Quem vive compara

A política de cotas democratiza o acesso à universidade pública e gratuita e projeta novas gerações mais escolarizadas

Vanessa, Edmar e Agenor na biblioteca da UFSCar: talento que a oportunidade não permitiu desperdiçar (Foto: Paulo Pepe/RBA)

Agenor Custódio nasceu no interior de Mato Grosso do Sul, numa comunidade indígena Terena. Teve tantas dificuldades para estudar que só conseguiu terminar o ensino médio com 28 anos e a faculdade de Audiovisual da Universidade São Carlos aos 39 – e está pronto para o mestrado. 

Vanessa Campos, de 23 anos, já presta consultoria na área de ergonomia enquanto cursa a faculdade de Engenharia de Produção na mesma UFSCar. Ali também o ex-metalúrgico Edmar ingressou em Ciências Sociais apesar da má qualidade das escolas por onde estudou anteriormente. 

Eles, como o médico Ícaro Vidal que atua no Programa Saúde da Família de Salvador –, são gênios qualificados, mas sabe-se lá para onde iria tanto talento se não existisse a política de cotas para negros, índios, estudantes pobres e provenientes de escola públicas. 

As cotas multiplicaram as chances de brasileiros com esses perfis de ingressar numa universidade pública, gratuita e de qualidade – algo impensável em sua infância e na adolescência.

Esses cidadãos abraçam a oportunidade com desempenho melhor que o dos não cotistas e ganas de concluir o curso também maior. Essa é uma das provas do que é capaz uma gestão ousada e criativa do Estado. Foi essa a principal mudança de mentalidade notada nos últimos dez anos. 

O Estado-problema dos anos 1990 tornou-se Estado-solução. Sem ditar normas de como o mercado deve ou não deve funcionar, pode criar meios de induzir a economia e as políticas públicas a atender as pessoas que dele mais precisam.

Na segunda metade dos anos 1990, por exemplo, uma das principais conquistas do país, o controle da inflação, deveu-se em grande parte ao fato de um em cada cinco brasileiros não ter emprego e de os outros quatro não terem forças para conseguir ganhos reais de salário. 

Essa lógica foi invertida. Valorização do salário mínimo, programas de transferência de renda, redução de impostos para a classe média puseram mais dinheiro em circulação, mais empregos foram criados e a renda passou a crescer. Somem-se a isso políticas criativas, como as cotas e o ProUni, e o resultado é que o país ampliou suas taxas de inclusão e de crescimento – pasme, sem a inflação desandar. 

Por isso, o verbo “comparar” faz arder as orelhas de governantes passados, mas a comparação é inevitável. A maioria dos brasileiros acaba fazendo isso involuntariamente, ao sentir as mudanças, para melhor, na própria pele.