meio ambiente

Amazônia, uso e abuso

Ao contrário do que muitos pensam, a maior parte da madeira ilegal extraída da floresta amazônica é consumida pelos próprios brasileiros

Secretaria do Meio Ambiente (SP)

Parceria entre órgãos estaduais de fiscalização e a polícia militar ambiental resultou na apreensão de 85 toneladas de madeira ilegal na cidade de São Paulo em outubro

Telhados, móveis, batentes, entre tantos outros produtos consumidos por paulistas, cariocas e mineiros, por exemplo, são fabricados com madeira amazônica. De acordo com dados do relatório Acertando no Alvo, realizado pela Sociedade Amigos da Terra em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal (Imaflora) e o Instituto para o Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), mais de 85% da madeira retirada da região é utilizada no Brasil. As Regiões Sul e Sudeste são os maiores mercados, com um consumo mais de duas vezes superior ao que é exportado para a União Européia, maior importador de madeira da floresta tropical brasileira.

A cada cinco árvores cortadas na Amazônia, uma é destinada a São Paulo. São 3,6 milhões de metros cúbicos de toras consumidas por ano, que fazem do estado o maior comprador nacional de madeira da região, de acordo com dados da organização Greenpeace. O estado consome 30% de toda a madeira produzida no país, e 70% desse consumo vem da Amazônia. A madeira é vendida sob diversas formas e abastece um mercado que não pára de crescer. O principal destino é a construção civil, sobretudo a fabricação de estruturas de telhados (42%). Depois vêm os andaimes e formas para concreto (28%). Móveis populares representam 15%; forros, pisos e esquadrias, 11%; casas pré-fabricadas de madeira, 3%; e móveis finos e peças de decoração, 1%.

A situação é ainda mais grave para as espécies de árvores cuja madeira alcança alto valor de mercado. Atualmente, 20% de todo o mogno extraído da Amazônia é levado para as Regiões Sul e Sudeste. Segundo o movimento Troque o Mogno por Eucalipto, se um quinto dos consumidores de mogno dessas regiões deixasse de comprá-lo, seria evitado o corte de 175 mil árvores na Amazônia por ano, área equivalente a 5,5 campos de futebol.

De acordo com o Greenpeace, no total, foram desmatados 26.130 km2 de florestas amazônicas apenas entre os anos de 2003 e 2004 – área maior que a do estado de Sergipe.  Mais de 70% do desmatamento ocorreu ilegalmente.

Mudar esse quadro não é tarefa fácil. A imensidão da floresta é um dos grandes problemas para a fiscalização e o controle efetivo na região. Para ter sucesso, a estratégia de combate ao corte ilegal deve vir de um conjunto de medidas que inclua a mudança de mentalidade de quem compra madeira por meio da valorização de produtos com certificado de procedência. Também é importante que o mercado consumidor seja mais bem informado quanto aos impactos de seu consumo, somado ao aumento da presença e da efetividade da ação do Estado nas áreas onde ocorre a retirada ilegal – garantindo que a lei seja cumprida. Infelizmente, até hoje, no ponto-de-venda, o que acaba falando mais alto é o preço. E a madeira retirada e comercializada ilegalmente torna o produto final mais barato.

Para ajudar a combater o comércio de madeira de desmatamento em São Paulo, está tramitando na Assembléia Legislativa paulista um projeto de lei, de autoria do deputado José Augusto (PSDB), propondo que toda madeira que circule no estado seja certificada. A idéia é implementar a nova política gradativamente, com meta de 5% de certificação a cada ano, até que toda a madeira usada em São Paulo tenha procedência garantida por um selo.

Para Marcelo Marquesini, engenheiro florestal que já trabalhou no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e hoje integra a Campanha Amazônica do Greenpeace, buscar a certificação deveria permanecer uma ação voluntária, que confere destaque a empresas que optam por uma postura socioambiental responsável – e não ser transformada em lei. “O selo é um prêmio. É um reconhecimento para ações que vão além da lei”, explica Marquesini. “Cumprir a lei é obrigação”, completa. E garantir o seu cumprimento é função do Estado. 

Orientações

O consumidor que quiser contribuir para frear o desmatamento amazônico já conta com a ajuda do selo FSC-Brasil, da sigla em inglês de Conselho de Manejo Florestal, que certifica a procedência e o modo de coleta da madeira vendida no país. Ao comprar madeira ou qualquer produto que a contenha, deve-se procurar pela certificação do FSC. O selo é uma garantia para o consumidor de que a madeira que está levando não vem de desmatamentos ilegais. Construtoras e outras empresas que a utilizam podem fazer o mesmo.

