De olho no futuro da cidade

Resultados do 1º turno contrariam 'previsões' e comprovam preferência dos cidadãos por candidaturas identificadas com projetos de mudanças em relação ao país do passado

Entre o primeiro e o segundo turno das eleições municipais, é possível dizer que partidos mais identificados com mudanças cresceram, enquanto os mais identificados com o conservadorismo perderam espaço, embora continuem fortes. Fechadas as urnas, também foi possível constatar que se chamuscaram – apesar de não perder a pose – analistas-torcedores que haviam tentado impor derrotados antes do tempo. Eles também já estão de olho em 2014.

Serra tem a seu favor as máquinas da prefeitura e do governo do estado, mas carrega sua alta rejeição e a de Kassab. Haddad entra como fato novo. Fotos de Paulo Pinto (acima) e Yasuyoshi Chiba/AFP (abaixo)

Serra em campanhaPT e PSB se fortaleceram após os resultados do primeiro turno. Muitos dos famosos analistas apostavam que os petistas perderiam espaço por causa do processo do mensalão, cujo julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) coincide com o período eleitoral. Provavelmente atrapalhou, mas ainda assim o partido viu o número de prefeituras sob seu comando crescer 12% em relação a 2008.

O PSDB está mais frágil e tenta uma vitória no maior colégio eleitoral do país, em São Paulo, justamente contra o PT, para atenuar a derrota. Para a historiadora Maria Victória Benevides, porém, a tarefa não será fácil. “A candidatura de José Serra tem a seu favor elementos nada desprezíveis, as máquinas da prefeitura, do governo do estado. É muito poder econômico, e de comunicação”, observa. Mas pondera: “Ele carrega uma rejeição própria muito alta, talvez decorrente da campanha obscurantista nas eleições presidenciais de 2010, e também a rejeição ao atual prefeito Gilberto Kassab. E ele inventou o Kassab.”

O futuro gestor terá de lidar com uma herança incômoda. Segundo reportagem de O Estado de S. Paulo, a dívida projetada para o município em 2013 é de R$ 72 bilhões (171% do orçamento), e terá de ser negociada com a União para que a cidade possa fazer novos investimentos.

Mapa 2º turnoUm olhar um pouco mais para trás permite constatar que as mudanças nem são tão recentes. O PT tem agora 11,2% das prefeituras brasileiras (624). Tinha 3,4% em 2000, 7,4% em 2004 e 10% em 2008. O PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, foi de 2,4%, em 2000, para 7,6% agora (436). O PSDB, numericamente, tem mais prefeituras (689), mas registra queda constante: 17,8% das prefeituras em 2000, 15,6% em 2004, 14,2% em 2000 e 12,3% agora. O PMDB, ainda o líder (1.019 prefeituras), passou de 22,6%, em 2000, para 18,3%.

Gráfico resultados

O DEM – ao lado do PSDB o principal grupo de resistência ao lulismo – segue sua crise. Levou no primeiro turno em Aracaju e vai disputar Salvador no segundo – também com o PT. Mas perdeu quase metade das prefeituras em relação a 2008 e agora tem menos de 5%. Nos tempos de PFL, ainda em 2000, tinha mais de 18%.

Saído da costela do DEM, o PSD do ainda prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ficou com o comando de 9% dos municípios. O PSD, porém, ainda é caso a ser analisado sobre os rumos que vai escolher. Consta que saiu de dentro do DEM para assumir feição de “centro” e aderir à base de apoio do governo Dilma.

Cuidar do mundo real

A professora e historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP), concorda que o DEM “minguou significativamente”, mas prefere aguardar mais tempo antes que se possa decretar o fim do partido. Para ela, as eleições mostraram “uma coisa nova aparecendo”, e ela identifica no PSB uma força que não pode ser desprezada.

Tradicionais aliados, PSB e PT se desentenderam em duas capitais importantes: Belo Horizonte e Recife. Mas o governador Eduardo Campos já garantiu que seu partido seguirá com Dilma, inclusive em 2014, ano da sucessão presidencial. “Temos com o presidente Lula uma relação de muito respeito. Caminhamos juntos e isso fez bem a muitos municípios e estados. Mas é legítimo querer crescer. Aliás, isso é importante para o próprio PT”, afirmou em entrevista à revista CartaCapital, destacando o crescimento “do campo político progressista no Brasil”.

