De longe, para Kirchner

A notícia chegou enquanto eu tomava um avião para uma cidade do interior de meu país. Estou longe de onde eu gostaria de estar, na Praça de Maio. Primeiro tive […]

A notícia chegou enquanto eu tomava um avião para uma cidade do interior de meu país. Estou longe de onde eu gostaria de estar, na Praça de Maio.

Primeiro tive raiva, muita raiva. A morte sempre me traz raiva, e esta me trouxe ainda mais. Por que agora, por que neste momento? Por que ele? Por que tantos militares e civis genocidas ainda vivem impunes e sem arrependimento?

Depois me veio o medo. Ou pior, o terror. Para quem já se deparou com o terror, é difícil não evocá-lo ante um pequeno movimento da realidade. Tive medo, mais um vez, de nossa temida, bem-organizada e eficiente direita. Imaginei suas faces, seus passos, seus movimentos precisos.
O fato é que o sentimento dessa perda coletiva quase não permitiu conectar-me com a dor da perda individual, do homem­.

Somente depois pude chorar pelo ser humano, pensar em seus filhos, em Cristina (a mulher, não a presidenta), em sua irmã, em seus amigos íntimos.

Mas a raiva e a dor foram se transformando quando o povo desta cidade interiorana onde me encontro começou a se juntar e a se reunir. As pessoas cantavam, agitavam bandeiras, iam chegando e se abraçando. Parecia um grande reencontro, com as pessoas reconhecendo-se umas nas outras.

Rostos morenos, rostos claros, velhos – como que velhos militantes –, crianças e jovens, muitos deles. Jovens e seus filhos que um dia serão adultos.

A imagem do movimento que une o diverso é desconjuntada, e inclui o impossível; porque hoje é mais impossível continuar excluindo do que tentar abraçar as diferenças. A mesma imagem da Praça de Maio na TV será com certeza a mesma em muitas cidades do interior e entre muitos povos.
Durante muitas horas estiveram batendo os dentes de frio e agitando bandeiras, sorrindo por estarem juntas, e chorando ao mesmo tempo. E aposto que não se trata de uma multidão apenas de peronistas.

Meio sem querer, o poeta uruguaio Mario Benedetti me veio ao ouvido:
“Onde estiveres/ Se é que estás/ Será uma pena se Deus não existir…/ Mas haverá outros/ Claro que haverá outros dignos de receber-te…”

E se desta vez não fosse para pior? E se agora a dor se transformasse em compromisso?
Como dizia a maior das bandeiras: Cristina, nem um passo atrás! 

Mirta Castedo é professora da Universidade Nacional de La Plata, Argentina