Vitória magra

Brasil tem desempenho razoável em 2011, considerando a quebradeira externa. Embora indústria e Europa preocupem, país se garante com medidas corretas anticrise

Artur: agenda dos trabalhadores ficou em segundo plano (foto: Renato)

Dos extremamente otimistas aos pessimistas de plantão, parece mais apropriado dizer que 2011 foi um ano mediano e que 2012 carrega um pacote de incertezas, vindas sobretudo da Europa. É verdade que o país crescerá menos que em 2010, mas isso não chega a ser uma novidade. Diante de uma ameaça inflacionária, o governou puxou o freio de mão na economia e apertou o cinto, começando com o contingenciamento de R$ 50 bilhões anunciado logo no início da gestão de Dilma Rousseff (e amenizado posteriormente) e passando por um período de elevação da taxa básica de juros, a Selic.

A partir do segundo semestre, notou-se que o aperto começou a machucar a economia. Na divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de outubro, por exemplo, as trombetas soaram catástrofe ao anunciar queda de 40% em relação ao saldo do mês anterior. De fato, o resultado final do ano ficará abaixo do que esperava o governo. Mesmo assim, aproximadamente 2 milhões de empregos com carteira assinada não pode ser considerado um número ruim em um ano a meia-marcha. De todo modo, o governo tratou de aliviar o aperto, para que 2012 comece já sob efeito das “medidas macroprudenciais” semelhantes às que evitaram por aqui maior impacto da crise global de 2008.

A taxa Selic voltou a cair e atingiu em dezembro seu nível mais baixo de 2011. O país chega ao final do ano com a inflação mais controlada, saldo comercial três vezes maior que o previsto, perto dos US$ 30 bilhões, e mercado de trabalho estável. E com o governo anunciando medidas de estímulo ao crédito e ao consumo. Com isso, mais o incremento do 13º e do reajuste do salário mínimo para R$ 625 a partir de janeiro, estão dados os sinais para aumentar o giro da economia como proteção a qualquer vento ruim que possa soprar da Europa.

De todo modo, é avaliação corrente que o país está mais seguro hoje do que há três anos. O mercado de trabalho não deixou de abrir vagas formais e as taxas de desemprego ficaram estáveis ao longo do ano, sempre abaixo dos respectivos meses de 2010. O economista Sérgio Mendonça, do Dieese, acredita que a estabilidade é resultado de uma fase mais prolongada de crescimento do emprego, que reduziu a busca por vagas e, com isso, diminuiu a pressão no mercado de trabalho. “Possivelmente se acumulou um período positivo para as famílias. Claro que isso não é sustentável em um período mais longo.”

Relaxamento

Enquanto teve colunista de jornal anunciando o país “à beira da recessão”, o bloco do otimismo é liderado, como se poderia supor, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Em termos relativos, somos um dos países que mais criam empregos no mundo, o que é fundamental para aumentar a massa salarial e o consumo.” Crescer menos este ano já estava previsto. “O avanço do PIB recuou em 2011 porque era preciso, já que 2010 estava muito aquecido. Mas voltamos a acelerar, uma vez que o mercado de trabalho formal continua muito forte e agora há um relaxamento do aperto no crédito ao consumo”, diz Mantega. Ele acredita em crescimento de 4,5% a 5% no ano que vem.

Para o economista do Dieese, 2012 carrega tamanho grau de incerteza que não seria ilógico prever o melhor dos mundos nem a estagnação, pois, ao mesmo tempo em que há bons fatores internos que induzem ao crescimento, há a preocupação com o cenário internacional. “Não é absurdo dizer que pode dar zero ou pode dar quatro”, afirma.

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, em discurso na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), destacou a “resposta abrangente” do governo aos riscos da conjuntura econômica. “Em suma, o conjunto dessa política contribuiu e contribuirá para mitigar os efeitos do cenário econômico e financeiro internacional, que deve continuar apresentando um grau de incerteza acima do usual”, disse.

O Brasil fez um “ajuste muito bom” à crise, na avaliação do professor Ricardo Carneiro, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estendendo o universo a 2008, quando começaram os problemas nos Estados Unidos. O país não cresceu em 2009 (-0,3%), mas recuperou-se rapidamente no ano seguinte (7,5%) e tem margem de manobra. “A desaceleração era necessária, mas é preciso evitar que se aprofunde”, observa.

