economia

A Bolsa e a vida

O mundo das ações é feito de interessados em uma boa poupança de longo prazo, que capitaliza o setor produtivo; e também de gente capaz de arrebentar economias em nome da ganância. Antes de entrar é preciso entender

rodrigo queiroz

Sandra criou um clube de investidoras em 2004. Tímido no início, hoje conta com 103 sócias

Nos últimos meses, na roda de amigos do advogado Eduardo Madeira, o assunto são ações. Qual empresa pode se valorizar mais nos próximos meses? Qual pode ser uma fria? Eduardo até decidiu abrir uma conta em uma corretora para poder ele mesmo negociar ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). E não está sozinho. Cinco anos atrás, 82 mil pessoas físicas estavam cadastradas para comprar e vender papéis de empresas. Neste ano, já são mais de 300 mil habilitados. O número ainda deve crescer, impulsionado pela economia aquecida. Cerca de 5% da poupança do país está atrelada a ações. Em dez anos, estima-se, serão mais de 15%. Mas a promessa de ganho fácil e rápido está longe de ser certeza absoluta. Existem inúmeros perigos no caminho e apenas uma certeza: a Bolsa não sobe sempre. “Onde há rentabilidade maior existem riscos grandes, e a economia brasileira e suas empresas ainda têm fragilidades”, afirma o economista da RC Consultores Fabio Silveira.

Como a queda dos juros básicos reduziu a rentabilidade dos fundos de renda fixa – atrelados a papéis da dívida do governo federal e com rentabilidade diária –, um grande número de pessoas se interessou em correr mais risco. No início do ano, Eduardo começou a aplicar recursos em fundos de investimento ligados à Vale do Rio Doce e à Petrobras. O sucesso das duas empresas, cuja valorização no ano supera 50%, fez com que o advogado buscasse diversificar. “Nos fundos de investimento dos bancos, fico preso às ações que eles negociam. Com uma corretora, fico mais livre e posso escolher como compor minha carteira”, diz.

Há também a razão tributária: o rendimento de um fundo de investimento em renda variável recolhe 15% de imposto de renda. Se a mesma pessoa adquirir ações, a cobrança de imposto é diferente: são isentas de IR operações mensais que envolvam até 20 mil reais. Ou seja, quem comprou 10 mil reais de ações de uma empresa que se valorizou 100%, na hora da venda não terá imposto a pagar.

As mulheres também começam a romper o “clube do bolinha” do mundo das ações. Há cinco anos eram 15 mil investidoras. Hoje são mais de 65 mil. Em 2004 a economista Sandra Blanco criou um clube de investimentos voltado exclusivamente para mulheres. Na época, apenas três se interessaram em ingressar no clube – que funciona como um fundo de ações, mas não é administrado por um banco. “Aos poucos fui mostrando que o mercado traz riscos, mas com estratégias podemos reduzi-los”, conta. No fim de 2006 seu clube já reunia 60 investidoras. Hoje são 103. “Temos participantes do Brasil inteiro, com perfil bastante heterogêneo, de estudantes a aposentadas”, afirma Sandra.

Olhar com prudência

Nos últimos cinco anos, a Bovespa se valorizou mais de 450%, tornando-se o investimento mais rentável do período. Essa elevação significa que as empresas brasileiras estão bastante capitalizadas. Com suas ações em alta, passaram a ter mais caixa para crescer no mercado interno e a buscar mais oportunidades de negócios no exterior. Com mais pessoas investindo na Bolsa, as empresas contam com o mercado acionário como opção de financiamento para seus investimentos, outrora reservado apenas ao BNDES. E passam também a incorporar conceitos importantes, como maior transparência nas informações ao público e ações sustentáveis.

