Saúde

Ameaça à vista

O glaucoma chega tão de fininho que é uma das maiores causas da cegueira. Mas, se for detectado a tempo, é facilmente controlado sem limitações

Mauricio morais

Dona Jovina não abandonou suas atividades por causa do glaucoma. Mas o colírio é sagrado: todas as noites

Lúcida e ativa aos 94 anos, dona Jovina Consorte de Souza, de São Paulo, dedica a maior parte de seu tempo ao artesanato, à culinária e a trabalhos voluntários. Até alguns anos atrás ensinava técnica de biscuit numa igreja do bairro. Seus pães são famosos na vizinhança. Alegre e disposta, reúne-se sempre com amigas para passear e almoçar. Atribui a agenda cheia aos cuidados com a saúde. Entre eles, o colírio de uso contínuo. Toda noite a gotinha é sagrada. Há cinco anos, depois de muita coceira e vermelhidão no olho esquerdo, foi ao oftalmologista e descobriu o glaucoma. “Sei que é grave, e por isso não descuido. Se eu controlar direitinho, minha visão não corre risco e continuarei vivendo normalmente”, diz Jovina, que já não conta com a visão do olho direito, perdida num acidente de carro em 1978.

Existem no Brasil mais de 900 mil pessoas com glaucoma, mas, diferentemente da história de Jovina, em 90% dos casos não há sintomas nas fases iniciais. Invisível e traiçoeiro, quando o distúrbio mostra os primeiros sinais já afetou mais da metade do campo visual. Daí a importância de procurar o oftalmologista pelo menos uma vez por ano, principalmente se a pessoa tiver acima de seis graus de miopia, ou mais de 40 anos, ou diabetes, ou já ter tido algum trauma ocular. Pessoas negras correm quatro vezes mais riscos de desenvolver glaucoma.

Ao contrário da catarata, que pode ser operada, a doença não tem cura e é considerada a maior causa irreversível de cegueira. Entretanto, pode ser controlada. Segundo a oftalmologista Regina Cele Silveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), quando não é adequadamente controlada danifica progressivamente o nervo óptico, que conduz até o cérebro os impulsos visuais captados para serem convertidos em imagens

Com forte componente hereditário, o glaucoma é causado sobretudo pelo aumento da pressão intra-ocular. Imagine o olho como uma bola cheia de um líquido transparente, produzido ali o tempo todo para manter nutridas as estruturas oculares. A pressão aumenta quando o sistema de drenagem desse fluido falha. Uma das conseqüências imediatas é a lesão das fibras que compõem o nervo óptico.

Na maioria dos casos, o uso de colírios normaliza a pressão intra-ocular. Quando eles não surtem efeito, o oftalmologista prescreve medicamentos orais. A eficácia do colírio, é importante ressaltar, depende muito da disciplina dos pacientes. Estudos mostram que menos da metade deles segue a recomendação à risca.

A advogada Elisabete Fruchi, diretora executiva da Associação Brasileira dos Amigos, Familiares e Portadores de Glaucoma (Abrag), diz que o estímulo à adesão ao tratamento é o grande desafio da entidade criada há sete anos. Uma das razões, segundo ela, é o custo. O preço dos colírios varia de 5 a 100 reais. “Nos postos de saúde públicos são distribuídos apenas três medicamentos: comprimidos de acetazolamida e os colírios cloridrato de pilocarpina e maleato de timolol. E nem sempre é fácil encontrá-los”, afirma Elisabete.

Outro problema é a dificuldade de comunicação entre médico e paciente. “Logo no começo, não ficou claro para mim que se tratava de um problema crônico como a pressão alta, que exige tratamento contínuo. Pensei que o colírio funcionava como um antibiótico”, lembra dona Jovina. “Só depois entendi que teria de pingá-lo todos os dias, no mesmo horário, para evitar complicações.”

Quando os colírios e medicamentos orais não fazem mais efeito, apela-se para técnicas cirúrgicas. “Em alguns casos, orifícios para drenagem do líquido intra-ocular são feitos com procedimento a laser. Em outros, implantamos drenos minúsculos para a mesma finalidade”, resume Regina Silveira. O procedimento, hoje considerado simples, seguro e eficaz, nem sempre dispensa o uso do colírio.

Vários tipos
Existem mais de 25 tipos de glaucoma. Veja os mais comuns:

Crônico de ângulo aberto
Ocorre em 80% dos casos. Não apresenta sintomas no início. Se não for tratado, o paciente pode perder totalmente a visão.

Agudo ou de ângulo fechado

Com o aumento repentino da pressão intra-ocular, o olho fica vermelho e dolorido, a visão embaça, pode haver náuseas e vômitos. Sem tratamento, o paciente pode ficar cego em um ou dois dias.

Glaucoma de pressão normal
Apesar da aparente normalidade, há o estreitamento progressivo do campo visual, com a perda da visão periférica.

Secundário
Decorrente de outras doenças, como diabetes, catarata avançada, inflamações e outras lesões oculares. O uso excessivo de colírios por conta própria também pode desencadear a doença.

Congênito

A criança já nasce com a doença. O globo ocular e a córnea são maiores que o normal, embaçados e sensíveis à luz. A lacrimação é excessiva. O tratamento é cirúrgico e traz bons resultados quando feito precocemente.

Mais informações: Associação Brasileira dos Amigos, Familiares e Portadores de Glaucoma (www.abrag.com.br), tel. (11) 5575-2302