comportamento

A cozinha é deles

Da macarronada dominical aos sofisticados jantares para os amigos, os homens estão cada vez mais íntimos do fogão. Para espanto – ou deleite – das mulheres

Gerardo Lazzari

Eustáquio começou a cozinhar para não ter de comer congelados

Foi-se a época em que o homem era convocado para a cozinha apenas na hora de preparar o churrasco ou, quando muito, lavar os pratos. Por economia, necessidade, vontade, curiosidade, os “pilotos de fogão” estão ficando cada vez mais hábeis e comuns de encontrar – dos que usam e abusam da omelete básica aos que fazem questão de impor estilo e criatividade. Há quem diga que essa aproximação seja fruto da emancipação feminina alcançada nas últimas décadas. Se antes o ato de cozinhar era essencialmente uma “obrigação” da mulher – e homem só ia para a cozinha por concessão ou vontade própria –, hoje o hábito comporta uma forma crescente de compartilharem as coisas do lar.

O interesse do macho em dominar temperos e panelas não é pouco, não. Para espanto – ou deleite – das mulheres. Uma pesquisa conjunta da DBA Editora, rede de lojas Suxxar, construtora Gafisa, Pão de Açúcar e escola de culinária Wilma Kövesi revela curiosidades como: no Brasil, 60% dos compradores de livros de gastronomia são homens; nove em cada dez fogões dos mais sofisticados – que chegam a custar 7 mil reais – são escolhidos e comprados por homens; cortes especiais de carne e azeites importados são as “extravagâncias” preferidas por eles nos supermercados.

O hábito de concentrar as conversas da casa na cozinha sempre existiu, mas migrou recentemente do interior para as grandes cidades, segundo Carmem Lúcia Arruda Rittner, professora de Psicologia Organizacional e do Trabalho da PUC-SP. “À medida que o estresse aumenta, as pessoas procuram atividades para contrapor a essa sensação – e a culinária é uma das mais completas para relaxar, pois ativa todos os sentidos humanos”, diz a professora.

As diferenças entre homens e mulheres também freqüentam a cozinha. Segundo Carmem Lúcia, a menos que sejam profissionais no assunto, elas optam geralmente pelos pratos mais práticos, enquanto os homens “gostam de brincar, têm mais liberdade”. Ela credita esse comportamento à tradição da mulher de alimentar a família. “Esse era seu objetivo quando ia para as panelas. Já o homem foi se aproximando dessa atividade por hobby, prazer ou curiosidade”, explica.

Copa democrática

Nesse assunto não há divisão de classes ou de faixa etária: entram na cozinha de adolescentes despojados a “coroas” criativos. O jornalista Eustáquio Moreira começou a cozinhar aos 19 anos, quando foi morar em uma república. “Comecei a cozinhar para não ter de recorrer a congelados. Tomei gosto pela coisa, evoluí e hoje traço qualquer receita”, gaba-se. Mas, segundo ele, há grupos distintos de cozinheiros. “Entre os amadores, há os que preparam pratos complicados e buscam o exibicionismo e os que oferecem refeições simples, mas capricham. Eu me enquadro no segundo grupo.” Sua mulher, Rose, admira seu talento, principalmente porque muitas vezes ele se incumbe das refeições da família, que inclui as filhas gêmeas adolescentes.]

O estagiário de administração de empresas Rodrigo Soares Toducz foge de carnes ou peixes sofisticados e até do arroz-feijão. Sua predileção é pelas pizzas – “a massa, claro, porque a cobertura é a parte mais fácil” – e massas. “Moro com meus pais e domingo é meu dia oficial de ir para a cozinha”, explica Rodrigo, que foi “iniciado” na atividade por uma ex-namorada. “Compro livros, busco receitas em sites e vou experimentando até acertar.” O que ele não gosta é de bagunça na cozinha: “Enquanto cozinho, já vou limpando e lavando tudo. Quando o prato está pronto, a cozinha já está limpa”.

