Ensaio sobre a cegueira… da direita

Mais confusa do que a direita norte-americana hoje, só a francesa. Ou a brasileira. O curioso é que a confusão nasce não de suas dúvidas, mas de suas certezas

Há quem diga que Romney perdeu porque fez concessões ao centro (Foto:Jim Young/Reuters)

Na França, no fim de semana de 17 e 18 de novembro, uma votação para determinar quem sucederia Nicolas Sarkozy no comando da União por um Movimento Popular (UMP) descambou para uma série de acusações entre os dois postulantes, com direito a bate-boca, denúncias de fraudes, com ambos clamando vitória. Jean François Copé, de 48 anos, da extrema direita da UMP, e François Fillon, ex-primeiro-ministro de Sarkozy, 58 anos, da direita mais moderada, não conseguiram chegar sequer a um acordo sobre quem vencera o pleito.

Copé bradava em sua campanha contra o racismo “antibranco” da periferia de Paris (Foto:Charles Platiau /Reuters)

Copé, de seu lado, manifestava uma reação característica das direitas derrotadas: bradava em sua campanha contra o racismo “antibranco” da periferia de Paris e dizia que sua facção deveria “ocupar as ruas” – numa competição com Marine Le Pen, a candidata de extrema direita derrotada na eleição de abril/maio. Já Fillon queria uma postura mais moderada de seu partido, que cortejasse também aqueles que deram a vitória a François Hollande.

Nos Estados Unidos a situação, embora em outro estilo, não é muito diferente. O país entrou e saiu profundamente dividido das eleições. As ditas “minorias” – cujo somatório será maioria em 2020 – foram fundamentais para garantir a vitória de Barack­ Obama: negros (93%) e latinos (71%) votaram maciçamente no democrata, que também teve uma confortável maioria entre mulheres que vivem sós e gays, é claro. Seu adversário, o republicano Mitt Romney, venceu entre os brancos (59%).

Além disso, a questão é que Romney fez uma campanha aparen­­temente voltada apenas para os mais reacionários desse último segmento étnico-social. Suas contínuas gafes em relação­ às mulheres, por exemplo, mostraram que ele simplesmente “não as enxergava”. Outras, como o vídeo em que ele abomi­nava os “47% de norte-americanos que não querem pagar imposto de renda”, evidenciaram que ele também simplesmente “não enxergava” uma larga parte dos Estados Unidos.

Romney e seus apoiadores estavam absolutamente certos de que ele ganharia a eleição. A derrota foi muito dura para seu ego – egão, melhor dizendo. Tanto assim que ele só reconheceu a derrota uma hora e meia depois que já era de domínio público. Mas em declarações recentes atribuiu a vitória de Obama a “favores” que este dispensou às “minorias”. Que “minorias”? “Mulheres” e “people of colour”, e ainda “jovens”. É muita cegueira.

Mas não é apenas ele a manifestar esse tipo de “incapacidade de ver”. Há um debate entre republicanos sobre como enfrentar a derrota e reabilitar o partido. Muitos, entre eles senadores e governadores, como Chris Christie, de Nova Jersey, e Bobby Jindal, de Luisiana, vieram a público dizer que o partido ­deve voltar-se também para as minorias, para as mulheres, deve “modernizar-se”, em suma.

Mas outros, como Matt Kibbe, executivo de uma organização chamada Freedom Works, dessas que defendem o menor dos Estados mínimos, recentemente afirmou no New York Times, na sala de debates do periódico no Facebook, que Romney perdeu porque fez concessões demasiadas ao centro. Insistiu que a única maneira de os republicanos reconquistarem a Casa Branca é mobilizar os adeptos do Tea Party mais firmemente, e para isso precisam ser mais duros, por exemplo, em matéria de “responsabilidade fiscal”. Ou seja: menos impostos para os ricos, menos investimentos sociais, menos ação do Estado.

Há, portanto, um vasto mundo que simplesmente escapa à visão da(s) direita(s), simplesmente por desinteresse, ou por impossibilidade mesmo de visualizá-lo.

De certo modo, o mesmo acontece no Brasil. Houve um ­certo momento em que o PSDB – Serra à frente – simples­mente ­perdeu o contato com a realidade. Tanto em 2010 como agora, em 2012, em pleitos de natureza completamente distinta, o tucano, como seu correspondente republicano nos EUA, tinha a absoluta certeza da vitória. Por quê? Porque só conseguia focalizar o ­mundo para o qual falava, desconsiderando o “resto”. Quando muito, ­buscando o apoio iluminado de cabos eleitorais problemáticos, como o pastor Malafaia, para trazer esse “resto” a seu aprisco de votos por meio do preconceito intolerante.

Mais ou menos como fez Romney, mutatis mutandis, nos EUA, e como agora está tentando fazer Copé, na França.

Decididamente, precisamos de uma direita mais bem esclarecida. Porque nós, da esquerda, não devemos nos iludir. Essa cega inaptidão da direita rouba o debate, prejudica a esquerda, fazendo-a perder o fio dos argumentos.