Esperança na Rocinha

Ressabiados com ocupações que não resultaram em nada além da presença da polícia e cientes que luta por cidadania é longa, moradores ensaiam otimismo

Surpresa: nenhum tiro foi disparado na ocupação. (Foto: Marino azevedo/Gov. do Rio)

Dificilmente se podia assistir a um telejornal ou ler um periódico no mês que passou sem o destaque à favela da Rocinha. Desde o anúncio oficial de que seria a próxima a ser ocupada, a comunidade virou estrela midiática. A notícia da operação surpreendeu. Os moradores não a esperavam, nesta reta final do ano. As expectativas de que a Rocinha viria a ser o novo palco para os meios de comunicação que vivem de espetáculo aguçaram os moradores – medo e esperança de dias melhores disputavam espaço.

Às vésperas da ação, a comunidade em peso saiu às compras como num ritual pré-guerra. Quem deixou para a “última hora” teve dificuldade de encontrar mantimentos. Na tarde do sábado 12 de novembro, estoques de mercados e sacolões estavam esvaziados. Na plateia, o incômodo silêncio veio com o anoitecer. Agora, era só aguardar o show – com a lembrança ainda viva do feito de um ano antes, no Complexo do Alemão.

A ocupação da Rocinha, porém, aconteceu sem um único disparo, para alívio dos moradores. E até os que se preocupavam com os relatos de abusos autoritários e de saques – cometidos por policiais em outras comunidades que passaram por processo de pacificação – ficaram surpresos com a abordagem. “Interessante nessa ocupação foi que a polícia funcionou como republicana. Pediu licença para entrar na minha residência, olhou nos meus olhos e não me tratou como bandido”, disse Aurélio Mesquita, diretor da Cia. de Teatro Roça CaçaCultura.

Destituído o poder paralelo e fixada a autoridade do poder público, representado por policiais circulando pela comunidade, a população tenta retomar a rotina, ciente de que é preciso um tempo de adaptação a essa nova relação entre polícia e cidadãos. A presença do Estado alimenta um sentimento de esperança em uma nova realidade – que não se limite à permanência policial ostensiva, mas traga um conjunto de políticas públicas em todas as áreas sociais necessárias para uma comunidade.

Para Aurélio, o primeiro efeito positivo dessa ocupação recai sobre as crianças, que fazem dos becos e travessas uma área de lazer: “O grande barato dessa ocupação é, possivelmente, elas não terem mais de conviver com a presença de bandidos fortemente armados nem com o comércio escancarado de drogas, situações que eram assimiladas como algo normal em seu cotidiano”.

O diretor de teatro acredita numa profunda mudança na vida das crianças e dos adolescentes se o governo não faltar com os investimentos necessários. “Há possibilidade de melhorias principalmente para jovens e adolescentes, se houver política voltada para formar cidadãos, investindo em educação, esporte e cultura. Claro que a mudança não vai acontecer da noite para o dia. É um processo lento, que pode apresentar resultados daqui a oito ou dez anos.” Aurélio reconhece ainda o papel dos educadores e agentes culturais nessa nova fase da comunidade, pois são referência e, agora, têm a oportunidade de atuar com liberdade entre as crianças, sem o risco de entrar em conflito com facção criminosa.

Pacificação ou ocupação

O franciscano Benedito Gonçalves, da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem,  questiona alguns pontos que considera contraditórios na proposta de ocupação, denominada pelas autoridades governamentais como pacificação de favelas. Para frei Dito, como é conhecido, a intervenção do Estado na vida da comunidade é extremamente necessária, mas ele adverte que é preciso questionar essa paz intermediada pela força armada.

“A proposta de pacificação tem dois lados. Primeiro, garantir a oficialidade; é uma verdadeira aberração comunidades viverem sem a presença do Estado, numa realidade paralela à sociedade. Mas, para garantir a paz, a substituição de um grupo armado por outro não basta”, diz o franciscano. “A verdadeira pacificação só será possível com a construção de uma cultura de paz”, observa, lembrando que outras comunidades já pacificadas ainda não apresentaram resultados mais concretos além da presença militar.

Em meio às ressalvas – necessárias para que a comunidade permaneça atenta inclusive para cobrar do Estado os demais investimentos no acesso à cidadania –, o fato é que a promessa de pacificação da Rocinha promove uma sensação de otimismo na favela. Para Aurélio, a esperança é um bom começo, mas não pode ser confundida com ilusão. “Não sabemos se esse acontecimento é um novo caminho que nos levará ao céu ou ao inferno.”