Apesar do sistema

Iniciativa de ex-detento Dexter, em parceria com o magistrado e ONGs, se propõe a levar educação, cultura, capacitação e formação política para o sistema prisional

Todo mundo que está ali tem um plano, mas as dificuldades são grandes. E o Plano B pode ser o crime

“Somo rotulados quando entramos aqui. Eu não espero por ninguém, só por Deus. Mas procuro me informar, sei os meus deveres e os meus direitos. E sei que sozinho talvez não consiga nada. É uma boa oportunidade esse curso e temos que agarrar.” Daniel tem 26 anos, e está em sua quinta passagem pela prisão. Ainda tem dois meses para “tirar” em regime semi-aberto na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos (SP). Sua fala sintetiza o eixo expressado pelos participantes do projeto Como vai seu mundo?, realizado há um ano.

A iniciativa é do rapper e ex-detento Dexter, em parceria com o juiz Jaime dos Santos Jr., a ONG Instituto Crescer e o Coletivo Peso, e se propõe a levar educação, cultura, capacitação e formação política para o sistema prisional. “Temos como objetivo colocar a sociedade em contato com o sentenciado e desenvolver nele a capacidade de diálogo e de troca de informação”, aponta o magistrado. Daniel está com os demais jovens no campinho de terra da penitenciária. Eles aguardam os shows de Yzalú, Ca.Ge.Be, Rael da Rima, Dom Pixote e Dexter, na formatura de 68 presos. Foram seis meses dessa etapa do projeto, com oficinas, programas de rádio, vídeos, fanzines, exposição fotográfica, música. Doze horas de atividade, um dia a menos de pena.

Nelson Silva Santos tem 35 anos, metade deles passada atrás das grades em 25 penitenciárias. “Se houver isso dentro dos presídios as pessoas vão sair transformadas. A cadeia não transforma ninguém, o sistema em si. Mas a cultura, a leitura, a oportunidade sim”, defende. Eric Bento dos Santos, também de 26, quer emplacar carreira de cabeleireiro. “A verdadeira ressocialização não é o governo que dá, não é o Dexter nem o projeto, cresce dentro de você e expande”, acredita.

“O cara que vai uma vez na oficina não consegue mais deixar de ir”, acredita Tassiano Máximo. Sua família vive em São José do Rio Preto, mas desistiu de reivindicar transferência por aproximação familiar. Prefere poder continuar aproveitando os espaços oferecidos pelo projeto. “Aqui é mais longe, mas em seis meses minha mente abriu de uma forma que posso colocar em prática o que aprendi, pessoas vêm passar mensagens positivas”, elogia. Quando sair, Máximo pretende montar uma grife de roupas com estampas remetendo a esportes radicais.

Nelson também tem seus planos. Completou o ensino médio no cárcere, participou do Enem e almeja cursar faculdade de Antropologia. Eric lembra que “todo mundo que tá aqui tem um plano”, mas as dificuldades são grandes. “Quando o Plano A não dá certo, o Plano B pode ser o crime”, alerta. “É preciso derrubar o muro existente entre o preso e a sociedade. E o alicerce desse muro é o preconceito.” Animada com a experiência de oficineira, Yzalú – que faz versões banquinho-e-violão para sucessos do rap – agora tem como objetivo estender o projeto para penitenciárias femininas.