Governo de SP e Alesp: muito a explicar

Emendas indicadas por deputados estaduais paulistas seguem nada transparentes. E faltam agilidade e disposição para investigar

A caixa-preta revelada com a denúncia de que parte dos deputados estaduais de São Paulo vende a cota de emendas ao Orçamento estadual esconde mais problemas. As pontas soltas no emaranhado criado pelo governo tucano e sua base aliada na Assembleia Legislativa seguem aparecendo em ritmo mais acelerado do que a disposição de investigar o caso.

Ainda em outubro, a Secretaria da Casa Civil se comprometeu a publicar uma lista com o intuito de clarear dúvidas. De 2007 a meados de 2011, todas as emendas liberadas, organizadas por autor, destino e valor, seriam divulgadas. Quando o documento veio à tona, as inconsistências fizeram com que até os parlamentares da situação desconfiassem – e o desacreditassem.

As indicações, como as emendas são chamadas pelo governo, são fruto de um acordo firmado em 2006 entre Executivo e Legislativo estaduais. Por ter caráter informal, não houve regulamentação sobre o funcionamento da cota de R$ 2 milhões anuais para cada um dos 94 deputados sugerir destinação – para quadras de esporte, reforma em unidades de saúde etc.

Sem lei, o cenário seria mesmo favorável à proliferação de práticas ilícitas, como a cobrança de propina de 40% do valor das emendas de empreiteiras, prefeituras e ONGs beneficiadas pelo recurso liberado. Mas, além das denúncias trazidas pelo deputado Roque Barbiere (PTB) sobre o esquema de venda das emendas, novas práticas questionáveis ficaram conhecidas.

Pelo menos dois secretários de Geraldo Alckmin, Sidney Beraldo (Casa Civil) e Paulo Alexandre Barbosa (Desenvolvimento Econômico), ambos do PSDB, mantiveram cotas de indicações ao Orçamento mesmo em períodos nos quais estavam licenciados dos mandatos. A conta começa a não fechar diante do fato de que os suplentes que substituíram os secretários na Assembleia também exerceram a cota de R$ 2 milhões, sem sequer precisar dividir com os titulares afastados.

O deputado estadual Hélio Nishimoto (PSDB), presidente do engavetado Conselho de Ética da Assembleia, foi suplente de Beraldo em 2010. Ele assegura que a manutenção do direito a indicações é mesmo incomum. “Não é o normal. Aconteceu no passado, quando emenda não era colocada diretamente no Orçamento. Eu acredito que agora o deputado licenciado não terá mais (direito a) emendas, ou ele vai dividir (sua cota) com o deputado que assumiu no lugar dele”, explica o parlamentar. Nishimoto garante desconhecer que, à época, Beraldo também indicava emendas.

Barbiere trouxe mais dados para mostrar que a aritmética tucana anda diferente. Insatisfeito com os dados divulgados pelo governo, ele vaticina: “Quem apoia o governo não tem R$ 2 milhões, tem R$ 4 milhões”. O acordo de 2006 previa R$ 188 milhões com destino negociado com parlamentares, mas falta explicar de onde saía o fermento que permitia fatias maiores desse bolo a alguns e pedaços extras até para quem estava licenciado.

Promotor

A revelação de Barbiere foi levada, em depoimento do petebista, ao promotor Carlos Cardoso, encarregado no Ministério Público Estadual de ouvir os envolvidos. Nenhum nome foi apresentado pelo deputado, porque não houve garantia de proteção nem sigilo para uma testemunha disposta a contar o que sabe sobre a venda de emendas. Ele diz tratar-se de uma ex-funcionária da Assembleia que assessorava deputados de um “grupinho” que operava o esquema.

Quem também prestou depoimento a Cardoso foi Tereza Barbosa, líder comunitária de uma ONG citada pelo deputado estadual Major Olímpio (PDT) em seu depoimento ao Conselho de Ética da Casa. Ela, igualmente, não apresentou nomes, mas relatou ter recebido propostas para “comprar” emendas de dez parlamentares. “Dona Terezinha solicitou a muitos deputados estaduais que patrocinassem emendas para financiar as atividades da entidade que preside”, revela o promotor.

“Alguns não atenderam ao pedido porque ela não tinha nenhum vínculo de natureza eleitoral com eles; outros, por volta de dez deputados, condicionaram o apoio a uma eventual transferência de parte desses recursos para ONGs que eles indicariam”, diz Cardoso. Dona Terezinha sustenta ter recusado a operação e recebido dos “vendedores” de emenda apenas respostas evasivas, sugerindo que lhe faltavam documentos exigidos para convênios.

O procurador também sofre com a falta de transparência da gestão. “Não dá para fazer um balanço geral da investigação enquanto não vier toda a documentação que pedi à Secretaria da Fazenda”, afirma. Foram demandados apenas dados referentes às emendas. Além de dona Terezinha e Barbiere, Major Olímpio completa o grupo dos ouvidos.

Se a investigação segue lenta pela via do Judiciário, na Assembleia reina o banho-maria. A oposição persegue assinaturas para alcançar as 32 necessárias ao pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com objetivo de ouvir os envolvidos nas acusações apresentadas em setembro pelo deputado Roque Barbiere. O pivô do escândalo mantém-se no partido aliado ao governador, apesar de ter sido isolado pelos membros do governo.

Com reportagens de Raoni Scandiuzzi para o portal Rede Brasil Atual