Parece que é o que vem ocorrendo nos últimos meses, com a desvalorização do real e a adoção de medidas de defesa contra as importações, a redução dos juros e a manutenção dos investimentos públicos. “Proteção absoluta não existe”, lembra Carneiro. Mas o país tem vantagens como um grande mercado interno e um bom volume de reservas internacionais, que podem funcionar como um “colchão” protetor.

“Os bancos públicos são aliados cruciais, especialmente se houver contração do crédito e financiamento privados. Os investimentos públicos também têm papel relevante para estimular a atividade”, reforça o professor Antônio Corrêa de Lacerda, do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Mas ele também cobra redução urgente da taxa básica de juros. “Há muito espaço para isso, e precisa ser acelerado para servir de política anticíclica”, afirma. Nas três últimas reuniões, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou 1,5 ponto, levando a taxa a 11% ao ano e quase retornando ao nível do final de 2010 (10,75%).

No final de novembro, a presidenta Dilma Rousseff repetiu apelo feito por Luiz Inácio Lula da Silva, para que a população continue consumindo. Deu certo daquela vez, pode dar certo de novo, apesar de toda a insegurança que ronda o antigo Primeiro Mundo. O Brasil, do antigo Terceiro Mundo, parece mais preparado para aguentar o tranco.

Trabalho: agenda travada

Do ponto de vista econômico, o governo acertou a mão. Diante da situação internacional de crise, absolutamente grave e com perspectiva de não ser curta, o Brasil está se saindo muito bem. Na Europa, as medidas de cortes dos gastos sociais para atender às dívidas com os bancos só tendem a aumentar a crise, como já foi demonstrado no Brasil na época de Fernando Henrique Cardoso. A avaliação é do presidente nacional da CUT, Artur Henrique. Ele analisa que o fato de o nível de emprego ter continuado em alta favorece mudar de fase: “O que se discute não é mais o emprego, mas a qualidade do emprego”.

O sindicalista critica, porém, o travamento de uma agenda estrutural importante para o mundo do trabalho. “A pauta de reivindicações dos trabalhadores acabou deixada em segundo plano, pelo governo e pelo Congresso, que deu prioridade a questões do setor empresarial. A redução da jornada não foi votada, o fim do fator previdenciário também não. A Convenção 151 da OIT ainda aguarda regulamentação“, diz o presidente da CUT, lembrando que deveria ter sido mais bem aproveitada a conjuntura de economia estável para discutir temas como esses.

Artur observa ainda que a Comissão de Trabalho da Câmara vem apresentando propostas prejudiciais aos trabalhadores, como na questão da terceirização. “Foi um ano em que prevaleceu a pauta da desoneração da folha de pagamentos, mas não se falou uma única linha sobre progressividade dos impostos.”

Olho na indústria

Mais sensível às oscilações da economia, a indústria é o setor que mais preocupa os observadores. O professor Ricardo Carneiro, por exemplo, acredita que pode ser o momento de pensar em uma proteção comercial “mais generalizada”, citando a redução do IPI adotada pelo governo em alguns setores. “Talvez seja o caso de pedir a extensão a outros setores”, afirma. Ele lembra que o plano Brasil Maior, lançado este ano, deve ter efeitos mais a longo prazo.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a produção caiu em outubro pelo segundo mês e a utilização da capacidade instalada ficou no menor nível em mais de dois anos. Em São Paulo, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), outubro teve o pior resultado para o mês desde 2006, com o fechamento de 18 mil postos de trabalho, 14 mil no setor de cana-de-açúcar. O saldo no ano ainda é positivo, com 82 mil vagas, que no entanto deverão ser fechadas até o fim de dezembro.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) faz diferenciação entre a crise de 2008 e a atual. Na primeira, as decisões de política econômica se concentraram no crédito, além da ampliação do investimento em infraestrutura e da manutenção de programas de transferência de renda.
Em relatório divulgado em 1º de dezembro, dia em que o governo anunciou medidas para estimular o consumo de produtos da chamada linha branca, diz a entidade: “As medidas de hoje complementam as ações para dinamizar o consumo e de quebra reduzem os impostos sobre os investimentos estrangeiros, procurando também incentivar as inversões privadas e o financiamento de longo prazo da economia”. A nova redução de juros, promovida pelo Copom no final de novembro, mostra para o Iedi que “a política econômica está atenta aos acontecimentos”. No consumo, existe expectativa de reativação, uma vez que foram “afrouxadas“ as medidas de contenção do crédito para as famílias.