Mas é claro que eles, os “analistas”, já tentam aproximar o PSB do PSDB. O colunista e imortal Merval Pereira, de O Globo, primeiro apostou em uma derrota do candidato petista em São Paulo, Fernando Haddad, o que poderia “quebrar o encanto” criado em torno de Lula. Não concretizada a profecia, a análise foi para outro flanco: “O fato é que a visão de Estado do governador Eduardo Campos é mais próxima da do PSDB, mais especificamente da do senador Aécio Neves, ou mesmo do estilo administrativo modernizante imposto pelo governo do PMDB no Rio de Janeiro com o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, do que a do PT que prevalece hoje no governo Dilma”.

As palavras de Campos, na mesma entrevista, contrariam essa visão. “Nossa posição é de ajudar a presidenta Dilma a fazer um bom governo e a disputar outro mandato. Mas antecipar esse debate, em qualquer direção, é um desserviço ao país. A gente tem de cuidar do país, do mundo real, que não está preocupado com 2014.”

Com quase 8,7 milhões de eleitores e potencial de influenciar a política nacional, São Paulo já vive ares de 2014, com nova disputa entre PT e PSDB, entre o estreante Fernando Haddad, o “novo”, conforme sustenta a propaganda do partido, e o veterano José Serra, que passou a maior parte do primeiro turno se preocupando em prometer sua permanência durante todo o mandato, se eleito – ele assumiu a prefeitura em janeiro de 2005 e largou 15 meses depois para disputar o governo estadual.

Serra começou o primeiro dia de campanha dizendo que o PT usa a eleição para encobrir o processo do mensalão. Sobre o tema, a professora Maria Aparecida observa: “A gente não pode e não deve ser cínico e dizer que a população não está nem aí para a moralidade pública. A condenação de determinadas práticas políticas está muito clara. Para todos os partidos”, acredita. Porém, ela projeta uma impacto posterior do processo para o sistema político, e não imediato.

De imediato, o que pesou foram as realidades locais. Em Recife, por exemplo, onde PT e PSB eram aliados histórico e saíram com candidatos solo, havia uma gestão mal avaliada do prefeito João da Costa, do PT, e as brigas internas do partido. Quem levou foi Geraldo Julio, do PSB, afilhado político do governador Eduardo Campos. Em Osasco, Celso Giglio (PSDB) tem 150 mil votos considerados nulos pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Jorge Lapas (PT), substituto de João Paulo Cunha, condenado no STF, chegou junto, com 138 mil, e deve ser considerado eleito no primeiro.

A exploração do mensalão também não ajudou o PSDB a manter a prefeitura de São José dos Campos (SP) – depois de 16 anos no poder. Na cidade que ficou nacionalmente famosa pela trágica desocupação do assentamento Pinheirinho, pela PM e pela Justiça paulistas, o petista Carlinhos Almeida venceu no primeiro turno.

Os candidatos devem se preocupar também com outros recados das urnas deixam. No primeiro turno da eleição paulistana, o total de abstenções atingiu 18,48%, ante 15,63% no primeiro turno de 2008 – quase 1,6 milhão de pessoas não foram às urnas. Os votos em branco foram de 3,34% para 5,43% e os nulos, de 4,58% para 7,35%. Podem ser sinais de que os eleitores esperam uma política baseada em propostas para a cidade, para o dia a dia, e não uma estratégia concentrada na agressão e em tentativas de misturar alhos com bugalhos.

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Este texto resume um conjunto de reportagens da Rede Brasil Atual na cobertura da eleições, com Celso Filho, Eduardo Maretti, Evelyn Pedrozo, Fábio Jammal, Gisele Brito, João Paulo Soares, João Peres, Maurício Thuswohl, Paulo Donizetti de Souza, Sarah Fernandes, Tadeu Breda, Túlio Muniz e Vitor Nuzzi