O inglês radicado no Brasil Steve Wingrove, casado, três filhos, é o cozinheiro oficial da família. Tatiana alegra-se em deixar a tarefa para o marido. “Ele é muito rápido e bagunceiro. Muitas vezes sou eu quem arruma a cozinha. É justo, já que ele fez todo o resto”, conta. Essa combinação permitiu uma divisão de tarefas equilibrada: ela, que é assessora da diretoria de uma multinacional holandesa de eletroeletrônicos, cuida mais das coisas das crianças e da casa. A vocação de Steve está, inclusive, virando ofício. Ele começou a elaborar kits semanais com refeições orgânicas para crianças: “Para meus filhos, eu já fazia em grandes quantidades e congelava. Agora estou expandindo a idéia”.

Profissional em cena

Se no meio doméstico emerge a divisão de tarefas, no campo profissional a gastronomia ainda é predominantemente masculina. Giancarlo Marcheggiani, nascido na Úmbria, região da Itália, descobriu a vocação aos 7 anos, enquanto ajudava a mãe e a avó. Em 1990, Giancarlo mudou-se para o Brasil e logo virou chefe de cozinha. Trabalha há nove anos no Terraço Itália, restaurante no alto de um dos edifícios mais tradicionais de São Paulo. “Coordeno uma equipe de 30 pessoas. É trabalho pesado e não tem horário para terminar”, conta Giancarlo, que testemunha o crescente interesse masculino. “Muitos homens me chamam à mesa após a refeição e me questionam sobre o preparo do prato, os ingredientes etc.”

Em filmes de época, a cena é clássica: os grandes chefs, principalmente aqueles que atendiam à nobreza européia, eram homens. Em Vatel, um Banquete para o Rei (de Roland Joffé, França, 2000), o personagem do ator Gérard Depardieu mostra o cotidiano das cozinhas reais no século 17 – a história retrata a preparação de um banquete para o rei Luís XIV. Eram necessários muita força física, talento e um plano de guerra para alimentar centenas de pessoas.

Atualmente, um dos chefs mais badalados do mundo, o britânico Jamie Olivier, tem um divertido programa de TV – no Brasil transmitido pelo canal pago GNT. Jovem, descabelado, despojado e tagarela, ele abre a geladeira e prepara pratos que podem ser simples ou exóticos – alguns realmente esquisitos para brasileiros.

A descoberta dessa profissão pode ocorrer tardiamente, como no caso de Celso Vieira Pinto, que já abandonou faculdades de História e Economia e abriu um bar. “Hoje em dia, a gastronomia é idealizada com glamour”, acredita. Sua especialização o levou a desenvolver o projeto Cozinha-Escola, com cursos dirigidos a jovens carentes de 17 a 21 anos, na vila de Paranapiacaba, em Santo André, no ABC paulista.

Cozinhando com Pimenta
A mãe do educador João Carlos da Silva, 48 anos, servidor público do estado de São Paulo, sempre o incentivava a cozinhar, para aprender a “se virar sem depender de ninguém”. Adolescente, João Pimenta, como ficou conhecido, já cuidava do “rango” nos acampamentos com a família e os amigos. Três vezes por semana, ele cozinha para os filhos e a mulher, a psicóloga Cláudia Afonso, que também passa boa parte do dia fora. “Temos de dividir o trabalho em casa, incluindo a cozinha. E, quando um prepara, o outro não se mete”, diz João. A picanha é um de seus sucessos: envolvê-la no sal fino, em papel-alumínio e levar ao forno com a capa de gordura voltada para cima por 45 minutos. “Fica uma delícia.” Em dias mais frios, capricha no caldo com pés de galinha. Em dias quentes, prefere o rocambole de carne e uma cerveja gelada. O cuidado com as panelas é fundamental. “Não deixamos aquele ‘pretume’ em volta.” O filho Diogo, de 20 anos, estuda Engenharia na Universidade de Uberlândia (MG) e de vez em quando liga pedindo socorro. “Às vezes ele não sabe como fazer um torresmo.”

Salmão com alcaparras
Ingredientes:
1 salmão médio limpo
vinagre
1 vidro médio de alcaparras
azeite
alho
cebola e sal a gosto

Modo de preparo:
Pique a cebola e o alho e deixe de molho no vinagre com sal. Forre uma assadeira com papel-alumínio e prepare o peixe nela. Faça cortes transversais no salmão e jogue o molho nos cortes dos dois lados e dentro. Deixe descansando por 1 hora na geladeira e leve ao forno preaquecido. Deixe assar por aproximadamente 45 minutos no forno médio. Depois, jogue um fio de azeite sobre o salmão assado.