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Que a magia não acabe

Com todos os seus encantos, Floripa está hoje entre os principais destinos turísticos do país e de quem tenta uma vida melhor em uma nova cidade. Mas o crescimento desordenado pode castigar o paraíso

Mauro Vaz/divulgação Secr. Turismo Floripa

Praia da Lagoinha do Leste

Férias. Muitos brasileiros, especialmente gaúchos, catarinenses, paranaenses e paulistas, elegem Florianópolis como um dos destinos mais especiais, assim como argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios. Praias e tradições, história e natureza, diversidade e perspectivas, gastronomia e hospedagem relativamente barata. Tudo tão convidativo que além de turistas a ilha tem atraído muitos novos moradores. Tanto que o crescimento verificado nos últimos anos já deixa marcas. Se a cidade não quer repetir os erros de outras capitais brasileiras, precisa começar a enxergar já o seu futuro.

Floripa tem mais de 40 praias, da tranqüilidade do sul à badalação do norte. Do mar calmo de Jurerê e Canasvieiras às ondulações de Moçambique e Morro das Pedras. Na culinária, vale se programar para provar a abundante seqüência de camarões, tradicional na região da Lagoa, assim como a Costa da Lagoa convida para sua seqüência de frutos do mar.

Em locais como o Bar do Arantes, no Pântano do Sul, e o Mercado Municipal – berço do badalado Box 32 e do aconchegante Spinoza –, a escolha fica ao gosto (e ao bolso) do cliente: peixe ao forno, ostras frescas ou casquinha de siri podem ser o desfecho de um dia perfeito – desde que não se abuse, claro, das boas cachaças da região, uma das tradições herdadas da colonização açoriana. Com um rico folclore, Florianópolis é um relicário de histórias e personagens que valem a viagem e a prosa.

No Caminho do Sertão do Ribeirão fica o Alambique do Zeca. O Zeca, aliás, corre o risco de ter de deixar o lugar, dentro do Parque Municipal da Lagoa do Peri – uma das principais áreas de abastecimento de água da cidade. Ele protesta. “Tenho escritura, pago imposto. Só saio se pagarem muito bem. Vou morar embaixo da ponte?”

Uma das opções para chegar ao Caminho do Sertão é a trilha que liga o parque ao Ribeirão. Ao final da trilha está o bar do Sertão – e uma cidade parada no tempo: pequenos sítios, criações de gado e famílias que ocupam há cerca de 200 anos a mesma área.

José Bernardino Vieira e sua mulher, Maria, vivem da roça e da criação. Às vezes, sobra algo para vender. Vieira não quer deixar o local em que seus avós foram criados. “Tem de ter água para o povo. Mas também não pode maltratar as pessoas.”

Outra trilha que permite uma viagem pela história de Florianópolis é a Canto dos Araçás–Costa da Lagoa, com seus engenhos de farinha e sobrados do século 19 e seus restaurantes à beira da Lagoa, ornamentada de garças e biguás.

As praias de Naufragados e Lagoinha do Leste também têm belas trilhas, cercadas de vegetação exuberante, como um dos poucos meios de acesso. No trajeto da praia da Solidão para Naufragados é possível observar golfinhos. Entre Matadeiro e Lagoinha do Leste, com alguma sorte podem-se avistar baleias-francas no mar.

Hoje, porém, o crescimento, a ocupação irregular e desordenada já não permitem realizar uma volta à ilha, como às que se lançavam ecoaventureiros até a década de 1980, seguindo pelas praias e desbravando trilhas, costões e o mar.

grafico população floripa

De 1980 para cá, enquanto a população do Brasil cresceu 58%, a de Florianópolis mais que dobrou. Ao mesmo tempo, em pouco mais de duas décadas, o contingente de turistas triplicou. Mas, se por um lado essas tendências não têm afetado a qualidade de vida na capital catarinense, por outro não dão sinais de reversão ou estagnação, prenunciando problemas crescentes – e preocupantes.

A cena política de Florianópolis foi marcada por conflitos em 2007. Em meio a operações da Polícia Federal, investigações do Ministério Público, cassação de vereadores, embargo de empreendimentos e escândalos constrangedores para o prefeito Dário Berger (PSDB), os moradores da cidade buscam reagir. Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Maria Tereza Jorge Pádua mudou-se recentemente para a cidade e logo percebeu “as casas subindo até o alto dos morros, descendo quase até o mar ou feitas em dunas, restingas e mangues”. Para seu marido, Marc Dourojeanni, consultor do Banco Mundial na área ambiental, mesmo com a crescente consciência ambiental “o partido vencedor é o do lucro”.

