Bola dividida

CUT retoma debate sobre o fim do imposto sindical e é questionada pelas outras centrais. Propostas e projetos não faltam. Polêmica vale R$ 2,5 bilhões

“Somos contra o imposto porque enche o caixa de qualquer sindicato, mesmo daqueles que nada fazem pelo trabalhador”(Foto: Paulo Donizetti de Souza)

Nos últimos 25 anos, o fim da contribuição (ou imposto) sindical já foi anunciado algumas vezes. Era aposta firme na Constituição de 1988. Foi dado como certo inclusive no governo Fernando Collor. Esteve na berlinda durante o Fórum Nacional do Trabalho, no início do governo Lula. Agora, por iniciativa de uma campanha da CUT, o tema volta à discussão. A ideia da central é conseguir apoio nas ruas, por meio de um plebiscito durante este mês de abril, e chegar em 2013 a um projeto de lei que ratifique a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre liberdade e autonomia sindical. 

Compulsório, o desconto equivale a um dia de trabalho de todo assalariado com carteira assinada, no holerite de março. As empresas também têm de recolher, todo mês de janeiro, uma alíquota baseada em seu capital social. 

Criada em 1943, a contribuição sindical é distribuída da seguinte forma: 60% para os sindicatos, de trabalhadores e patronais; 15% para federações sindicais às quais esses sindicatos são associados; 5% para confederações; 10% para as centrais: e 10% vão para um fundo do Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2011, movimentou perto de R$ 2,5 bilhões. Por isso, tem também muitos defensores, o que sinaliza uma batalha difícil no Congresso Nacional.

Para o presidente da CUT, Artur Henrique, os sindicatos devem basear suas receitas em apenas duas fontes, ambas com valores aprovados por assembleias: a mensalidade dos sócios e em uma contribuição, a ser criada, sobre negociação coletiva, com fixação de um teto. “Estamos ousando no sentido de ouvir os próprios trabalhadores. Dos dirigentes nós já sabemos a resposta”, comenta. Para ele, entidades realmente representativas e atuantes não devem recear o fim desse imposto.

O dirigente diz que passou da hora de os sindicatos se prepararem para viver sem o imposto, convencendo o trabalhador de que vale a pena manter sua representação. “Falamos disso há 30 anos”, diz. “Mas também não queremos sindicato sem dinheiro. Esse é o sonho dos empresários.” Simultaneamente, a legislação deve mudar para coibir as chamadas práticas antissindicais, como a perseguição, pelas empresas, a trabalhadores que decidam se associar ao sindicato de sua categoria.

“Hoje no Brasil você tem empresário que monta sindicato de trabalhadores para negociar com ele mesmo. Somos contra o imposto porque essa taxa enche os caixas de todo e qualquer sindicato, mesmo daqueles que nada fazem pelo trabalhador e em cujas estruturas alguns dirigentes se perpetuam”, sustenta Artur. “Como o trabalhador paga sem muitas vezes nem saber qual o sindicato que diz o representá-lo, esses sindicatos nunca ouvem suas bases e jamais debatem os rumos de sua atuação com aqueles que os sustentam.” 

Fatias

A substituição gradual do imposto sindical pela chamada taxa negocial foi praticamente acertada durante o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), mas emperrou no Parlamento, como outras propostas relacionadas à reforma sindical e trabalhista. “Infelizmente, estávamos no auge da crise política”, recorda Artur Henrique. “Naquele momento se iniciou uma reforma sindical fatiada.” Começaram, então, as negociações para o reconhecimento das centrais, que culminaram na sanção da Lei nº 11.648, em 2008. 

Essas entidades ingressaram formalmente na estrutura sindical brasileira e passaram a ter direito a 10% do imposto. Mas, pelo artigo 7º da lei, isso deverá acontecer apenas até a criação legal da contribuição negocial, “vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembleia geral da categoria”.

