Entre gringos e maias

Em tempos de internet e TV a cabo, o que dizer sobre uma viagem a Cancun? Muito, se a escolha for uma viagem alheia à indústria do turismo

A zona hoteleira da cidade surge aos sentidos como uma Ilha da Fantasia. As construções têm aparência de zero quilômetro, não só pela expansão desenfreada do turismo de massas ali, mas também porque boa parte dos prédios teve de ser reconstruída ou reformada depois da passagem do furacão Wilma, em 2005.

“Ninho de cobras” é a tradução mais aceita para cancun, palavra de origem maia. Termo adequado, diriam alguns, ao tipo de reunião que o governo mexicano costuma promover na cidade: em 2003, foi a 5ª Conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mês passado, a COP-16. Para manter afastados os protestos contra os ambientes cinco estrelas dos debates a portas fechadas, a cidade é perfeita. Só para chegar à muralha de metal que a polícia ergueu para proteger os participantes do evento oficial, manifestantes tiveram de percorrer mais de 20 quilômetros.

Quando se consegue fugir dos pacotes convencionais, surgem surpresas, como a própria cidade de Cancun. Ultrapassada a zona hoteleira, parece uma cidade mexicana comum, com seus problemas – incluindo a violência do narcotráfico – e virtudes como a culinária, o artesanato, um calendário incessante de festas nacionais, regionais e locais. Para começar a conhecer esse México real, nada melhor do que uma visita a um típico mercado – o 28 é o mais conhecido.

As numerosas ruínas de cidades da Península de Yucatan, segundo os arqueólogos, atingiram seu apogeu no chamado período clássico da Mesoamérica – como é conhecida a região que abrange todo o sul do México e segue até parte da Costa Rica –, entre 250 e 900 d.C. Diz uma anedota que um turista perguntou ao guia: “Onde foram parar as pessoas que ergueram esses monumentos tão impressionantes?” “Estamos aqui até hoje”, responde o guia, que facilmente poderia ser um dos 2 milhões de falantes, só no México, de alguma das dezenas de línguas do grupo maia.
As atuais comunidades maias, e as ruínas das antigas cidades, estendem-se por toda a península, seguindo ao sul até Belize e Guatemala, e a oeste até o estado mexicano de Chiapas, a quase mil quilômetros de Cancun – muitos se esquecem de que são maias (das etnias tzotzil, tzeltal e tojolabal) os famosos rebelados do Exército Zapatista de Libertação Nacional. A rebeldia maia vem de longa data: a conquista espanhola na região só foi completada mais de 200 anos depois do início da colonização.

Cenas como as do filme Apocalypto, de Mel Gibson, ou os cultos new age que pregam uma versão delirante do famoso calendário criado por esses povos não são as melhores referências da cultura maia. Não é nada fácil decifrar os milhares de inscrições em monumentos – até hoje, pesquisadores experientes do mundo todo se debatem para entendê-las. Mas não é preciso ir muito longe de Cancun para conhecer as antigas cidades. A algumas dezenas de quilômetros estão sítios impressionantes, como Chichen Itza, Coba e Tulum. Esta última fica em plena costa caribenha e foi uma das inspirações do cineasta italiano Federico Fellini para compor Viagem a Tulum, roteiro nunca filmado, mas depois transformado em história em quadrinhos pelo também italiano Milo Manara.

Cancun entrega o que vende. Não se pode ignorar que boa parte das pessoas desembarca na cidade seduzida pelas promessas de ver um oceano azul-turquesa, capaz de conceder uma visibilidade quase única aos numerosos seres marinhos que habitam as barreiras de corais. Pelos brasileiros, águas comparadas frequentemente às de Fernando de Noronha. A região é considerada uma das melhores do mundo para o mergulho e, mesmo com um snorkel, os mais despretensiosos amadores se encantam.

De quebra, há os misteriosos cenotes, poços que são, na verdade, cavernas cujo teto desabou. Existem aos milhares pelo solo calcário da região – às vezes formando redes subterrâneas que se conectam com o mar. Muitos deles estão dentro das próprias ruínas de antigas cidades: eram palcos de sacrifícios humanos feitos por maias. Hoje são procurados por mergulhadores do mundo todo. À beira do Caribe, todos entendem Caymmi: “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito”.

A questão é que não há muito a acrescentar sobre esse ponto. Tudo isso pode ser encontrado facilmente na internet, com uma busca pelas palavras-chave: Xel-Ha, Xcaret, Cozumel, Isla Mujeres etc. O que mais dizer ante a concreta possibilidade de nadar com tartarugas-marinhas e arraias gigantes, ou acariciar os manatis e golfinhos num desses parques? Enfim, é por esse tipo de sonho que a região é famosa na indústria do turismo como um lugar para passar a lua de mel. Pelo que se vê nos folhetos, os shows típicos apresentados em Xcaret dão uma imagem distorcida dos verdadeiros maias, mas recém-casados não estão necessariamente muito preocupados com isso.

Para quem prefere a tranquilidade, a boa pedida está mais ao sul de Cancun, em lugares como Playa del Carmen e Tulum. O ambiente é ideal para descansar das pesadas discussões multilaterais: as cabañas à beira da praia, em que se paga modestamente para dormir ao som das ondas, são construções rústicas, com teto de palha, às vezes, paredes de taboca e, quase nunca, banheiro privado e chuveiro quente. Esse tipo de acomodação é encontrado pelas praias de quase todo o país, mas, na região de Cancun, o turismo de massas está, pouco a pouco, acabando com ele.

Pelas areias brancas das praias da região, pode-se encontrar bandos de turistas gringos, que nesta época do ano – inverno no Hemisfério Norte – migram para lugares mais quentes. Brasileiros, por aqui, são raros. A explicação vem na forma da pergunta de um canadense: “Brasil? O que você está fazendo tão longe? Vocês não têm praia por lá?” O principal motivo que arrasta tanta gente para Cancun tem, no fim das contas, algo de prático. Ou seja, mesmo aos olhos dos estrangeiros que frequentam a região, não valeria a pena vir para tão longe, tivessem eles um pouco mais de calor no próprio país. Enfim, quem sabe agora, com o aquecimento global, eles consigam.