Imbróglio federal

A greve nas universidades federais expôs diferenças de concepção e desavenças políticas. Governo cita crise e diz ter feito o que pôde. Os profissionais criticaram

Servidores e professores fazem manifestações em Brasília: semestre letivo perdido (Foto: Marcello Casal Jr/Abr)

Dois ministérios e três entidades que representam os professores do ensino federal protagonizaram a greve do setor, que começou em maio e entrou em agosto. Diferenças de concepção sobre o ensino, divergências políticas e um período de crise complicaram as negociações. Para  sindicalistas, por exemplo, na bancada do governo a visão econômica pôs o Ministério da Educação em segundo plano. Um dos negociadores governistas contesta. “Foi bem equilibrado (entre Planejamento e Educação). 

Mas ele admite: “É uma negociação complexa, que também leva a orientação da Presidência da República”, observa. Após rejeição unânime de sua proposta feita em 13 de julho, o Executivo refez contas e apresentou nova oferta 11 dias depois. Duas das três entidades que negociam pelos professores mantiveram posição contrária ao acordo, basicamente por pendências relacionadas à carreira dos docentes na rede pública federal. Na parte econômica, a proposta prevê reajustes a partir de 2013 que atingirão entre 25% e 40% sobre o salário reajustado em 4% este ano. O governo estima em 20,8% a inflação de agora até fevereiro de 2015. Os sindicalistas, começando a conta por 2010 – o último reajuste foi em julho daquele ano –, apontam perdas. 

Arte: Júlia Lima“A desestruturação da carreira continua”, critica o primeiro-vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes SN), Luiz Henrique Schuch, que após a reunião do dia 24 disse não ver “nenhuma relação lógica na evolução entre os níveis e as classes, os regimes de trabalho e as titulações”. 

O Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), alinhado ao Andes-SN, também criticou. “Essa contraproposta apresenta algumas pequenas melhorias financeiras e retira algumas das questões estruturais negativas que haviam sido introduzidas pelo governo na proposta apresentada no dia 13. O governo, porém, insiste em não fazer uma verdadeira reestruturação da carreira, aprofundando a desestruturação”, afirma a entidade.

Já a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes) considerou as reivindicações das entidades atendidas. “Se não é a proposta ideal, não é ruim. Foram retirados itens que julgávamos inaceitáveis”, diz o diretor de Assuntos Educacionais do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Proifes, Nilton Brandão. Entre esses itens, o aumento da carga horária e restrições à progressão na carreira.

Dinâmica

O secretário de Relações do Trabalho no Serviço Público, do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, diz que a nova proposta garante aumentos reais a todos os docentes. “Nenhum professor vai ter perdas”, afirma. Ele lembra que a tabela é a mesma para universidades e institutos, estes com mais professores graduados e aquelas com mais titulados, o que aumenta a complexidade da negociação. O governo diz que tem como objetivo estimular as universidades a atingir 100% de doutores nos próximos anos.

O professor da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano Schutte, integrante do comando local de greve, considera que o governo foi lento nas conversas com os servidores. “A negociação do dia 13 claramente foi chamada às pressas, para abafar o movimento. E parece que a dinâmica é toda da Fazenda e do Planejamento”, avalia. “Nossa greve não é por aumento real, mas por reestruturação da carreira, o que obviamente tem impacto no Orçamento.”

Congresso

A questão do Orçamento pressiona os envolvidos na negociação. Por lei, o governo deve entregar ao Congresso seu projeto orçamentário anual até 31 de agosto de cada ano – ou seja, quatro meses antes do encerramento do período legislativo. Assim, itens que contemplem os reajustes dos professores – e do funcionalismo em geral – precisariam já estar definidos para ser incluídos na proposta e aplicados em 2013. “O governo não vai encaminhar ao Congresso sem um acordo”, afirma um dos interlocutores.

