Patrimônio na mesa
Queijo mineiro, marca registrada do estado, leva receita herdada de pai para filho e influência portuguesa
Publicado 18/05/2011 - 12h46
“Queijo bom, bom mesmo, tem que ser muito bem espremido com as mãos”, ensina o bem-humorado Zé do Jacinto. “Ou fica uns buracos cheios de soro e o queijo azeda, e daí, pra gostar, é só vocês da cidade e as ratoeiras aqui da roça”, acrescenta, enquanto cai na gargalhada e tira uma “casquinha”.
Zé e seus irmãos, Maria de Ávila Sandim (Lia) e Chico Ávila, são filhos de Jacinto de Ávila, cujo pai e avô também faziam queijo. Suas terras ficam em São Miguel do Cajuru, distrito de São João del-Rei numa variante da Estrada Real, ao sul da Trilha dos Inconfidentes, formada por 20 municípios. O queijo veio na bagagem dos portugueses que se instalaram na região atraídos pelas inúmeras minas de ouro, no século 18. A técnica para fazer queijo coalhado, feita de leite fresco, foi adaptada às condições locais.
A receita virou patrimônio nacional, conforme decisão de 2008 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). E é preciso fazer jus à fama. A rotina na fazenda começa quando o galo canta, às 5 da manhã: arrear o cavalo, levar o gado do campo pro curral, tirar o leite e fazer queijo.
Na fazenda Canta Galo, do Zé, 150 litros de leite são produzidos diariamente. Para fazer um quilo de queijo, vão seis ou sete litros. E o queijo é vendido a cerca de R$ 5 o quilo. “Dá lucro, mas muito trabalho. Penso em deixar o queijo e só vender o leite, sobra mais tempo pra eu trabalhar na roça.” Já Chico, seu irmão, afirma: “O queijo dá muita fartura. Além do seu preço, o soro que sobra é usado pra engordar os porcos e dado pras galinhas botarem mais ovos”.
A tradição corre o risco de extinção na família. “As novas gerações não se interessam. Querem a vida mole da cidade, a não ser minha neta Valdilene, minha única esperança”, lamenta-se Jacinto. Valdilene Sandim tem 21 anos e é filha de Lia. “Faça chuva, faça sol, de manhã estou no curral, eu gosto”, diz a moça. “E não é porque estou namorando um moço da cidade que vou sair da roça, ainda mais agora, que ganhei um trator do meu pai.”
Segundo a lenda, o queijo foi descoberto por Aristeu, filho de Apolo. A fabricação tem seu início 12 mil anos antes do nascimento de Cristo. E era apenas o leite coagulado desprovido de soro e sal. A partir da Idade Média, os mosteiros católicos desenvolveram o queijo fino, e a técnica modernizou-se.
Especialidade da casa
O governo estadual mantém até um programa oficial, Queijo Minas Artesanal (a partir de leite cru, não pasteurizado), com 150 queijarias cadastradas. A produção é regulamentada por uma lei de 2002.
Segundo o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), o objetivo é promover a “identidade” desses queijos, que são produzidos em cinco regiões do estado: Araxá, Canastra, Cerrado, Serro e Campo das Vertentes. São João del-Rei faz parte desta última. No total, mais de 60 municípios são reconhecidos produtores daquele que, provavelmente, é o mais conhecido produto de Minas Gerais.
E ganhou o mundo. “Atualmente, estudos sobre a produção de queijo no mundo classificam 18 classes do produto, de acordo com a técnica produtiva, que agregam 400 tipos, em 800 denominações distintas”, diz dossiê de 2006 feito para o processo de análise do “tombamento” do queijo artesanal mineiro.
Receita do queijo mineiro
Ingredientes