O Congresso tem vários projetos sobre o tema. O próprio FNT resultou em uma proposta de Emenda à Constituição, a PEC 369, de 2005, que tratava de temas como o fim da unicidade sindical e a substituição do imposto sindical pela contribuição negocial. A tramitação parou em 2008, até que no ano passado a PEC voltou para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Em agosto, o deputado Moreira Mendes (PPS-RO) foi designado relator. Ele chegou a emitir parecer pela admissibilidade da proposta, mas pouco tempo depois a matéria saiu da pauta e foi devolvida ao relator, para reexame. Agora em março, um grupo de trabalho discutia uma proposta de substitutivo ao projeto. Procurado, o deputado não deu retorno.

O cientista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), só vê uma chance de a discussão prosperar, e isso dependeria da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada em 2009 pelo DEM, questionando o repasse de 10% do imposto às centrais, que receberam R$ 115 milhões em 2011, pouco mais da metade para as duas maiores, a CUT e a Força Sindical. 

O julgamento da Adin 4.067 está empatado em três a três, e faltam quatro votos. Um dos ministros, José Antonio Dias Toffoli, se declarou impedido por ter se posicionado contra a ação quando era advogado-geral da União. Mas a votação está parada desde março de 2010, por um pedido de vista do então presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto.

Para Queiroz, caso o STF acate a ação do DEM, a proposta de substituição das taxas voltaria a ganhar corpo no Congresso, porque haveria necessidade de buscar uma nova receita. Por enquanto, com boa parte do movimento sindical e as confederações patronais contra, “a presidenta não vai entrar numa bola dividida”, observa o analista.

Os deputados federais Daniel Almeida (BA) e Flávio Dino (MA), ambos do PCdoB, fizeram uma “PEC resposta” à ação do DEM, para garantir o repasse às centrais. Apresentada em dezembro de 2010, a PEC 531 aguarda relator na CCJ da Câmara. 

dinheiro

Insegurança

O presidente da CTB, Wagner Gomes, vê o risco de um ambiente de insegurança jurídica caso a contribuição sindical deixe de ser garantida pela Constituição. “O imposto é que mantém minimamente grande parte dos sindicatos. É importante para que os sindicatos sobrevivam e para ter uma garantia jurídica mínima. Se você tirar isso da Constituição, há o risco de o Ministério Público do Trabalho suspender inclusive o repasse da contribuição que for criada”, argumenta. 

Gomes também manifesta receio do resultado das negociações com os parlamentares. “Temos um Congresso que não é absolutamente favorável aos trabalhadores. Você sabe o jeito que entra, mas não sabe o jeito que sai.” O dirigente acredita que o imposto garante a sustentação das entidades sem pressões externas. “Ou o trabalhador sustenta o sindicato, ou alguém vai sustentar, patrão, governo, e não com a melhor das intenções”, diz.

O debate sobre questões como imposto e unicidade sindical esfriou a relação entre a CUT e as outras centrais, que em 2010 participaram juntas de uma conferência, a 2ª Conclat, para entregar uma pauta de reivindicações aos candidatos à Presidência da República. Para Wagner Gomes, a divergência sobre o imposto nunca foi motivo para impedir a unidade. “Acho que a CUT não participa porque tem no DNA o exclusivismo”, critica. “Isso (a campanha anti-imposto), neste momento, só serve para desviar das questões principais do país.”

Para o presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), não haveria problema em acabar com o imposto sindical, desde que houvesse outra contribuição legal garantida, como a negocial. Em relação à campanha da CUT, ele avalia que o mais correto seria defender a criação dessa nova contribuição, para depois discutir o fim do imposto oficial. Acabar com essa taxa, antes disso, equivaleria a “quebrar a espinha do movimento sindical e, consequentemente, prejudicar os trabalhadores”. Ele diz que houve, de fato, um acordo entre as centrais sobre a criação da contribuição negocial, mas a discussão não foi adiante.

 

E o deles?

