Novo Congresso, velhas dívidas

Nada impede a concentração dos meios de comunicação.Só a Globo controla 340 empresas em todo o país.

Acabam de tomar posse deputados federais e senadores eleitos no ano passado. Você lembra em quem votou? Se não, está na hora de puxar pela memória. Só assim será possível cobrar promessas e um compromisso com o aprofundamento da democracia. No caso das comunicações, a dívida do Congresso com a sociedade é enorme. Alguns dispositivos da Constituição de 1988 ainda não foram regulamentados, outros sofreram tantas modificações que se descaracterizaram e há ainda aquelas “leis que não pegaram”. Vejamos alguns:

“Artigo 220, parágrafo 3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.” O poder público levou 19 anos para estabelecer uma classificação indicativa para programas de TV. As entidades dos radiodifusores a chamavam de censura. Ainda assim, foi aprovada com a condição de ser feita pelas emissoras, restando ao Ministério da Justiça a possibilidade de contestá-las.

“II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no Artigo 221 (respeito aos valores éticos, entre outros), bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.” Até agora nada foi feito. E quando se aponta a necessidade da criação de um órgão regulador, capaz de operacionalizar a defesa da “pessoa e da família”, empresários de rádio e TV repetem o mantra da censura.

“Parágrafo 4º – a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.” Perto de escolas, bares anunciam a venda de cigarros; crianças e adolescentes são bombardeados por mensagens que associam sucesso pessoal à ingestão de cerveja e remédios.

“Parágrafo 5º – os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” Nada impede a concentração. Só a Globo controla 340 empresas. Em outros setores, a fiscalização é rigorosa para evitar o controle do mercado por poucas empresas. Na comunicação, isso não existe.

“Artigo 221 – A produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” Onde está a educação, a arte, a cultura ou a informação em programas como o do Ratinho, no qual mulheres brigam esperando resultados de testes de DNA, ou o da Xuxa, com desfiles de crianças, em poses sensuais, que sonham vir a ser modelos?

“II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive a sua divulgação.” Não há regras para nenhuma dessas determinações. Um projeto de lei que estipula cotas para a veiculação de produções nacionais, válido apenas para as televisões por assinatura, tramita desde 2007 sob forte bombardeio.

“Artigo 224 –… o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da Lei.” Nesse caso, a lei até existe, mas não pegou. Graças a uma barganha com os representantes parlamentares das emissoras, interessadas naquele momento na abertura de 30% de suas ações para o capital estrangeiro, o Conselho foi  empossado em 2002 e funcionou bem em sua primeira gestão, mas foi sendo asfixiado. Em 2007 se reuniu uma vez e desde 2008 a mesa do Senado não indica novos integrantes. A situação faz lembrar o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda. Quase ao final do clássico Raí­zes do Brasil, escrito em 1936, ele diz: “As constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias, são fenômeno corrente em toda a história da América do Sul”.

Só em anos recentes essa situação melhorou um pouco em alguns países do continente. Mas no Brasil não. Os “indivíduos e oligarquias” seguem firmes impondo as leis que lhes interessam. Parlamentares precisam ser lembrados da dívida do Congresso com a sociedade brasileira. A eles cabe tirar o Brasil do atraso institucional em que se encontra na área da comunicação.