meio ambiente

Luz no fim da estufa

Impacto dos relatórios da ONU sobre as mudanças climáticas e esforço diplomático entre grandes e pequenos poluidores dão novas esperanças de combate ao aquecimento global

Jewel SAMAD/AFP PHOTO

Protesto de ursos polares durante a Conferência de Mudanças Climáticas em Bali adverte: “As mudanças no clima deixam as pessoas pobres mais pobres”

A humanidade pode chegar em 2008 a um novo patamar no combate ao aquecimento global. Após uma década de negociações infrutíferas entre as nações, os principais governantes do mundo sinalizam alguma disposição em enfrentar as mudanças climáticas e seus efeitos, que já se fazem sentir em diversos pontos do planeta. A mudança de postura dos líderes mundiais está sendo possível graças ao grande impacto causado na opinião pública pela divulgação dos três relatórios produzidos no ano passado pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês). Cada um deles demonstra que o aquecimento global está, sim, sendo provocado pela ação do homem.

O primeiro relatório descreve como pode ficar o planeta caso o aquecimento da atmosfera prossiga sem ser combatido, num cenário que mistura inundações, desaparecimento de países insulares e aumento da incidência de furacões, entre outras catástrofes. O segundo relatório faz uma projeção das conseqüências sociais do aquecimento, como deslocamentos populacionais em massa, aumento das doenças e da pobreza. No terceiro documento, os cientistas da ONU trazem uma mensagem mais otimista, mostrando que, se for iniciado imediatamente, o enfrentamento às mudanças climáticas pode ser barato e viável.

O impacto causado por essas revelações coincidiu com a necessidade de começar a discutir a segunda fase do Protocolo de Kyoto. Estabelecido entre as nações em 1997 como o principal instrumento de combate ao aquecimento global, o Protocolo determina que, até 2012, os 38 países mais industrializados reduzam suas emissões de gases provocadores do efeito estufa a níveis pelo menos 5,2% inferiores às emissões registradas em 1990. O que será feito após 2012, no entanto, ainda não foi definido e, segundo a ONU, essa discussão tem de começar já.

Para se ter uma idéia, o IPCC sugere que, até 2050, as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas entre 50% e 85% em relação aos níveis de 1990. Seria a maneira de estabilizar em dois graus Celsius o aumento da temperatura média do planeta.

Depois de ratificar o Protocolo de Kyoto com Bill Clinton, os Estados Unidos retiraram sua assinatura com a chegada de George W. Bush. Com pouco mais de 3% da população mundial, o país é o maior emissor do planeta, responsável por 25% dos gases lançados na atmosfera. O governo Bush vinha contando com aliados de peso, como Austrália, Japão, Canadá e Rússia, que não aderiram ao Protocolo ou não o aplicaram na prática.

Entre os “emergentes”, que não assumiram metas obrigatórias em Kyoto, o aumento das emissões também passou a preocupar nos últimos anos. Países com acelerado crescimento econômico, como China e Índia, têm seu parque industrial baseado em matrizes energéticas sujas (sobretudo a queima de carvão) e estão emitindo cada vez mais gases. Em 2007, a China ultrapassou a Rússia e se tornou a segunda maior poluidora do planeta. As queimadas e o desmatamento das florestas, que também lançam grandes quantidades de carbono na atmosfera, são problemas em países emergentes como África do Sul, Indonésia e, principalmente, Brasil, onde esses dois itens respondem por 75% das emissões.

Bali marca virada

O quadro fez crescer a percepção internacional de que alguma ação conjunta precisava ser estabelecida. A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, anunciou em junho a meta da União Européia de reduzir suas emissões em 20% até 2020 e 50% até 2050. O momento da virada, no entanto, aconteceu em dezembro, durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Bali (Indonésia), depois de um impasse que parecia intransponível.

No início do encontro, os países ricos não aceitavam assumir metas adicionais obrigatórias para depois de 2012 se os emergentes também não o fizessem. Estes, por sua vez, invocavam o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” – estabelecido em Kyoto e que destaca a responsabilidade histórica dos países mais ricos pelo aquecimento –, para recusar metas obrigatórias. Liderados por Brasil, China e Índia, os emergentes alegavam que assumir metas poderia comprometer seu desenvolvimento.

O impasse persistiu até o último dia da conferência, marcada pelo isolamento dos EUA depois que a Austrália anunciou sua adesão a Kyoto. Após empreender inúmeros esforços para sabotar a conclusão das negociações em Bali, o governo Bush acabou recuando e aceitou assinar o documento final do encontro, que servirá como “mapa do caminho” com indicativos para a agenda global a ser adotada, desde que não fossem estabelecidas metas obrigatórias. O texto, no entanto, faz menção aos relatórios do IPCC e à redução de 25% a 40% das emissões até 2020.

O consenso surgiu porque os países emergentes também cederam e aceitaram discutir a possibilidade de assumir metas obrigatórias a partir de 2012. Essa decisão foi possível após a conquista de uma vitória política, que foi a inclusão do desmatamento evitado nos cálculos das metas de redução para o Pós-Kyoto. A maneira como isso se dará, entretanto, foi objeto de uma grande polêmica que teve o Brasil como protagonista. A maioria dos países emergentes defendeu em Bali que o desmatamento evitado seja incluído no mercado de créditos de carbono, mecanismo pelo qual um país poluidor pode compensar suas próprias emissões ao pagar para um outro país não emitir. O Brasil foi contra essa proposta, por achar que daria carta-branca aos poluidores para continuar emitindo gases sem estabelecer garantias de que a floresta “comprada” no mercado de carbono será efetivamente preservada no futuro.

A proposta apresentada pelo governo brasileiro é a criação de um fundo internacional pelo qual os países ricos, de forma voluntária, possam compensar financeiramente os emergentes pelo desmatamento evitado sem que isso implique em redução de suas próprias metas. As duas possibilidades constam do “mapa do caminho” redigido na conferência.

Apesar de não especificar metas obrigatórias, o inédito consenso estabelecido permite sonhar que os governantes unirão esforços para combater o aquecimento. Para que haja tempo de se iniciarem ações concretas em 2012, alerta a ONU, é preciso que uma agenda global seja adotada já em 2009, na próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague (Dinamarca).

A primeira reunião do Grupo de Trabalho que vai tentar dar forma final ao “mapa do caminho” para o Pós-Kyoto acontecerá em março de 2008 e terá o Brasil, mais uma vez, como protagonista. O diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, Luiz Alberto Figueiredo, foi escolhido para presidir o GT.