ponto de vista

A hora de ficar em casa

No século 19 o adjetivo brésilien significava, na França, pessoa rica. Hoje nossos emigrantes na Europa são escorraçados. Até em nossos países alguns estrangeiros importados por multinacionais tratam mal seus subordinados

A menos que o bom senso ocorra – e aconteçam ações imediatas contra a intolerância –, o racismo e a xenofobia dominarão a Europa. Diante da recessão, crescem as forças da direita e os conflitos de interesses econômicos, colocando empresas contra empresas, trabalhadores contra trabalhadores, países contra países, o que ameaça a sobrevivência da confederação. O primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, anunciou que, no primeiro semestre de 2010, quando a Presidência da União Europeia for exercida por seu país, apresentará um plano político, econômico e social a fim de combater o racismo e a xenofobia.

O antissemitismo – que inclui os árabes, também semitas – e o desprezo pelos ciganos, pelos negros e pelos eslavos sempre existiram nos países europeus, de forma mais moderada na Inglaterra, em razão da Commonwealth, e mais acentuada na França e na Alemanha. Os europeus do sul e do leste, como os meridionais da Itália, espanhóis, portugueses, gregos, turcos, búlgaros e romenos, sempre foram considerados de segunda classe na Europa do Norte. Durante o século 19, os países da América do Sul receberam milhões de imigrantes. Com eles vieram empresários pequenos e médios (como os Matarazzo), que, diante da crise, preferiam reiniciar sua vida empresarial no Brasil, na Argentina e no Chile. Até os anos 1950 e 1960 os latino-americanos que iam para a Europa, fosse para trabalhar, para estudar ou fazer turismo, eram pessoas ricas ou da classe média alta. No fim do século 19, o adjetivo brésilien significava, na França, uma pessoa rica.

Era o tempo do café caro, quando os fazendeiros paulistas do Vale do Paraíba davam-se ao luxo de manter residências na França, casar com mulheres importantes na Europa, gastar fortunas em seus cabarés e restaurantes. Não era só o café do Brasil que fazia milionários e playboys: a carne da Argentina, o estanho da Bolívia e o cobre do Chile também os faziam. Santos Dumont, sustentado pelo pai, cafeicultor poderoso, era o homem mais badalado de Paris, como inventor do avião e do relógio de pulso. O paulista Eduardo Prado tinha um dos mais vistosos apartamentos daquela cidade e, como amigo e contemporâneo de Eça de Queiroz, serviu-lhe de modelo para Jacintho de Tormes, personagem do bem-humorado romance A Cidade e as Serras.

Ainda nos anos 50, Porfírio Rubirosa e Baby Pignatari eram invejados sedutores de mulheres ricas e famosas. Um dos mais poderosos do mundo era o boliviano Antenor Patiño, filho de Simon Patiño. O primeiro Patiño começara a vida como mineiro na adolescência, e, depois de rico, graças à desapiedada exploração dos trabalhadores das minas, abandonou o país, mas não o negócio de estanho. Antenor, o herdeiro, não era exatamente o tipo de galã, como Rubirosa e Pignatari, e sim de face repulsiva, mas belas mulheres frequentavam seu leito.

A partir da Guerra da Coreia (1950-53), os produtos primários caíram de preço no mercado mundial. Surgiram novos produtores de café na África e na Ásia, os países asiáticos começaram a produzir estanho em grande escala, o sistema de pecuária confinada na Europa e nos Estados Unidos fez baixar o preço da carne uruguaia e argentina. A partir dos golpes militares em nosso continente, que obrigaram centenas de latino-americanos a exilar-se, iniciou-se, de fato, a nossa emigração rumo à Europa.

O neoliberalismo e as privatizações agravaram a situação. Como os que se foram não são ricos, nem importantes, mas trabalham como empregados domésticos, agricultores ou operários, como Jean Charles quando foi morto na Inglaterra, são vistos como cães que devem ser escorraçados. Até mesmo em nossos países, alguns estrangeiros importados pelas multinacionais tratam mal seus subordinados.

O Brasil é grande e de suficientes recursos naturais, que permitem vida digna a todos os seus. Muitos dos brasileiros estão retornando agora, em razão da nova realidade do mundo. É hora de concentrar esforços, investir na infraestrutura, no efeito multiplicador que as obras promovem na economia, investir nas pessoas, na saúde e na educação. Mas nenhum projeto caminhará se os trabalhadores estiverem ausentes do processo.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980