantando e tocando como se isso fosse só brincar, foi um privilégio. A música era uma maneira de estarmos juntos. Por isso, até hoje é muito forte na minha cabeça a ideia da música como a melhor maneira de expressar sentimento”, explica Bruna, que em 2005 lançou o primeiro CD, Essa Menina, com composições delicadas e sentimentais, no melhor sentido, do amigo Otávio Toledo.

A música também fez parte desde cedo da vida de Amora Pêra, de 24 anos, e Fernanda Gonzaga, 26, filhas de Gonzaguinha. Em 1996, elas foram convidadas por Paula Leal, hoje com 27, a participar do musical Fullanas. Mais tarde, a elas se juntou Isadora Medella, 29. “Nos primeiros ensaios nos apaixonamos pela brincadeira e ensaiávamos todo dia, cheias de ideias bobas, divertidas e diferentes. A peça acabou e nós seguimos. Mas ainda mantivemos durante algum tempo danças, sapateados, cenas e objetos e alguma relação com o texto”, conta Amora. O resultado é o grupo Chicas, que esbanja precisão vocal, num repertório que inclui de Chico Buarque (Hollywood) a Rappa (Me Deixa), presentes no primeiro disco, Quem Vai Comprar Nosso Barulho?, lançado de forma independente e depois distribuído pela Som Livre.

O trabalho rendeu prêmio TIM de melhor grupo de MPB em 2007 e emplacou a canção Geraldinos e Arquibaldos, de Gonzaguinha, na trilha da telenovela Duas Caras. “Elas são muito criteriosas, teimosas, com muito bom gosto musical e ouvido quase perfeito. São absolutamente donas do trabalho, sabem o que estão fazendo”, avalia Sandra Pêra, mãe de Amora e ex-integrante das Frenéticas.

Nova entre aspas

O sucesso muitas vezes demora a chegar. Para Fabiana Cozza, de 33 anos e filha do cantor Oswaldo dos Santos, a definição de “novas cantoras” é, em grande parte, uma “traição”, tendo em vista que há cantoras que só despertam a atenção do público após anos e anos de carreira. “E não deixam de ser novas. É o caso de Áurea Martins, que fez um disco lindo recentemente e canta há anos com a mesma qualidade e intensidade. Ela não é da mesma geração que a minha, mas considero da minha turma”, diz. Formada em Jornalismo, Fabiana arrepia com seu canto forte e uma presença de palco digna da mais nobre linhagem de uma escola de cantoras brasileiras que tem Maria Bethânia e Elis Regina. Não à toa, destacou-se ao participar de musicais em homenagem a Clementina de Jesus, Clara Nunes e Ary Barroso.

Seu primeiro álbum, O Samba É Meu Dom, de 2005, resgatou clássicos de mestres como Silas de Oliveira e Paulo César Pinheiro. Em 2007 gravou Quando o Céu Clarear, com participação de Dona Ivone Lara e dos músicos cubanos Yaniel Matos e Júlio Padrón. “Ela veio ao mundo para cantar. Tem cancha, volume, afinação e sabe o que está cantando. Por isso, sinto-me honrada em ouvi-la dizer que eu a influenciei”, agradece Leny Andrade.

Se no samba há inúmeras referências femininas importantes, o mesmo não acontece no rap, onde ser mulher geralmente é motivo de preconceito. “A mulher no rap precisa se respeitar antes de esperar o respeito das outras pessoas. Respeitadores e desrespeitadores há em todo lugar”, diz a MC brasiliense Flora Matos, de 20 anos (leia entrevista no site).

O preconceito, aliás, não escolhe estilo. Marina de la Riva, de 35 anos, antes de arrancar elogios com sua mistura de música cubana e brasileira, formou-se em Direito. “A música foi para mim como aquele grande amor que nunca desiste de você. Descobri isso quando a dor de negá-la foi maior do que o medo de não ter um emprego que a sociedade entende como ‘normal’. Até me transformar em profissional respeitada, o caminho esteve cheio de pessoas que não entendem que arte talvez seja tão importante quanto Medicina”, avalia.

A advocacia ficou definitivamente em segundo plano na vida de Marina assim que o primeiro CD, que leva seu nome, foi lançado, com a participação de Chico Buarque, e rendeu o prêmio de revelação feminina da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Há quem a compare à Gal Costa dos anos 1970, linda, com uma flor no cabelo. O repertório, personalíssimo, é interpretado com potência e graça. Marina de la Riva prepara-se para lançar o segundo álbum, que repete a mescla de canções brasileiras e cubanas.

Também advogada de formação, outra brasiliense, Lua, de 27 anos, percorreu o mesmo caminho da maioria das companheiras de geração. “Tocar na noite foi muito importante e, sem dúvida, um grande aprendizado. Sempre gostei muito de fazer backing vocals. Acho também que o fato de eu ter nascido e crescido em Brasília, cidade extremamente musical, me ajudou muito”, avalia Lua. Depois de tocar durante alguns anos em bares de Florianópolis e Salvador, Lua teve seu primeiro grande momento ao participar da abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Passado um ano, lançou o primeiro disco, com a participação de Lenine, no qual encontra sensualidade ao cantar músicas de Zeca Baleiro, Paulinho Moska, O Rappa e Arnaldo Antunes.

