Questões de classe em jogo

CUT renova direção e prevê período difícil. Se a crise internacional afetar mais o crescimento, disputas com o patronato e a área econômica do governo devem se acirrar

Vagner e Artur: apreensão no mundo do trabalho (Foto: Dino Santos/CUT)

A CUT surgiu há 29 anos, ainda na ditadura, e conviveu a maior parte do tempo com governos hostis ou pouco receptivos ao movimento sindical. E chega a seu 11º Congresso Nacional, o Concut, agora em julho, em situação distinta: com um governo que ajudou a eleger pela terceira vez seguida (duas com Lula e uma com Dilma), com as centrais sindicais legalmente incluídas na estrutura sindical brasileira desde 2008 e com um ambiente mais propício à negociação. Mas não se livrou das tensões internas, nem “chegou ao poder”, como afirmaram algumas vozes mais ácidas, embora a relação seja efetivamente diferente na comparação com, por exemplo, os anos FHC.

Para o presidente da CUT até o congresso, Artur Henrique, no período recente a central consolidou sua plataforma, em um contexto de “disputa de um modelo de desenvolvimento que coloque o trabalho no centro do debate”. Disputa que ora aproxima, ora distancia a entidade do governo – e não pode distanciá-la da base, ou seja, os sindicatos. “Continuamos tendo postura de independência em relação ao governo”, afirma Artur, citando a greve nas universidades federais e dados do Dieese sobre paralisações no setor público. “Em todas as greves do governo Lula, a CUT estava à frente. Mas não ficamos em cima do muro e com medo de apoiar as medidas que são favoráveis aos trabalhadores.”

Ele rebate argumento de parte do movimento sindical de que uma suposta aproximação do poder enfraqueceria a entidade. E lembra que, dos sindicatos filiados a alguma central, 46% estão ligados à central. “Se essa tese fosse real, a CUT perderia representatividade.”

Secretário de Finanças até o momento do congresso, Vagner Freitas vê uma trajetória coerente da central em relação ao que considera um dos principais desafios do sindicalismo nas últimas décadas: o enfrentamento ao neoliberalismo, “à ordenação econômica voltada para o mercado e desinteressada das pessoas”, como define. “Sabemos as dificuldades que tivemos no governo Fernando Henrique. Era uma relação de enfrentamento de classe. Hoje continuamos independentes de governos, mas sabemos reconhecer que há momentos em que nosso projeto é posto em prática”, avalia. “A grandeza de uma central se vê pela capacidade de avaliar a conjuntura. A CUT defende os projetos políticos para a classe trabalhadora. Se isso coincidir com alguma política de governo, melhor.”

O sindicalista – indicado pelas principais correntes dentro da CUT para presidir a central nos próximos três anos –, teme se aproximar um período de cenário desfavorável, uma vez que, sob impacto da crise mundial, o crescimento da economia brasileira segue em ritmo desacelerado. “Se a economia crescer menos, as políticas devem levar em conta os trabalhadores. Vamos ter muita disputa na sociedade”, afirma Vagner. Para ele, a base de sustentação do governo Dilma é mais conservadora do que em relação a Lula, ainda que o governo atual mantenha as políticas do anterior. “Precisamos estabelecer o nosso papel. Serão três anos de intensa agenda sindical, de mobilização, mas também de diálogo.”

Em débito

Artur destaca a importância das chamadas contrapartidas sociais nas discussões com governo e empresários. “Quando se discute modelo de desenvolvimento, isso (PIB) é apenas parte do problema. Estamos falando de políticas públicas, políticas sociais, combate à miséria, salário mínimo. Não basta criar empregos, é preciso discutir a qualidade desses empregos.” 

Ele critica o que chama de “visão restritiva” na área econômica do governo, de olhar apenas para os indicadores e não se preocupar com questões como a rotatividade do mercado de trabalho e a terceirização – sem contar o corte nas despesas. “Investimento não é gasto, servidor público também não.” Do mesmo modo, faz ressalvas às recentes medidas de desoneração, em tentativas de estimular a economia. “Não acreditamos que desonerações pontuais, para determinados setores, deem resultados a médio e longo prazo.”

Segundo Artur, o governo é “ágil no atendimento de determinadas demandas do setor empresarial”, enquanto questões relacionadas à pauta sindical ainda emperram no Executivo e no Legislativo. Ele acrescenta que, desde o início de seu mandato, a CUT já apontava a necessidade de reformas política, tributária e agrária. “A concentração de renda continua elevada e o país, muito desigual. Estamos diante de uma disputa de projetos, não pode haver retrocesso.”

Quanto à relação com outras centrais, Vagner admite divergências, principalmente relacionadas à concepção de estrutura sindical “arcaica, carcomida pelo tempo”, mas acrescenta que isso não impedirá a realização de manifestações conjuntas. “Nosso enfrentamento é com o patrão, com o capital, e com políticas de governo que não são interessantes para nós.” Para ele, a CUT também deve dar atenção à massa de brasileiros integrados à economia de mercado nos últimos anos e ao crescimento da chamada classe média. “Precisamos ter a capacidade de entender as necessidades dos trabalhadores para representá-los corretamente.”

Para os cutistas, o Estado deve ser fomentador da economia. “Inclusive regulando”, observa Vagner. “Ficou claro que aquela ideia da década de 1990, de Estado mínimo, não funcionou. Nós, que fomos chamados de dinossauros, desinformados, estávamos alertando que aquele capitalismo virtual nada tinha a ver com uma sociedade justa. Emprego, educação pública, saúde pública não são ativos mercadológicos.”

Em tese apresentada em 2009 no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Mario Henrique Guedes Ladosky abordou a relação entre a CUT e o governo Lula. Ele observa que a central passou pelo mesmo processo ocorrido em outros países e épocas. “Sempre há tensão sobre o papel do movimento sindical quando um partido de origem operária chega ao poder.” 

Mas se trata de um governo não exclusivamente de esquerda, sujeito a pressões que levam a medidas nem sempre de acordo com as expectativas do movimento sindical. Assim, há avanços e resistências. “É a situação que vai exigindo respostas que têm de ser dadas naquele momento”, afirma Ladosky. “Mudou a estratégia, não a concepção.”

Ele vê três fases distintas no processo de consolidação da central. A primeira, nos anos 1980, mais “conflitiva”, com maior presença em oposições sindicais, ainda com regime autoritário e inflação elevada. A segunda, mais concentrada nos anos 1990, de inflexão, tentativa de resistência ao neoliberalismo e defensiva em um contexto de desemprego mais elevado, com maior presença institucional mesmo em cenário mais adverso. Por fim, após 2002, uma fase mais favorável do ponto de vista econômico e político para se pôr em ação uma estratégia mais “contratualista”, de negociação.

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