 

Paulinho também considera necessário discutir mais a contribuição sindical patronal. Nesse item, há concordância entre Força e CUT. “Muitos empresários falam muito em reduzir imposto. Por que não começam reduzindo o próprio imposto?”, provoca Artur Henrique. Federações e confederações empresariais também recolhem imposto sindical. Em 2011, pelos dados do Ministério do Trabalho, enquanto as entidades de trabalhadores ficaram com R$ 1,6 bilhão, as empresariais receberam R$ 819 milhões. 

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) defende a manutenção do imposto como pressuposto “para que as entidades sindicais desempenhem as prerrogativas constantes da CLT”. E sustenta que, sem a taxa, as representações tanto de empregadores como de trabalhadores não conseguiriam exercer as atividades previstas pela Constituição. Para a CNC, a contribuição é uma importante fonte de recursos, incluindo as filiadas, “indispensável para o custeio de suas atividades”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) não se manifestou.

A receita da presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira, inclui planejamento e transparência. “O sindicato tem de prestar contas, e você precisa de receita para manter a luta sindical”, observa. “Essa forma (imposto sindical) possibilita a acomodação das direções sindicais. Com a taxa negocial, você está prestando contas para a categoria.”
Assim, o que está em questão é o conceito de sustentação dos sindicatos. E de como o trabalhador vê o resultado da atividade. “Tem de haver um planejamento para isso. E você tem de discutir com a categoria outras formas de sustentação. Isso ajuda a formar um sindicato mais aberto, mais democrático”, diz Juvandia.  

Dá para viver sem?
São poucos os exemplos de entidades que tomaram a decisão de abrir mão do imposto e se manter financeiramente com base nas contribuições dos sócios. Os casos mais notórios são os dos sindicatos dos Bancários de São Paulo, dos Metalúrgicos do ABC e dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia-CUT). Este ano, o Sinergia conseguiu não apenas barrar o recolhimento de sua parte, como a liminar obtida no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, em Campinas, aciona ainda as demais partes interessadas – federação, confederação, central e ministério – para se posicionar quanto à cobrança.
Pela decisão do TRT, provisória, 20 mil trabalhadores de 69 empresas no interior paulista deixam de recolher a contribuição. O presidente do Sinergia, Gentil de Freitas, lembra que desde 1991 o sindicato obteve liminares para impedir o desconto de sua parte (60%) do imposto sindical. Ao mesmo tempo, alterou a cobrança das mensalidades, para que se tornassem a principal fonte de receita. “Mudamos de um valor fixo para um valor proporcional ao salário (1,3%). Com essa mensalidade, dá para sobreviver. Antes, o sindicato sobrevivia praticamente da receita do imposto sindical.”
Foi preciso também estimular a sindicalização, para que a mensalidade garantisse a sustentação do sindicato. Já faz alguns anos que 90% dos trabalhadores da base são sócios do Sinergia. “Ele (o trabalhador) fica sócio desde que se sinta representado”, diz Gentil. “E isso exige serviço.”
De 1991 a 2007, as liminares foram concedidas pela Justiça Cível. Desde que a ação passou para a Justiça do Trabalho, o sindicato não havia mais conseguido suspender a taxa e até chegou a ser multado pela tentativa. Desta vez, conseguiu uma vitória mais ampla – o juiz Carlos Eduardo Oliveira Dias chegou a criticar, na decisão, “um padrão de organização sindical completamente dependente do Estado”. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen, tem feito críticas constantes ao modelo, que considera “ultrapassado e arcaico”, em boa parte por causa da contribuição sindical obrigatória.
No caso do Sindicato dos Bancários de São Paulo, a receita vem, basicamente, das mensalidades e da gráfica. Os valores referentes à contribuição assistencial são devolvidos àqueles que manifestarem sua oposição ao desconto. No caso do imposto sindical, a entidade manteve por mais de uma década liminar que isentava os trabalhadores da cobrança, mas a medida foi cassada pela Justiça em 2005, e os bancários voltaram a sofrer o desconto. A partir do ano seguinte, o sindicato passou a devolver sua parte (60%) aos trabalhadores cadastrados. Este ano, a devolução deve ser feita a partir de julho.