De fora para dentro

Pertencer ao elenco de uma grande gravadora é cada vez mais coisa do passado. A cantora paulistana Mallu Magalhães, de 16 anos, atraiu milhares de admiradores ao disponibilizar, no site da internet MySpace Brasil, as canções Tchubaruba e JT, que remetem ao canto folk doce e adolescente do filme Juno. Resultado: em 2008 concorreu aos prêmios de artista do ano, artista revelação e show do ano no Video Music Brasil, da MTV, e lançou CD e DVD.

“A internet tem auxiliado muito novos artistas, sem grana nem gravadora, na divulgação de seus trabalhos. Tem muito a ajudar a quem consome e faz música”, aposta a recifense Marcela Mangabeira, de 27 anos. Aos 13 anos, Marcela foi descoberta por uma professora que a estimulou a participar de festivais em Cuiabá (MT), onde morava. Depois de participar de um concurso no Domingão do Faustão, em 2001, excursionou pela Europa com o grupo Bossacucanova e, quando gravava algumas canções no estúdio do músico e produtor Roberto Menescal, recebeu a encomenda de fazer um CD para ser lançado no Japão. Assim nasceu o primeiro disco, Simples – apenas um ano mais tarde lançado no Brasil –, no qual Marcela, envolvente e sofisticada, com toques de música eletrônica, manda clássicos da Bossa Nova. Ela faz parte também do quinteto vocal feminino Mulheres de Holanda: “A arte brasileira é consumida e aclamada fora daqui”, constata.

A cantora Céu, de 28 anos, filha do maestro e compositor Edgar Poças, conquistou o mundo com sua voz aveludada e de grande suingue. Considerada por alguns críticos a melhor representante da denominada “moderna MPB”, Céu começou a cantar com 15 anos e se mudou para os Estados Unidos aos 18, quando conheceu o músico Antonio Pinto, um dos produtores de seu primeiro álbum, no qual é coautora de 12 das 15 faixas. Vendeu 30 mil discos em apenas duas semanas e entrou para a disputada parada da revista Billboard. No Brasil, emplacou canções nas trilhas das novelas Pé na Jaca e Beleza Pura, além de participar da abertura do Pan.

O primeiro sinal de reconhecimento da banda de rock Ruanitas também foi internacional, num festival em homenagem aos Beatles no lendário Cavern Club, em Liverpool, na Inglaterra. O sucesso foi tamanho que Tayana Dantas (vocal, violão, gaita e a flauta irlandesa tin whistle), Jane Scoren (violino, teclado e vocal), Luciana (baixo, violão e vocal) e Claudia Moreno (bateria, percussão e vocal) acabaram convidadas para a Beatle Week de Buenos Aires, na Argentina, sendo vistas pela irmã de John Lennon, Julia.

Empunhando guitarras e esbanjando energia na bateria, as garotas conquistaram o Brasil com o animado pop Vaza, da abertura do seriado Malhação. E canção tocando na TV aberta também é popularidade garantida. “Recebemos mensagens de pessoas de lugares dos quais nunca tínhamos ouvido falar. Até procuramos as cidades na internet para não mandar mal (risos). É incrível como a divulgação toma outras proporções”, explica Tayana. “O mais interessante é que essa nova geração também compõe. É aí que nos identificamos bastante com essas mulheres que não vêm apenas dar uma nova interpretação a uma canção de Chico Buarque, mas que sentem o impulso de expressar suas inquietações através de suas próprias linhas”, observa a vocalista.

A importância da criação própria é realçada pelo radialista Oswaldo Luiz Vitta, o Colibri, apresentador e produtor do programa Jornal Brasil Atual. Colibri elogia a compositora paulistana Cris Aflalo, de 32 anos, que já lançou dois discos – Só Xerém, de música regional, em homenagem ao avô, e Quase Tudo Dá, com quatro composições próprias e um canto bem particular, marcado pela suavidade e pelas raízes nordestinas: “Eu fiquei surpreso, porque ela já chega à maturidade e mostra ser ótima intérprete e compositora de boas músicas, num mercado em que a referência é sempre Elis Regina”, diz o jornalista.

Outra cantora destacada por Colibri é a paulista de Ribeirão Preto Verônica Ferriani, que, ao se formar pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, apresentou trabalho em que compôs e executou instrumentos e vozes em três canções para aquarelas do artista plástico Paul Klee. Verônica é sofisticada e possui um jeito de cantar forte, que parece familiar, que sempre esteve entre as grandes sambistas das gerações anteriores. “A profissão é feliz e tem espaço. Não sou daquelas que ficam reclamando”, disse Verônica, em entrevista a Colibri para o programa que apresenta das 7h às 8h da manhã na emissora Terra (98,1 FM), em São Paulo. “Ela é da mesma safra da Mariana Aydar, só tem um apelo mais pop. É versátil e abusada”, acrescenta o radialista.

Filha de Mario Manga, do grupo Premeditando o Breque, Mariana Aydar, de 28 anos, estudou na Faculdade Berklee de Música, em Boston. Excursionou pela Europa e abriu shows de Seu Jorge. E emplacou a música Deixa o Verão, de seu primeiro CD, Kativa 1, na trilha sonora de Malhação. Ela também foi indicada ao Video Music Brasil, da MTV. “A Mariana tem personalidade na voz, é focada na boa qualidade do repertório e tem uma história com o samba e o forró pé-de-serra”, recomenda a “madrinha” Leci Brandão.