Os baixos índices de saneamento são um dos mais graves problemas. Segundo a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), a coleta e o tratamento de esgoto alcançam somente 50% dos domicílios locais. A Casan espera, com o ingresso de recursos do PAC do governo federal, elevar o atendimento para perto de 70%.

A carência habitacional também é perturbadora. O Sinduscon (entidade patronal da construção civil) aponta a existência de 63 favelas em Florianópolis e um terço dos moradores da capital vivendo em situação de risco.

Nos Ingleses, a poucos metros da praia e encravada nas dunas, a comunidade do Arvoredo, mais conhecida como Favela do Siri, aguarda solução para as quase 200 famílias que vivem no local. Vindas especialmente do interior catarinense, quase conquistaram a mudança para bairros próximos. Abaixo-assinados feitos nos bairros de destino, porém, impediram a mudança. Glauceli Carvalho Ramos Branco, a Galega, da associação de moradores, reconhece que o certo é deixarem a área, mas afirma que “o problema não é só da gente”, e sim “de toda comunidade”.

Vander FornazieriPraia dos Naufragados
Praia dos Naufragados

Planos, cenas e olhares

Floripa atualmente discute um novo Plano Diretor (lei que traz as diretrizes para o desenvolvimento do município nos próximos anos). Universidade, entidades de classe e associações de bairros buscam espaço para intervir no plano. De acordo com Ildo Rosa, diretor-presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis e incumbido pela prefeitura de coordenar as discussões, o plano atual foi comprometido, com mais de 350 alterações. “Projetou-se uma cidade com 1,5 milhão de habitantes, algo incompatível com a realidade da ilha. Será uma luta bastante renhida, mas a expectativa é de um plano mais restritivo, cidadão e humano.” 

Na década de 1980, casas recém-construídas na região da praia do Campeche (ao sul da ilha, entre Joaquina e Morro das Pedras) lançavam esgoto direto no mar. Surfistas, pescadores e moradores antigos reagiam, entupindo com jornais os canos de esgoto das novas casas. Segundo Telma Piacentini, professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), nos anos 1990 projetava-se um Campeche com mais de 200 mil habitantes. Seriam construídas duas grandes vias expressas, uma sobre as dunas. “Barramos todo o projeto”, conta. Para Telma, embora o “grande capital internacional” pareça encantar a prefeitura e o governo do estado, é possível o Campeche e Floripa se desenvolverem “de forma positiva e dentro de sua vocação”.

O presidente do Sinduscon, Hélio Barrios, chama a atenção para a ausência de um modelo que imponha regras e garanta sustentabilidade à cidade, permitindo a proliferação de construções sem projeto, alvará nem habite-se, em ritmo de multiplicação só superado pelo de moradias de baixa renda. Para Barrios, o Plano Diretor e os de ordenamento náutico e de gerenciamento costeiro devem induzir Florianópolis a exercer sua “vocação”, especialmente em relação ao “turismo de alto padrão, com a implementação de píeres, marinas, campo de golfe e porto turístico”.

Para o padre Wilson Groh, que atua nas comunidades carentes do Maciço do Morro da Cruz, estão em jogo na Grande Florianópolis dois grandes projetos: “Um de internacionalização da ilha e outro de uma cidade inclusiva, humana”. Por isso, observa o analista do Ibama Paulo Benincá, é preciso se preocupar com quem dará as cartas finais do Plano Diretor e quem financiará a campanha de quem nas eleições. “O grande problema ambiental de Florianópolis é político”, alerta.

Vá além

Lagoa da  Conceição

Comer bem – Diversidade e estrutura: Lagoa da Conceição, Barra da Lagoa, Ingleses, Canasvieiras e Beira-Mar. Tranqüilidade e simplicidade: Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa, Pântano do Sul, Sambaqui. Bons preços e fartura: Floripa continental e cidades vizinhas, como São José e Palhoça.

Onde ficar – Há opções de hotéis, pousadas e locações residenciais para todos os bolsos. Alugar casa ou apartamento é sempre mais barato e versátil. Há bons campings em Rio Vermelho, Campeche e Lagoa. A mobilidade fica mais prejudicada na alta temporada, pense nisso ao decidir onde se hospedar.

Sites – Prefeitura: www.pmf.sc.gov.br – informações sobre hospedagens, estrutura, redes de apoio, história, folclore e tradições.

Fortalezas e passeios a barco:www.fortalezas.ufsc.br.

Mirantes – Lagoa, Praia Mole, Morro das Aranhas, Morro da Cruz.

Navegantes – Conheça por barco os locais mais retirados, como a Ilha do Campeche, a Costa da Lagoa e as praias de Naufragados e Lagoinha do Leste.