A saúde pública na UTI

Série de reportagens do programa de rádio Jornal Brasil Atual faz, em dez capítulos, um delicado diagnóstico da deterioração do atendimento em São Paulo

(Fotos: Jailton Garcia)

Pronto-socorro que fecha as portas para os casos de emergência.  Postos de saúde e atendimentos ambulatoriais superlotados. Falta de médicos e enfermeiros. Diagnósticos equivocados. Esses são alguns dos problemas enfrentados por usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) que buscam serviço de emergência e ambulatorial no município de São Paulo.

Referência mundial no atendimento médico universal à população, o SUS vem sofrendo em algumas regiões, nos últimos anos, um processo de privatização. No caso de São Paulo, Secretarias de Saúde da capital e do estado passaram a administrar hospitais e ambulatórios de forma indireta, por intermédio das Organizações Sociais de Saúde (OSS). Essas entidades têm sido alvo de críticas por parte dos usuários, de investigações pelo Tribunal de Contas e de representações no Ministério Público. As OSS administram grande parte dos hospitais, ambulatórios e laboratórios, e o beneficiário do SUS pode esperar anos para conseguir uma cirurgia ou uma consulta com especialista.

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Com fortes dores de estômago, Silvia Cristina de Lima Moura, de 28 anos, foi diagnosticada com gastrite na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Clímax, zona sul da capital. Ficou três anos em tratamento e o problema persistiu. “Eram dores piores que de parto. Fiquei amarela, a barriga inchou. Eu me automedicava, tomava vários analgésicos por dia.” Chorando de dor, um dia ela relatou ao médico sua piora. Um ultrassom abdominal acusou pedras na vesícula, e em 2008 Silvia entrou na fila do Hospital São Paulo, administrado pela OSS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. Seu número era, na época, 880. No ano passado, 621 pessoas ainda estavam na sua frente. 

A paciente só conseguiu ser operada, em 18 de fevereiro, com a intervenção do Ministério Público – após uma denúncia do promotor de Direitos Humanos da área pública Arthur Pinto Filho. A mãe de Silvia, Josefina, de 62 anos, acompanhou todo o sofrimento da filha. “Nem gosto de falar no assunto, que já dá vontade de chorar. Cheguei no Ministério Público chorando, então falei que quem tem dinheiro tem vida, se não, tem a morte na mão.” 

 de 28 anos, foi diagnosticada com gastrite na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Clímax, zona sul da capital. Ficou três anos em tratamento e o problema persistiu. “Eram dores piores que de parto. Fiquei amarela, a barriga inchou. Eu me automedicava, tomava vários analgésicos por dia.” Chorando de dor, um dia ela relatou ao médico sua piora. Um ultrassom abdominal acusou pedras na vesícula, e em 2008 Silvia entrou na fila do Hospital São Paulo, administrado pela OSS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. Seu número era, na época, 880. No ano passado, 621 pessoas ainda estavam na sua frente. 

Jucelino Ferraz Pereira, de 44 anos, sofreu esmagamento em duas vértebras num acidente de moto. Um implante metálico de 39 centímetros foi colocado em sua coluna. Ele ficou paraplégico e voltou a andar com um trabalho árduo de reabilitação. Há três anos sente dores e não consegue consulta com especialista. “Estou tentando, mas não consigo vaga. O rapaz que tava marcando disse que iria marcar, mas que já tinha 500 pessoas­ na minha frente”, explica. Desesperado, ele resolveu pagar uma consulta particular com um neurocirurgião, em 2009. O especialista informou que a cirurgia era cara e o mais indicado seria operar pelo SUS. Sugeriu o Hospital das Clínicas, a Beneficência Portuguesa ou um hospital universitário. “Nos hospitais indicados não me atenderam. Eu teria de ser encaminhado por algum lugar, mas as UBS não encaminham”, conta. Com problemas no canal da medula, Jucelino pode voltar a não andar.

Gestão

Os dramas vividos por Silvia e Jucelino expõem a política de saúde implantada no estado de São Paulo em 1998 e no município em 2006: a privatização via gestão indireta das OSS. O tema complexo e polêmico ganha um novo capítulo. Com o projeto de lei de autoria do Executivo estadual e aprovado pela Assembleia Legislativa no final do ano passado, que oferece 25% dos leitos do SUS para os planos de seguro de saúde, o número de vagas para quem não tem convênio médico poderá ficar ainda menor nos hospitais. A lei aguarda regulamentação e gera apreensão entre movimentos de saúde, sindicalistas, promotores, profissionais da área médica e especialistas em políticas públicas. E o beneficiário do SUS continua no jogo de empurra, esperando na fila, em casa. 

O modelo distancia o Sistema Único de Saúde da proposta que o originou, a universalização da saúde pública, ou seja, todo brasileiro tem direito a assistência gratuita à saúde. De acordo com o promotor Arthur Pinto Filho, usuários do sistema estão morrendo por falta de atendimento adequado. A declaração é feita com base nas centenas de reclamações que chegam ao Ministério Público Estadual todo mês. 

Emergência, cirurgia, consulta, internação. As dificuldades que o cidadão enfrenta para ser atendido pelo SUS em São Paulo, principalmente nas zonas mais carentes, como leste e sul, são enormes. O pronto-socorro pode estar fechado, a cirurgia chega a levar dois anos e meio para ser realizada, a consulta não é marcada por falta de especialista e, se o paciente precisar de UTI, pode ter a vaga negada. Esse quadro tende a piorar caso a lei seja regulamentada. É o que alerta Maria do Carmo Cabral Carpintero, presidenta do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo. Ela afirma que é inconstitucional vender serviços do SUS, principalmente em hospitais públicos de excelência. Por isso a entidade encaminhou, ao Instituto de Defesa do Consumidor, Sindicato dos Médicos, Instituto de Direito Aplicado e a outras entidades ligadas ao setor de saúde uma representação no Ministério Público Estadual. 

O presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, alerta que praticamente todos os hospitais no estado administrados por OSS já funcionam de porta fechada. Só recebem pacientes encaminhados por meio da Central de Regulação de Vagas.

Do outro lado do balcão, médicos, enfermeiros, auxiliares e seguranças que trabalham no sistema público de saúde são alvo de críticas por parte dos usuários do SUS. Os sindicalistas que representam esses funcionários, por sua vez, reclamam das condições de trabalho e da falta de concursos públicos. Maria Araci dos Santos, diretora do Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Saúde do Estado de São Paulo (SindSaúde­), acredita que o comprometimento dos concursados é maior. Desde 2004 os trabalhadores do estado foram cedidos para as prefeituras, em decorrência da municipalização do serviço, e com a administração indireta das OSS as dificuldades têm sido grandes, segundo a sindicalista. 

Ouça e baixe

Ouça aqui ou baixe em seu computador o áudio da série de reportagens Ferida Aberta, da jornalista Marilu Cabañas. 

 

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