A dialética do jornalismo

Não é provável que o jornalismo impresso esteja destinado à morte. Há 100 anos, tem resistido aos meios eletrônicos

Primeiro, foi o rádio: nos anos 1920, nos Estados Unidos e na Europa, o seu uso para a difusão de notícias e de opinião se tornou a novidade. Os jornais reagiram: as tiragens cresceram. As pessoas ouviam o rádio, mas buscavam confirmar informações e interpretar fatos com o texto impresso. A razão era simples e vinha do Evangelho: as palavras, leva-as o vento; o que está escrito, permanece. O rádio servia – e continua servindo – mais à informação rápida e à diversão do que para a reflexão.

Quando a televisão começou a popularizar-se, novamente decretaram a morte do jornal impresso: a imagem é mais sedutora do que o texto e, acompanhada do som, torna-se insuperável. Os observadores outra vez se equivocaram: a velocidade da informação, longe de ser vantagem, traz nova dificuldade. As pessoas veem as cenas, mas não conseguem “pensá-las”. Os locutores são econômicos com o texto que chega aos ouvidos do espectador em frases curtas e separadas, e cada uma delas desfaz a anterior. Todos temos uma experiência interessante: quando estamos ouvindo uma pessoa que fala, e damos demasiada atenção à sua aparência, não conseguimos reter exatamente o que ela nos diz. Manter ouvidos e olhos com a mesma atenção é um exercício difícil. Um dos truques de alguns homens de televisão é o de distinguir a sua presença mediante tiques exagerados, como faziam o Chacrinha, o Paulo Francis, ou como hoje tenta Arnaldo Jabor. Não obstante esses truques, Paulo Francis era mais bem entendido em seus textos impressos, e o mesmo ocorre com Jabor.

Agora é a internet. Nos primeiros momentos, o novo meio eletrônico causou grande prejuízo aos jornais impressos, mas essa onda começa a baixar. Uma das respostas do jornalismo impresso foi buscar um público, o dos trabalhadores, que se afastara dos jornais por duas razões: a primeira pelo preço, caro, comparado ao da internet – o que ainda pode vir a ser revisto, porque a tendência é a de que se cobre pelo conteúdo dos sites. A segunda é porque os jornais estão cada dia mais elitistas, com um conteúdo que não seduz as massas.

A edição de jornais populares nas grandes cidades brasileiras a um preço quase simbólico mostra que há um grande mercado disponível. Os jornais populares já superam, e em muito, as tiragens dos jornais destinados às camadas de maior poder aquisitivo. Eles são importantes, entre outras coisas, para que se recupere o hábito da leitura. O que está faltando aos editores dos jornais é encontrar a receita certa que mantenha os leitores de gravata e a eles acrescente os leitores de macacão. Para isso, é necessária certa coragem dos editores.

É possível oferecer aos leitores, ao mesmo tempo, a crônica de turfe e uma seção sobre o candomblé. Ou a notícia de que os especuladores preparam uma crise cambial como armadilha para o governo, em setembro, com a finalidade de afetar Lula nas eleições, conforme informações que circulam há dias nos meios financeiros. O que se desafia é o talento dos redatores de imprensa.

No passado, era mais fácil porque, de modo geral, o jornalista era um ficcionista por vocação. Tivemos homens capazes de serem lidos por todos os públicos, como Nelson Rodrigues. Tanto em A vida como ela é, sua seção de crônicas no jornal Última Hora, como em seus insuperáveis textos esportivos e nos grandes folhetins, ele foi o jornalista completo: com Asfalto Selvagem, do fim dos anos 50, Nelson conseguiu dobrar a venda de Última Hora tanto no reparto da zona sul, mais rica, como na zona norte. O jornal de Samuel Wainer foi grande exemplo de jornalismo de todos os públicos. Enquanto a cabeça do jornal se endereçava ao leitor do Rio em geral, o tablóide (caderno de variedades) mantinha uma coluna social para a zona sul, assinada por Maneco Muller (Jacinto de Thormes) e outra da zona norte, firmada pelo ator Carlos Renato.

Em Minas, um só diário popular, Super Notícia, vendido a R$ 0,25, tem uma circulação (350 mil exemplares) superior a todos os outros jornais do estado. Nos Estados Unidos e na Europa, os grandes jornais estão recuperando seu público, de maneira lenta, mas firme. Todos os registros de todos os computadores do mundo podem apagar-se em um instante com a possível inversão do campo magnético da Terra ou intensa tempestade solar, como a ocorrida em 1859, observa o físico Ubirajara Brito. Nesse caso, teríamos que partir do zero.

O papel impresso continuará sendo o grande veículo para a reflexão e, com sua maleabilidade, o mais confortável e confiável meio de comunicação e registro da História. 

 

 

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