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A rota dos belos horizontes

Primeira capital planejada do país, BH é portal para conhecer história e arte brasileiras

vander Fornazieri

Entre as cidades históricas mineiras, Tiradentes é a que melhor preservou seus traços coloniais

Se um dia você for ao Curral del Rey, aproveite para caminhar sem pressa por Guajajaras, Tapuias, Tupinambás, Aimorés, tribos que a cidade guardou em seu centro. Pare para um dedo de prosa entre Drummond e Pedro Nava, descanse um tiquinho ao lado de Henriqueta Lisboa. Confira nesse arraial, que fica a um tirinho de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Brasília, por que o papa João Paulo II, em 1980, do alto da praça que hoje leva seu nome, exclamou: “Mas que Belo Horizonte!” Belzonte, como se diz em mineirês, é um portal para mergulhar em partes da história do Brasil que tem muito mais que belas igrejas a visitar.

Curral del Rey deu origem a BH. Muito antes, porém, de ser o local onde era reunido o gado que daria conta dos impostos recolhidos por dom João VI, já andavam por ali os índios, cujas tribos passaram a batizar ruas da primeira capital planejada do país. Belô cresceu rodeada pela Avenida do Contorno até virar o terceiro maior centro urbano do Brasil. Hoje, além da homenagem nas placas, tem estátuas em tamanho natural de escritores e poetas, como se de repente fosse possível encontrá-los em pleno passeio pela boêmia Savassi, pela Praça da Liberdade, em frente ao palácio do governo e ao lado de um miniedifício Copan, do mesmo Niemeyer que assina a Igreja da Pampulha, pelo Parque Municipal ou pela grande feira de artesanato, sempre lotados aos domingos.

“A cidade plantou no coração tantos nomes de quem morreu/ Horizonte perdido, no meio da selva cresceu o arraial”, relembra a música Ruas da Cidade, de Lô e Márcio Borges, integrantes do Clube da Esquina. A esquina, no caso, fica no bairro de Santa Teresa, no qual se pode comer uma excelente macarronada por 6 reais no restaurante do Bolão. Mas, se a idéia for degustar algo mais mineiro, nada melhor que o Mercado Municipal. Menos sofisticado que o dos paulistanos, e mais original, nele se encontra do artesanato aos queijinhos, rapaduras e cachaças; do doce de leite às galinhas que vão virar molho pardo. BH ainda oferece uma rara viagem de trem interestadual (ao Espírito Santo). E também não decepciona com sua programação cultural; um dos pólos é o Palácio das Artes, que ladeia o Parque Municipal.

parque municipal

Entorno

Sabará, a 25 quilômetros, além da Igrejinha Nossa Senhora do Ó, de 1719, barroca com traços orientais, tem o segundo teatro mais antigo em atividade no Brasil, construído em 1770 e no qual, conta-se, o imperador acabou vaiado às portas da República. Sete Lagoas, a 76 quilômetros, e Cordisburgo, a 113, terra de Guimarães Rosa, apresentam o espetáculo das grutas, como a do Rei do Mato e a do Maquine – onde se pode explorar um passado de milhões de anos. Ali, antes era o mar, com seus imensos salões e edificações rochosas.

Com tempo, estenda-se aos extremos Diamantina e Tiradentes – a mais preservada do circuito histórico, cenário das minisséries JK e Hilda Furacão, com dezenas de ateliês e um imperdível passeio de Maria-Fumaça à terra de Tancredo Neves, São João del Rey, onde o corpo do presidente não-empossado repousa num túmulo simples, atrás da Igreja de São Francisco de Assis. Os impressionantes e maltratados profetas de Congonhas, a visita à Câmara da cidade mais antiga de Minas e sua primeira capital, Mariana, também merecem estar no roteiro, como Ouro Preto, sua produção artesanal, as muitas igrejas que pontilham a vista de qualquer mirante e os importantes museus do Aleijadinho e de Ciência e Técnica.

Em Diamantina, difícil é escolher aonde não ir. Há a casa de Chica da Silva, a de JK, o Passadiço da Glória, o conhecido Beco do Motta, onde outrora viviam prostitutas, e em muitas noites a tradicional seresta que os diamantinenses tentam resgatar. O percurso de BH até lá vale a viagem, com a extraordinária paisagem e suas mutações, que, parodiando Guimarães Rosa em seu Grande Sertão, faz lembrar a definição de Riobaldo para Deus: (também) Minas existe mesmo quando não há.

profetasOs profetas e seu destino

Em Congonhas está a obra-prima de Aleijadinho, com os 12 profetas em pedra-sabão, além das esculturas de madeira que formam os passos da Paixão e têm pinturas atribuídas a mestre Athayde. As esculturas estão protegidas em capelas, mas os profetas, em frente à Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, estão em processo de deterioração, expostos a variações do clima e ao vandalismo. A depredação também atinge a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (1728), em Diamantina.

À sua frente foi fincada uma cruz – segundo a lenda, por um fiel instado a participar mais da igreja –, ao redor da qual cresceu uma gameleira. A simbologia permanece na mente dos diamantinenses, mas a cruz já não é totalmente visível, pois foi queimada por vândalos.