Mais orçamento e mais diálogo

O governo anterior chegou a investir 4,1% do PIB no setor; o governo Lula, 4,7%. Especialistas defendem 10%. E o desafio de superar o analfabetismo continua

José Firmo Furtado, professor de educação física em Samambaia (DF): “É revoltante tal descaso com a escola”. (Foto: Augusto Coelho)

Diferente de seu antecessor, que em oito anos limitou suas ações ao ensino fundamental (1ª a 8ª série), o atual governo deu à educação um tratamento mais sistêmico. Isso significa dizer que, da pré-escola à universidade, todas as etapas foram contempladas. Com isso são muitos os avanços de 2002 para cá, conforme educadores e representantes do setor.

O principal deles é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica, o Fundeb. Aprovado no final de 2006, após grandes debates e pressões da sociedade, o fundo redistribui recursos para financiar o ensino infantil, fundamental e médio em regiões onde o investimento por aluno for inferior ao valor mínimo fixado. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), os repasses federais aos estados e municípios aumentaram dez vezes.

“Embora não seja atribuição constitucional da União investir no ensino básico, o governo Lula elevou os investimentos, passando de R$ 490 milhões para R$ 7 bilhões em dez anos. O Programa Nacional do Livro Didático e da merenda escolar beneficiam hoje alunos de toda a educação básica”, aponta Roberto Franklin de Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Para o dirigente, a visão sistêmica pode ser notada em outras ações concretas, como o Profuncionário, programa que há cinco anos leva formação de nível técnico para trabalhadores em escolas de educação básica. A iniciativa atende a uma demanda da categoria, que considera educadores todos os que trabalham dentro de uma escola – e não apenas os professores. “E a política nacional de formação docente conta com vagas abertas em novos campi de universidades federais, mostrando como as ações são articuladas”, exemplifica.

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma organização não-governamental, destaca o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que reordena a gestão dos programas do MEC e traz embutida outra inovação: o Plano de Ações Articuladas (PAR). “Nele, União, estados e municípios se comprometem a diagnosticar e planejar ações de longo prazo para enfrentar os desafios e melhorar a qualidade do ensino, aumentando o diálogo entre si”, aponta. Para o coordenador da ONG, além de focalizar o ensino fundamental e nada investir nos segmentos infantil e médio, a política pragmática da era FHC errou também ao fragmentar o ensino profissionalizante. “Coube a Lula corrigir isso e, acertadamente, investir também na formação técnica com a ampliação de sua rede”, diz.

Em 2004, o Decreto 5.154, do Executivo, revogou o de número 2.208, que fragmentou a educação técnica integrada, reduziu a oferta de vagas nesse nível de ensino, empobreceu os currículos e negou aos egressos do ensino fundamental o acesso a uma formação que assegurasse bons empregos. No ano seguinte, teve início a expansão da rede federal de educação técnica e tecnológica. Só em 2009, foram entregues 100 escolas – e até o final deste ano, com novas inaugurações, serão 214. Com a reorganização, houve a federalização de outras unidades, que no total oferecerão mais de 500 mil vagas até o final deste semestre.

Menina dos olhos do governo Lula, o Programa Universidade para Todos (Prouni) tem aprovação da população e até de especialistas – desde, é claro, que se constitua em política transitória até que sejam criadas vagas no ensino superior público. De 2005, quando foi criado, até o primeiro semestre de 2010, foram cedidas 704 mil bolsas. Neste ano, cerca de 1.400 instituições aderiram ao programa. Estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa podem concorrer à bolsa integral. Para Daniel Cara, uma pedra no sapato é a baixa qualidade do ensino dessas instituições que, na maioria dos casos, não obedece ao tripé universitário de ensino, pesquisa e extensão. “A regulamentação pelo setor público é o primeiro passo para a solução do problema”, afirma.

Atraso

Consultor da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação, com pesquisas sobre financiamento em educação, Luiz Araújo é categórico: Lula investiu mais em educação do que FHC, sobretudo a partir de 2006, quando elevou a participação da União no Fundeb. Passou de 3,9% em 2005 para 4,3% em 2006, para 4,5% em 2007 e 4,7% em 2008. “Mas não moveu uma palha para derrubar o veto de FHC à proposta de aplicação de 7% do PIB em 2011”, diz. “Por isso, a previsão é de que chegue a 5,2%”.

“É claro que poderíamos ter avançado mais nesses oito anos e chegar mais perto dos 10% do PIB que defendemos para o setor. Mas a disputa é muito grande”, diz Roberto Franklin de Leão. “Buscamos agora a construção de um sistema nacional articulado, com base no documento da Conferência Nacional de Educação, que possa integrar e dar qualidade aos 5 mil sistemas de educação existentes no Brasil”, acrescenta.

Leão admite que isso parece difícil, mas considera perfeitamente possível, como foi a implementação dessas políticas todas nos últimos oito anos. “O que não podemos é atrelar a qualidade da educação à possibilidade do estado ou do município. Se fosse assim, um estado rico como São Paulo não teria uma educação tão ruim, rasa, superficial, responsabilizando professores, diretores e funcionários pelo fracasso e estimulando a competição, enquanto o que buscamos é uma educação solidária.”

Apesar dos avanços, a educação brasileira patina em problemas como a falta de laboratórios de ciências e de informática, biblioteca, sala para mostra de vídeos­ e quadra coberta. Em escolas como a estadual Myrian Ervilha, em Samambaia (DF), não tem nada disso, tampouco muros e sistema elétrico, de esgoto e de drenagem que funcionem direito. Além de expostos à insegurança – já que bebidas, drogas e armas circulam normalmente – os mais de 2 mil alunos, do ensino médio e fundamental, professores e funcionários convivem ainda com constantes ameaças de curto-circuito e enxurradas. Qualquer chuva requer o desligamento do fornecimento de eletricidade e é suficiente para inundar toda a unidade com águas sujas e fétidas. “O trabalho pedagógico é muito prejudicado em condições assim”, diz José Firmo Furtado, professor de educação física. “É revoltante tal descaso com a escola”. Segundo ele, que já viu seus alunos, treinados com muito esforço, terem de abandonar competições por falta de transporte, a situação só não é pior por causa do envolvimento dos professores e da polícia – há filhos de policiais que estudam ali –, que colaboram sempre que podem. A delegacia mais próxima está a 25 quilômetros e a região é atendida por uma só viatura.

Para os próximos governos, fica a expectativa de solução de problemas estruturais como esses e de outro, igualmente grave: o analfabetismo. A Constituição de 1988 deu prazo de dez anos para que todos no Brasil sejam capazes de ler e escrever. Passados 22 anos, o país ainda tem 30 milhões de analfabetos funcionais e 3 milhões de jovens de 15 a 30 anos que não tiveram acesso à sala de aula ou que foram expulsos por um sistema que tem de aprender a ensinar e a não ser excludente.