Crônica

As charadas de 1968

Os cinemas, os salários, empregos, a educação, o transporte, Nixon, De Gaulle e os passatempos que não existem mais. Tudo estava no jornal censurado que não saiu

mendonça

Num evento sobre 1968 realizado na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, no final de junho, o jornal O Estado de S. Paulo montou uma banca em que distribuía, de graça, sua primeira edição censurada, de 13 de dezembro de 1968, dia do famigerado AI-5. O jornal, logicamente, foi censurado dia 12, véspera do dito cujo. Fora as causas políticas da censura, as coisas que já sabemos, foi interessante ler o jornal.

Nada de saudade da ditadura, mas folhear um jornal de outros tempos traz muitas lembranças curiosas. Os cinemas não eram nos shoppings, que nem existiam. O Centro era cheio de bons cinemas, como Metro, Marrocos, Olido, Ouro, República, Ipiranga e o Comodoro, conhecido como Cinerama, que tinha três câmaras e uma tela côncava, que dava a sensação de que estávamos dentro das cenas. E cines de arte como o Coral, Bijou e Pigalle. Contei todos: havia 43 cinemas no Centro. E tudo quanto é bairro tinha os seus. Contei também: 122!

E que filmes faziam sucesso? Barbarella, com Jane Fonda, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, O Planeta dos Macacos… E era tempo dos faroestes italianos, havia vários em cartaz, entre eles Django Não Espera… Mata.

Mudando de assunto, estávamos na era do cruzeiro novo, cuja sigla era NCr$. O jornal não trazia o valor do salário mínimo. Um exemplar do Estadão custava nas bancas NCr$ 0,25. Eu me lembro do meu emprego, de técnico em contabilidade na Prefeitura, trabalhando 6h30 por dia, em que ganhava NCr$ 441 pouco mais de cem dólares, que na época custava caro, NCr$ 3,80. Lago, com o meu salário de emprego simplório, eu podia comprar 1.764 jornais. O Estadão custa hoje R$ 2,30. Então um sujeito, com emprego semelhante, deve ganhar R$ 4.057,20. Ganha?

No caderno de anúncios de emprego, precisava-se de datilógrafas e os salários eram de NCr$ 350 a NCr$ 400. Pegando os preços dos jornais como parâmetros, isso seria hoje de R$ 1.400 a R$ 1,600. Auxiliares de escritório, coisa de iniciante de carreira, ganhavam daí pra mais. E é preciso lembrar que a ditadura já tinha baixado bastante os salários, desde 1964.

Nas páginas sobre educação, a notícia era que quase todos os estudantes haviam sido aprovados em português. E as provas finais de matemática também foram consideradas muito fáceis. Algumas mães reclamavam que estavam abaixo do que deviam exigir de seus filhos, inteligentes e bem formados. Lembro-me agora do que os sucessivos governos (a começar pelos da ditadura) fizeram com a educação de lá pra cá…

Quanto ao transporte ferroviário de passageiros, praticamente extinto no governo FHC, anunciava-se para dali a dois dias o início das operações de um trem da Mogiana de Campinas a Brasília. E uma novidade: o metrô. Um anúncio da Prefeitura informava que no dia seguinte, às 10h, começariam as obras do metrô, na Avenida Jabaquara, altura do número 1.500. Só na primeira linha, dizia o anúncio, o metrô “transportará 80 mil passageiros por hora! (o equivalente à lotação de 1.600 ônibus)”. O prefeito era Faria Lima – depois Maluf seria nomeado e tiraria a Prefeitura da parceria com o estado na construção do metrô.

No noticiário internacional, os assuntos eram a formação do gabinete de Richard Nixon, recém-eleito presidente dos EUA (o ex-presidente JK comentava: “Nixon é um reacionário atuante da direita”), o clima de melancolia no governo de De Gaulle, na França, depois do “traumatismo de maio” (a rebelião de estudantes e operários), ataques da aviação de Israel à Jordânia e o lançamento de um livro sobre a Primavera de Praga, quando a União Soviética esmagou uma tentativa de mudanças na Tchecoslováquia.

E, nas páginas de amenidades, havia os passatempos. Ao lado das palavras cruzadas, uma coisa que hoje poucos sabem o que é: uma coluna de charadismo. Você sabe o que é charada?