O consumidor pode ainda garimpar nas vendas de material de demolição por madeiras especiais por meio da reutilização de batentes de janelas, portas etc. Da mesma forma, móveis usados são aliados do consumidor consciente, evitando o corte de novas árvores e ajudando a manter fixado, em forma de madeira, o carbono já absorvido por ela. Além disso, ajudam a dar um toque diferenciado na decoração da casa ou até mesmo no escritório.

Outros produtos também têm uma parcela importante de responsabilidade no desmatamento, legal e ilegal. A carne de boi é um dos principais exemplos. O aumento do consumo de carne bovina provoca o crescimento das áreas usadas para pastagens. Segundo estudo do Banco Mundial divulgado em 2003, a criação de gado é uma das principais causas do desmatamento da Amazônia. Assim, uma forma de evitá-lo é buscar saber onde foi criado o gado que produziu a carne vermelha consumida nos açougues e supermercados.

O momento é propício para mudar, agregando novos hábitos de consumo, mantendo-se informado sobre a questão do desmatamento e acompanhando as discussões dos novos projetos de lei e ações do governo que abordam o tema.

Ações locais, pensamento global

Aproximadamente 75% das emissões brasileiras de gases causadores do efeito estufa ocorrem pela derrubada e queima de florestas. Por isso, a participação do Brasil no combate às mudanças climáticas globais passa, necessariamente, pelo controle do desmatamento. E essa é uma missão de todos os brasileiros. Para se ter uma idéia, a emissão per capita de CO2 no Brasil é de 1,8 tonelada por ano sem considerar a destruição das florestas, mas sobe para  12,8 toneladas com o desmatamento incluído. Segundo a pesquisadora Patrícia Pinho, doutora em Ecologia Humana pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, a participação das florestas tropicais no balanço de consumo e emissão de CO2 é questão bastante complexa.

Isso porque as plantas absorvem carbono enquanto crescem – na forma de biomassa, em suas raízes, flores, folhas, tronco, galhos e frutos –, mas liberam o gás de volta para a atmosfera quando realizam sua forma de respiração. Além disso, outros fenômenos biológicos como a decomposição do material orgânico (como os restos de árvores ou animais etc.) também liberam gases causadores do efeito estufa. E contabilizar todas essas trocas gasosas “invisíveis” numa floresta tropical não é uma tarefa fácil. Assim, novos estudos e avanços tecnológicos de pesquisa de campo serão necessários para buscar dados mais precisos. “É um grande debate. Mas de acordo com estudos atuais a floresta tem capacidade de absorver uma certa quantidade a mais de gás carbônico do que emite”, explica Patrícia.

Mas, quando o assunto é avaliar se a conservação da floresta e o combate às queimadas são importantes para a manutenção do equilíbrio climático, Patrícia não tem dúvidas: “Acabo de voltar da Amazônia e já era para estar chovendo. Tem cheiro de queimada no ar e ainda tem gente que não acredita nas mudanças climáticas”.

Além de contribuir para a manutenção do equilíbrio climático global, a floresta é um importante regulador do clima regional, pois produz e exporta chuvas que abastecem de água não só a região, mas todo o centro-sul do país. Pela Amazônia circula cerca de 70% de toda a água brasileira.

A perda das florestas representa também a diminuição da área em que vivem animais e plantas, pondo em risco a rica biodiversidade amazônica. Segundo Patrícia Pinho, a extinção de espécies pode afetar a possibilidade de sobrevivência das demais, inclusive a do homem. “Existe uma relação de complexidade entre as espécies, em especial na cadeia alimentar que ainda nem sequer conhecemos”, aponta. “Na natureza tudo está interligado. A urina do gado criado na região amazônica, por exemplo, modifica as propriedades da água e afeta a sobrevivência de algumas espécies de peixe.”

Além de seu valor intrínseco, uma das principais discussões sobre o impacto da perda da biodiversidade recai sobre o desaparecimento de espécies com características e potencial de uso – na medicina, por exemplo – muitas vezes ainda desconhecidos pela ciência.

A diminuição da floresta compromete também a sociodiversidade, pois reduz os recursos naturais utilizados por comunidades tradicionais indígenas e extrativistas (como os seringueiros), que deles dependem para sua sobrevivência. A desagregação dessas populações representa o desaparecimento de sua cultura e do conhecimento sobre a floresta e seus recursos acumulados durante séculos de convivência e que muito poderiam ajudar a desvendar os segredos dos ecossistemas tropicais. Estima-se que existam ainda hoje na Amazônia 180 etnias diferentes.

“A mentalidade dos demais estados precisa mudar. É preciso pensar em uma mudança profunda de paradigma, em especial para o desenvolvimento da Amazônia. Temos de mudar nossa percepção sobre o ambiente e, principalmente, mudar nossa atitude e comportamento”, conclui a pesquisadora. Manter esse rico ecossistema vivo, portanto, depende da ação de todos.

Texto produzido e cedido pelo Instituto Akatu Pelo Consumo Consciente
www.akatu.com.br