Férias para os sentidos

O cheiro e o paladar, o toque e os sons e o olhar. Um cenário mágico para ser bem desfrutado com os cinco sentidos, no sul do Brasil

Cânion Fortaleza, Parque Nacional da Serra Geral (Fotos: João Marcos Rosa/Nitro)

Sim, é possível caminhar nas nuvens. Pelo menos para o visitante que percorre os parques nacionais na divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Acidentes geográficos, como rios e serras, são bem comuns na demarcação de limites no Brasil, mas o que se encontra nessa região é um espetáculo à parte. Próximos a platôs que você certamente já viu em filmes, novelas e publicidade de carros, os cânions sulistas se revelam aos olhos no descortinar da neblina após poucos minutos de caminhada. Imponentes, rasgam o solo e desenham os paredões na região. Um cenário mágico para desfrutar com os cinco sentidos.

Floresta de Araucárias2Floresta de Araucárias

Partindo de Porto Alegre, o acesso é pela RS-429 rumo a Cambará do Sul. O trajeto de cerca de 180 quilômetros com asfalto em boas condições é feito em poucas horas e permite ao visitante se acostumar, aos poucos, com o clima frio. 

Quando a vista começa a alcançar belas matas de araucária pode ser também um bom momento para exercitar o paladar com os quitutes típicos da região – especialmente na época do pinhão –, nos cafés coloniais na vizinha São Francisco de Paula, a 69 quilômetros do nosso destino.  

Na chegada a Cambará do Sul, o encontro é com uma cidade surpreendentemente plana, pequena, charmosa e estratégica como ponto de apoio para desbravar os cânions ao redor. Muitas são as opções de pousadas – dentro da cidade e no campo –, além de agências de turismo receptivo que oferecem passeios diários em carros com tração nas quatro rodas para as aventuras. Se você não tiver sorte, como nós, de ir acompanhado por um gaúcho que conheça bem a região, o melhor é mesmo contratar serviços profissionais, para não comprometer o carro e a viagem de volta.

O ideal é reservar pelo menos um dia para conhecer cada um dos cânions, sem deixar de lado as trilhas e atrações nas proximidades. Alguns pontos imperdíveis, como o Lajeado das Margaridas, ficam em propriedades privadas, portanto é preciso se informar previamente sobre o acesso. Mas não deixe de visitar esse local onde o Rio Camisas desce raso e lentamente pelas pedras, formando um poço rodeado por colinas com jardins de araucárias. 

No trajeto, mantenha atentos olhos e ouvidos. Não é raro cruzar com casais de gralhas azuis, símbolo da região. Com canto inconfundível e coloração azul da cor do céu, essas aves são grandes replantadoras dos pinheiros brasileiros, que infelizmente vêm se tornando mais raros, dando lugar a plantações homogêneas de pinus, pinheiro europeu replantado para utilização em móveis e construção. 

Grupo Floreio Nativo

Se sua chegada está planejada para uma segunda ou terça-feira, programe-se para conhecer primeiro o Cânion Fortaleza, pois o Parque Nacional Aparados da Serra só é aberto para visitação de quarta a domingo. Se a chegada for de quarta em diante, a ordem dos olhares não altera o encantamento. E nem tente estabelecer comparações, pois são belezas e experiências distintas.

Quem viaja na companhia de crianças e idosos certamente terá maior facilidade em visitar o Cânion Itaimbezinho, no Parque Nacional Aparados da Serra, onde todo o trajeto é quase plano e pavimentado. Com seus 720 metros de altitude, o local é uma bela fenda com rios correndo ao fundo e incontáveis cachoeiras vistas de cima, a partir de diversos mirantes. O Cânion Fortaleza, mais alto, com seus 1.190 metros de altitude, exige um pouco mais de fôlego, pois os veículos devem ficar estacionados logo na entrada do parque. 

Uma vez na região, esqueça o relógio. Ou melhor, lembre-se dele apenas para despertar cedo e depois se entregue aos encontros e surpresas. Como os parques abrem às 8h, é importante se programar para chegar à portaria um pouco antes. Além de evitar filas, você poderá curtir o visual com maior tranquilidade, com a indescritível sensação de um espetáculo exclusivo. 

Não é fácil despertar com o friozinho (mesmo em pleno verão), mas vale a pena. Agasalhe-se, leve água e filtro solar e encomende seu sanduíche na única padaria da cidade. O almoço pode esperar até o meio da tarde ou ser trocado por um jantar em alguns dos restaurantes de comida gaúcha ou italiana. Outro convite ao paladar são os vinhos da região para relaxar antes de um novo dia de caminhada.

Banca

Já pelo lado catarinense, partindo de Florianópolis, o ponto estratégico para hospedagem é Urubici, a 171 quilômetros da capital, pela BR-282. Dali se pode visitar as cidades mais frias do país, com direito a neve no inverno, como São Joaquim e Bom Retiro. E a melhor época é justamente o inverno, para poder não só tocar a neve como conhecer festas e festivais dedicados ao pinhão, um dos orgulhos mais saborosos da região. 

Cânion Itaimbezinho

Nessas andanças, é possível ainda conhecer um pouco mais da cultura sulista. Afinal, ser gaúcho pode ser muito mais que nascer no estado do Rio Grande do Sul. 

É compartilhar traços na música, na culinária, nos costumes muito bem delimitados pelo clima e relevo. Assim, apesar das diferenças e algumas rivalidades, os gaúchos e catarinenses das serras em muito lembram os “gauchos” uruguaios e argentinos com suas capas, mate quente, a boa comida e as notas que tiram de seus violões e acordeons.

Uma vez visitada a região, esses acordes têm o poder de sempre nos levar novamente pela memória às serras e aos cânions, como num embarque ao voo dos andorinhões que brincam e abusam da liberdade entre os paredões.