A internet assusta os poderosos

Quando o Blog do Mello postou uma gravação que desmentia notícia do Jornal Nacional, mostrou que a Globo violara seus princípios editoriais já na edição em os divulgou

Lalo Leal 2011 (© Arquivo RdB)Numa noite de sábado o Jornal Nacional surpreendeu os telespectadores. Depois de um intervalo comercial, os apresentadores titulares do programa (que geralmente não trabalham aos sábados) passaram a ler os princípios editoriais das Organizações Globo. Muita gente ficou intrigada. 

Para não perder uma notícia espetacular – envenenamento de crianças – o JN não levou em conta a defesa de uma merendeira, Muito menos os tais princípios editoriais

Por que aquilo, naquela hora? Não havia mais nenhuma notícia importante no mundo a ser dada? E por que só agora, depois de 86 anos de existência, a empresa resolveu divulgar na TV suas normas de trabalho?

Milhões de telespectadores em todo o Brasil ficaram sem resposta. Só quem tem acesso à internet soube do que se tratava. A explicação para o inusitado texto lido no Jornal Nacional estava no blog O Escrevinhador, de Rodrigo Vianna. Nele eram reproduzidas informações de um jornalista da Globo sobre como a emissora pretendia cobrir a indicação do embaixador Celso Amorim para o Ministério da Defesa.

Durante os oito anos do governo Lula em que esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores, Amorim sempre foi visto com desagrado pelas Organizações Globo. A empresa não engolia suas posições em defesa da soberania nacional, principalmente quando não coincidiam com os interesses dos Estados Unidos.

A volta de Amorim ao primeiro escalão do governo foi uma afronta para a Globo. Segundo o jornalista mencionado no blog, a orientação da empresa era clara: “Os pauteiros devem buscar entrevistados para o Jornal Nacional, Jornal da Globo e Bom Dia Brasil que comprovem a tese de que a escolha de Celso Amorim vai gerar ‘turbulência’ no meio militar. Os repórteres já recebem a pauta assim, direcionada. O texto final das reportagens deve seguir essa linha. Não há escolha”.

Pena que só internautas atentos ficaram sabendo disso. Jornais e revistas não repercutiram o assunto e muita gente acabou achando que, finalmente, a Globo havia tomado a iniciativa magnânima de expor à sociedade seus princípios editoriais partindo de vontade própria.

Mas, mesmo atingindo um público relativamente menor que o da televisão, a internet prestou um bom serviço à sociedade. Inibiu um pouco a ação nefasta armada contra o novo ministro e mostrou que a poderosa organização não consegue mais fingir que denúncias e críticas não a atingem. A Globo sentiu o golpe e tentou responder recorrendo a princípios por ela violados várias vezes ao longo de sua história.

Esperava-se uma mudança de conduta a partir daquele momento. Não foi o que ocorreu. Na mesma edição a apresentadora do Jornal Nacional disse o seguinte: “Está foragida a merendeira que pôs veneno de rato na comida de crianças e professores numa escola pública de Porto Alegre”, mostrando uma foto da moça de 23 anos.

Poderia até ser verdade, mas o Jornal Nacional baseava-se apenas numa versão da polícia, negada pela acusada. Seu advogado havia divulgado a palavra dela, através da Rádio Guaíba, oito horas antes de o JN ir ao ar. Mas para não perder uma notícia espetacular – envenenamento de crianças – nada disso foi levado em conta. Nem os tais princípios editoriais.

Se não fosse outra vez a internet, fatos como esse não estariam sendo contados aqui, em detalhes. Foi o Blog do Mello que fez o registro, acompanhado da gravação do desmentido da merendeira através do rádio, da violação dos princípios editorais da Globo na mesma edição em que eles foram divulgados.

Dessa forma vão sendo levantados os véus de interesses que recobrem o noticiário divulgado por grandes meios de comunicação, não só no Brasil, mas em várias outras partes do mundo. Parece ser um caminho sem volta. À medida que um número maior de pessoas vai tendo acesso à internet, fica cada vez mais difícil para os meios tradicionais de comunicação realizar desvios desse tipo.