gráfico Bolsa

Mas não há apenas fatores positivos: as ações mais líquidas (negociadas mais rapidamente) são de setores ligados a commodities (produtos em estado bruto, de origem agrícola ou mineral, cujo preço é ditado pela oferta e procura internacional) e a participação estrangeira no mercado brasileiro tem crescido com vigor, o que torna as cotações das empresas brasileiras vulneráveis à ação externa. Boa parte da alta da Bovespa nesse período se deu pela elevação mundial dos preços das commodities. O minério de ferro subiu mais de 200%; o petróleo saiu da casa dos 35 dólares para se fixar em cotação média superior a 65 dólares. Petrobras e Vale, que respondem por 30% das negociações da Bovespa, subiram mais de 500%. Siderúrgicas e fabricantes de papel e celulose também cresceram muito. Assim como a concentração bancária deu alegrias a seus acionistas: em 2004 as ações do Bradesco eram negociadas na casa dos 10, 12 reais. Agora se fixaram acima dos 50 reais.

“Boa parte do sucesso da Bolsa se deveu à estabilidade macroeconômica e à ótima performance das commodities, mas esse cenário não vai perdurar para sempre”, diz Fabio Silveira. A crise nos Estados Unidos, decorrente do crédito ruim das hipotecas de casas, se agrava e começa a chegar à economia real. Bancos têm grandes perdas contábeis, consumidores americanos reduzem gastos e a retração do mercado imobiliário cria prejuízos para as indústrias que o abastecem – como aço, materiais de construção e até de móveis e decoração.

Responsáveis por 25% do PIB mundial, os Estados Unidos devem enfrentar um 2008 conturbado. “O Brasil é um destino de investimentos ainda interessante, mas as altas recentes dos últimos anos elevaram o valor das empresas, que estavam subvalorizadas”, diz o consultor Paulo Ternani, do UBS. O banco suíço já recomendou a clientes endinheirados aplicar recursos no México, já que as opções no Brasil começam a escassear.

A expansão da Bolsa de Valores guarda outra ameaça. Desde 2004 mais de 90 empresas abriram seu capital na Bovespa, buscando recursos. Cerca de 70% dos compradores desses papéis moram fora do Brasil. “Quando vem uma crise externa, os investidores internacionais fazem uma análise fria dos números e podem se decidir pela venda, o que traz instabilidade”, afirma o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira. Por isso se diz que essa forte presença dos estrangeiros também tem caráter especulativo.

Sangue-frio

Investir em ações exige cuidados. É preciso antes medir a real disposição de entrar num mercado volátil e sujeito a variações bruscas. Em uma semana de agosto, ações da Vale chegaram a perder 15% de valor por conta da crise nos Estados Unidos. Quando a siderúrgica Gerdau anunciou a aquisição de uma empresa americana em novembro, suas ações caíram 5% no dia da divulgação. Por isso, é fundamental olhar as aplicações como investimento de longo prazo, no mínimo de um ano. O investidor deve também julgar de que empresas deseja comprar ações, conhecê-las, entender o setor em que atuam, se priorizam sua produção para o mercado interno ou externo e se têm bom relacionamento com a sociedade e o meio ambiente.

Outra recomendação é buscar compor uma carteira de algumas empresas, para não ficar ligado às variações de um único papel. Por exemplo: uma mais voltada ao mercado externo; outra, ao mercado interno; uma em que o Brasil tenha grande competitividade externa; outra que atue num segmento em que o país precisa investir com vigor nos próximos anos para aumentar sua inserção econômica. É preciso boa dose de sangue-frio. Vender papéis na baixa é prejuízo. Ou seja, se baixar a cotação, não se desespere, espere. Investir em ações de empresas que pagam bons dividendos é boa opção. Além da valorização de seus papéis, essas companhias distribuem lucros a seus acionistas, na forma de dividendos trimestrais ou anuais. Tomada a decisão, o investidor deve buscar uma corretora de valores que tenha permissão para negociar na Bolsa. Feita a inscrição, ele poderá escolher os papéis que comporão sua carteira, analisar a evolução diariamente e decidir se vai comprar e vender.