Aloizio Mercadante (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebon/ABr)Segundo a presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo (Adunifesp), Virgínia Junqueira, a questão transcende o volume de recursos que o governo informa que destinará ao setor nos próximos três anos – de acordo com o Executivo, com a nova proposta o impacto orçamentário passou de R$ 3,92 bilhões para R$ 4,2 milhões – e diz respeito a carreira profissional e estrutura para professores, alunos e funcionários. Ela conta que as conversas do Andes-SN com os dois ministérios se repetem desde o final de 2010. “O interlocutor deveria ser o Ministério da Educação, para intermediar essa proposta e levá-la ao Planejamento.” Na visão da professora, a concepção atual revela mais preocupação com custo do que com qualidade. “Com certeza quem segurou esse processo negocial foi a área financeira do governo”, afirma Brandão, do Proifes.

Mercadante: “Não conheço nenhuma categoria profissional que tenha recebido aumento desse porte e conquistado uma carreira em um momento de tantas incertezas econômicas” (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr)

O Executivo admite preocupação com a conjuntura econômica, mas diz que isso não fez interromper as negociações. “O governo está avaliando com muito cuidado a crise internacional, como vai expandir o gasto e a folha de pagamento”, afirma um negociador. “Não conheço nenhuma categoria profissional, de atividade pública ou privada, que tenha recebido um aumento desse porte e conquistado uma carreira em um momento de tantas incertezas econômicas, com um cenário de crise como o que se apresenta”, declarou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, após a reunião de 24 de julho. 

Com posições divergentes entre as entidades dos professores, a decisão do governo de não ir além e o prazo curto, a negociação pode terminar em impasse. “Se esticar muito a corda, todos perdem”, comenta um dos integrantes da mesa.

Em maio, ao ser homenageado com cinco títulos honoris causa concedidos por universidades federais no Rio de Janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o estímulo dado ao setor. “Orgulho-me de termos criado 14 novas universidades federais e 126 extensões universitárias, nas mais diversas regiões do país, democratizando o acesso ao ensino superior. Simplesmente dobramos o número de vagas nas universidades públicas”, afirmou. Desde 2003, o sistema passou de 600 mil para 1,2 milhão de alunos.

Se a premissa é de que houve avanços no período Lula, na avaliação de Giorgio, da UFABC, esse processo não pode ser interrompido. “A expansão não era só numérica, era uma concepção, e com critérios de inclusão social”, observa. Na UFABC, por exemplo, 50% dos alunos vêm de escolas públicas. “Você não pode consolidar a precarização, precisa avançar. É preciso voltar a discutir a carreira. Se não houver sequência, a agenda positiva vira negativa.” 

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Sérgio Mendonça, com servidores: governo defende a negociação permanente (Foto:Mércia Menescal/Proifes)

Efeito dominó

Sérgio Mendonça com servidores federais (Mércia Menescal/Proifes)

Os professores talvez sejam a face mais visível da greve dos servidores federais, que atinge diversas categorias – exatas 26, em 25 estados e no Distrito Federal, segundo a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). Em 26 de julho, por exemplo, o IBGE não pôde divulgar a série completa da taxa de desemprego do mês anterior porque ainda não tinha disponíveis os dados referentes à região metropolitana do Rio de Janeiro. Basicamente, os servidores pedem aumento salarial e mudanças nos planos de carreira. 

O secretário de Relações do Trabalho no Serviço Público, Sérgio Mendonça, conta que nos primeiros três meses no cargo participou de mais de 100 reuniões de negociação com entidades do funcionalismo. Em entrevista dada em junho à Rede Brasil Atual, ele observou que a despesa de pessoal “não pode estar desconectada da política macroeconômica e fiscal”, mas reiterou que o governo defende uma política de negociação permanente. 

Na greve atual, o clima piorou com a publicação do Decreto nº 7.777, de 24 de julho, que entre outros itens permite o uso de mão de obra estadual ou municipal, mediante convênio, durante o período de paralisação. “Tal medida atropela o processo de diálogo e vai na contramão da legitimidade de uma paralisação em defesa de salários e direitos”, reagiu a Executiva Nacional da CUT. “O confronto que se agrava após mais de um mês de paralisação só se estabeleceu pela incompreensão do governo federal, que, movido pela lógica do desmedido ‘ajuste fiscal’, arrocha salários e investimentos, medidas incompatíveis com os compromissos assumidos e com as necessidades da sociedade brasileira, em especial dos servidores públicos.”