Acervo democrático

Cinemateca assume obra de Glauber Rocha e restaura imagens do Canal 100. Estúdio Vera Cruz e Atlântida entram no pacote

Leão de Sete Cabeças, com Hugo Carvana (à esq.) foi filmado por Glauber no Congo e lançado em 1970 (Foto: Tempo Glauber)

Aos 70 anos, completados em 2010 (considerando como ponto de partida a criação do Clube de Cinema de São Paulo), a Cinemateca Brasileira iniciou projetos que preveem a restauração de alguns dos mais importantes acervos brasileiros: da antiga companhia Atlântida, do Canal 100, da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e do cineasta Glauber Rocha. Ainda não há previsão, mas a ideia é que esses acervos se tornem disponíveis para o público. No caso de Glauber, há a expectativa de lançamento em agosto, quando se completam 30 anos da morte do cineasta.

Entre 2009 e 2010, na primeira parceria mais integrada, foi feito o processo de restauração de Leão de Sete Cabeças (Der Leone Have Sept Cabeças, no título original), uma coprodução ítalo-francesa de 1970, filmada no Congo. “É uma história geral do colonialismo euro-americano na África, uma epopeia africana, preocupada em pensar do ponto de vista do homem do Terceiro Mundo, por oposição aos filmes comerciais que tratam de safáris, ao tipo de concepção dos brancos em relação àquele continente”, descreveu o diretor. Foi o primeiro trabalho de Glauber no exílio – um ano antes, ele havia lançado O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. 

Leão de Sete Cabeças - Tempo Glauber

Segundo a cineasta Paloma Rocha, filha de Glauber, trata-se de um projeto de gestão compartilhada. A família levou ao então ministro da Cultura, Juca Ferreira, e ao diretor da Cinemateca, Carlos Magalhães, a proposta de aquisição da guarda, visando “dar sobrevida aos originais e ampliar a difusão”. O processo de digitalização está sendo concluído, e ela acredita que a transferência para a Cinemateca saia em dois ou três meses. Hoje, o acervo está sob a responsabilidade do Tempo Glauber, espaço mantido pela família. Paloma acredita que o lançamento público do acervo possa ocorrer em agosto. “É uma maneira simbólica de dizer que ele está vivo”, afirma. Os interessados poderão ver também mais de 220 projetos, entre roteiros, peças, romances e anotações diversas.

Em São Bernardo, no ABC paulista, a prefeitura informa estar aguardando a definição do perfil de projeto para os estúdios da Vera Cruz – concessão ou parceria público-privada (PPP), por meio de uma fundação. Segundo o secretário-adjunto de Cultura, Osvaldo de Oliveira Neto, também presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc), os planos compreendem uma escola de audiovisual e uma incubadora de projetos. “O objetivo é que haja toda uma cadeia produtiva para quem queira fazer um filme”, afirma.

No final de 2009, a prefeitura e o Ministério da Cultura assinaram convênio para investimentos em projetos culturais, com instalação de escola de formação audiovisual. Para que os projetos se viabilizem, há também uma negociação em curso com a família do cineasta Walter Hugo Khouri, dona da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. “Estamos nesse momento em um processo de diagnóstico do acervo”, afirma o secretário. Em relação aos mais de 40 filmes que compõem o acervo, a ideia é que a Cinemateca se responsabilize pela guarda das obras originais e forneça cópias ao município. 

No caso do Canal 100, famoso pelos diferentes ângulos em que suas lentes exibiam lances de futebol, o acervo será restaurado com vistas à exibição durante a Copa de 2014. “Esse acervo é constituído por milhares de latas com materiais em película, aproximadamente 9.000 latas, que serão avaliados, recondicionados em novos estojos e armazenados em câmaras de preservação, além de catalogados para que possamos oferecer o acesso às informações e às imagens”, informa a Cinemateca. 

Valor incalculável

Vera Cruz

A Cinematográfica Vera Cruz foi fundada em 1949, como parte de um projeto ambicioso de produção de filmes brasileiros. O primeiro foi Caiçara (1951), dirigido por Adolfo Celi. Alguns se tornaram marcos da cinematografia nacional, caso de Tico-Tico no Fubá (1952), Floradas na Serra (1954) e, principalmente, O Cangaceiro (1952-1953). Outro sucesso foi Grande Sertão: Veredas (1965), inspirado na obra de Guimarães Rosa. Segundo a Cinemateca, o acervo inclui 32 longas e cinco curtas, além de mais de 10 mil fotografias.

Glauber

Glauber de Andrade Rocha nasceu em março de 1939 em Vitória da Conquista (BA) e morreu na madrugada de 22 de agosto de 1981, no Rio de Janeiro. Em sua filmografia, destacam-se obras como Barravento (1961), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Foi um dos idealizadores do Cinema Novo.

Canal 100

Os mais velhos devem se lembrar até dos acordes que anunciavam o início dos cinejornais do Canal 100, produzidos dos anos 1960 até meados dos anos 1980. Idealizados por Carlos Niemeyer, os filmes ficaram marcados principalmente pelos ângulos diferentes dos jogos de futebol, tanto no campo como entre os torcedores.
Atlântida

A companhia Atlântida surgiu há 70 anos, em setembro de 1941. Ganhou fama com suas comédias populares, também chamadas de chanchadas, às quais o Cinema Novo iria se contrapor tempos depois. Oscarito e Grande Otelo formaram a dupla mais famosa do cinema brasileiro. Foram quase 70 filmes até 1962 (depois disso, a companhia ainda manteve coproduções). A Cinemateca informou que o acervo recebido inclui mais de 60 longas de ficção produzidos entre 1942 e 1974 e 27 horas de telejornais.