Mesmo seguidos esses passos, tropeços no caminho são freqüentes. Há três anos, Lucas de Moura Gavião decidiu investir 500 reais em papéis da Gerdau Metalúrgica. A facilidade de fazer transações e acompanhar cotações pela internet chamou a atenção do advogado paulistano, de 29 anos. De lá para cá, vem comprando e vendendo papéis. “Estabeleci como meta que quando sobem 20% eu vendo, independentemente do potencial de crescimento”, afirma. Ganhou bastante, mas perdeu também. Durante a crise aérea Lucas observou que as ações da TAM e da Gol estavam em queda. Comprou da Gol. Uma semana depois o acidente com o avião da TAM em São Paulo fez desabar ainda mais as ações do setor. “Perdi bastante, agora estou esperando que subam um pouco, para ter menos prejuízo.”

A Bolsa passo a passo

Operadores da Bovespa

Por que mexe com seu dia-a-dia
A Bolsa reúne um conjunto de empresas de capital aberto. É um termômetro da percepção dos investidores sobre a economia. Quando a Bolsa sobe, significa que eles esperam lucros nos próximos meses e, comprando papéis das empresas brasileiras, valorizam suas ações. As companhias captam recursos e fazem caixa para investir e ampliar seus negócios. Quando investidores ficam temerosos quanto à capacidade das empresas de ter bons resultados e receiam que a economia não deslanche, vendem papéis, o que faz cair o valor das empresas e sua capacidade de investir e os rendimentos de quem detém suas ações.

Como ingressar
Contatar uma corretora de valores ou seu banco, que serão os intermediários das transações.

Ganhos
Além da valorização do papel, algumas empresas pagam dividendos ao acionista quando anunciam seus resultados.

Longo prazo
Oscilações bruscas são freqüentes. Algumas empresas chegam a ganhar 15% em um dia, mas a se desvalorizar o mesmo tanto. Sangue-frio é fundamental para não se precipitar e vender na baixa. Analisar o investimento como de longo prazo é fundamental.

Imposto
Só se paga se a operação render lucro. Operações mensais de até R$ 20 mil são isentas.

Taxas de administração
Nos fundos de ações geridos pelos bancos a taxa de administração anual cobrada varia de 2% a 4%. Nas corretoras, não há tarifa anual de administração; geralmente se paga uma taxa mensal de custódia das ações, de R$ 5 a R$ 20. Em cada operação de compra ou venda de papéis, dependendo do volume de transação, as corretoras cobram uma taxa.

Mídia, ética e ações
O rápido crescimento da participação das ações na poupança do país traz também discussões sobre o papel dos jornalistas em relação ao mercado. Uma proposta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), xerife do mercado, busca regular a divulgação de informações jornalísticas que possam ter efeitos sobre papéis de empresas. A CVM sugere que o órgão em que o jornalista trabalha siga determinadas normas de conduta. Por exemplo, deve informar com clareza, em reportagens sobre recomendações de papéis ou sobre setores, o que são fatos, o que são interpretações, estimativas ou opiniões. Deve usar fontes fidedignas ou, se houver dúvida sobre a credibilidade (uma fonte que estiver ligada a uma empresa pode ter interesses escusos), deixar clara essa dúvida no texto.

A proposta da CVM deverá ser discutida ao longo de 2008. Quando foi anunciada, jornais e revistas mostraram preocupação por temer “censura prévia”. Já o jornalista Luis Nassif aprovou: “Nos últimos anos proliferaram notas e matérias-espuma, com evidentes propósitos especulativos. A maioria dos jornalistas não fez por mal, nem aplica em Bolsa, mas pela ânsia do ‘furo’ e por não haver um código explícito sobre a matéria. Uma discussão sobre conduta ajudará a todos: a mídia, os jornalistas e o mercado”, escreveu em seu blog.