Divagações ociosas

“Trabalho não é vergonha. É só uma maldição.” Se eu fosse ter uma frase de cabeceira, acho que seria essa, de Guimarães Rosa

Mouzar Benedito (© Jailton Garcia)Trabalhei pra burro, não por gosto, mas por necessidade mesmo. Agora, aposentado pelo INSS, não desfruto o velho conceito italiano de aposentadoria, “ócio com dignidade”. Aposentado ocioso dança feio.

Lembro que em São Paulo a derrocada da profissão começou no tempo da ditadura. O governador Maluf dizia: “Não existe professora mal paga, existe professora mal casada”

Quando jovem, tive chances de dar o famoso golpe do baú, mas refuguei. Houve pelo menos três oportunidades de adquirir a profissão de genro, casar com filha de rico e virar empregado dele em alto cargo. Aliás, rejeitar isso não tem nada de mais. Todos os genros sustentados por sogros ricos que conheci eram humilhados por eles.

Até a minha adolescência, uma ótima profissão no interior era a de marido de professora. Muitos maridos de professora não trabalhavam, pois a mulher tinha uma boa renda. Mas essa foi uma profissão que dançou, junto com as agruras progressivas do professorado. Apesar de a educação ser “prioridade” de tudo quanto é político, os salários dessa gente tão importante foram achatados, as condições de trabalho estão precárias e hoje marido de professora tem de ter renda pra sustentar a mulher, que trabalha pra chuchu.

Por falar nisso, lembro que no estado de São Paulo a derrocada da profissão começou no tempo da ditadura, quando o governador Maluf disse que “não existe professora mal paga, existe professora mal casada”, ou algo parecido. E num ano com inflação alta não corrigiu os salários. Os governadores que vieram depois, em vez de recuperar o perdido na era Maluf, pioraram ainda mais a profissão.

Mas meu interesse é pelos folgados.

Na minha infância tinha um que não era folgado, era aposentado (raridade na época). Ficava o dia inteiro andando na calçada de sua casa, de braços dados com a mulher, indo e voltando. Chamava-se José Rezende. Mas virou motivo de brincadeira. Quando perguntavam a algum desempregado ou folgado o que ele fazia, respondia: “Estou trabalhando pro Zé Rezende”.

Outro era folgado mesmo. Filho único de família rica, e com vários tios sem filhos, quando se casou recebeu do pai uma fazenda para sustentar a família. Mas vendeu a fazenda e esbanjou até o último centavo. Aí, o pai morreu. Ele herdou metade da fortuna (o resto ficou com sua mãe). Foi gastando, gastando, fazendo festas e mais festas. Quando acabou a grana, parou de fazer festas, sobreviveu comprando fiado, de comerciantes sabedores que mais cedo ou mais tarde ele herdaria alguma boa grana e pagaria. Morreu a mãe, herdou o resto, pagou as dívidas e voltou à vida de festas.

Depois, a cada tio que morria, herdava, pagava as contas, voltava às festas, gastava tudo, ia se endividando até a herança seguinte, e repetia tudo. Assim foi, até a última herança. Aí, gastou até o fim e ficou a zero, sem perspectivas de heranças futuras. A saída foi morrer. Morreu sem trabalhar.

Por fim, lembro-me do meu amigo Salgado. Varava a noite nas serestas e nas gandaias, chegava em casa para dormir com o sol já meio alto. O pai fazia de tudo para convencê-lo a enfrentar o batente. Uma vez propôs: “Eu levo os camaradas pra capinar a roça, de manhã, e você vai buscar, à tarde.

O Salgado topou. Mas quem é que o acordava para ir buscar os camaradas que terminavam o trabalho às 5 da tarde? O pai não desistiu. Propôs ao filho que plantasse em suas terras dez alqueires de café. Quer dizer, que o filho plantasse, não: que contratasse trabalhadores e cuidasse de tudo. Todo o lucro seria dele. O Salgado coçou a orelha e respondeu:

– Ô, pai, vamos fazer o seguinte: o senhor me dá aqueles dez alqueires que já estão produzindo e planta os outros dez pro senhor.