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Outro cardápio é possível

No dia-a-dia de quem vai à feira ou ao supermercado a pergunta mais freqüente diante dos produtos orgânicos é “vale a pena consumi-los, se são tão mais caros?” Os adeptos garantem que sim

Mauricio Morais

Fabrício: “Sinto-me mais seguro consumindo orgânicos”

A agricultura orgânica pode ser o melhor caminho para alcançar a segurança alimentar e faz bem ao planeta. A conclusão está num relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) apresentado numa conferência internacional, na Itália, em maio. “A característica mais marcante da agricultura orgânica é que ela está baseada no uso de insumos disponíveis localmente e na independência em relação a combustíveis fósseis; trabalhando com processos naturais, reduz os custos de produção e o estresse climático”, diz o documento.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos apontou que alimentos de origem orgânica apresentam, em média, 63% a mais de cálcio, 73% a mais de ferro, 118% mais magnésio, 91% mais fósforo, 125% mais potássio e 60% a mais de zinco do que os alimentos convencionais. Indicou, ainda, ter verificado benefícios no tratamento de doenças – e na prevenção do câncer, pois os orgânicos possuem mais antioxidantes. Uma sopa feita com vegetais orgânicos, por exemplo, contém seis vezes mais ácido salicílico (componente produzido naturalmente pelas plantas e que é um protetor contra estresse e doenças).

E, junto com a ligeira desconfiança do freguês – de que se trata de algo saudável porém sofisticado –, vem também a questão: por que consumir? Vale a pena se são, em média, 50% mais caros que os produtos convencionais? Depende de quanto você acha que pode valer sua saúde, ou seu plano de saúde ou sua conta da farmácia, raciocina o fotógrafo Fabrício La Meu. “Sinto-me mais seguro consumindo orgânicos”, diz. Fabrício destaca ainda a importância dessa cultura para as famílias que com ela trabalham. Sete em cada 10 produtores de orgânicos do país são agricultores familiares. O fotógrafo também fica mais tranqüilo por não ter de desvendar o que está por trás daquelas tabelinhas indecifráveis em letras minúsculas das embalagens de uma simples geléia. “Dá tranqüilidade saber o que você está comendo. Não é só o que o bioquímico sabe.”

Por que, então, a maior parte da população continua comendo frutas, legumes, verduras aditivados com agrotóxicos, pesticidas, NPK – adubo químico encarregado de “enriquecer” o produto com nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K)? Por que não há a preocupação em reduzir o preço do que é melhor para a saúde e o planeta? Uma resposta: porque o mundo do agronegócio precisa produzir mais em menos tempo. Outra: a indústria que alimenta populações à base de produtos químicos precisa sobreviver. E, se procurar mais um pouco, chega-se à indústria farmacêutica – afinal, gente sadia não precisa de medicamento. E a latifundiários, multinacionais, governantes, uma vasta “cadeia alimentar” global.

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Jorge: “A agricultura natural e orgânica traz uma resposta mais completa nos níveis econômico, social, ambiental e até educacional”

Direto da fonte

O engenheiro Moacir Roberto Darolt fez uma pesquisa com 40 produtores e observou que, em média, menos de 30% do que o consumidor deixa na boca do caixa pelo alimento orgânico é destinado a quem o plantou. “É necessário direcionar estratégias em busca de um ponto de equilíbrio, de uma escala de produção que permita reduzir custos e melhorar a renda do agricultor”, defende o pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná.

Uma alternativa que pode mudar a vida de quem produz e de quem consome orgânicos seria a abertura de canais que encurtem o caminho entre a roça e a mesa. Exemplo de que isso é viável está na feira do Parque da Água Branca, na região oeste paulistana.

O produtor Jorge Horita, de 53 anos, tem uma propriedade de 10 hectares em Mairinque (SP), onde trabalha com a mulher, a mãe e mais seis funcionários. Está na feira da Água Branca desde o início, há 16 anos, e há muito mais tempo na produção orgânica. “Meu pai começou isso porque era cardíaco e não podia trabalhar com agrotóxicos, tinha que comer coisas saudáveis. Era um jeito de ganhar sobrevida, ele dependia disso”, conta. “A agricultura natural e orgânica traz uma resposta mais completa nos níveis econômico, social, ambiental e até educacional. O raciocínio é preservar para conseguir atender às necessidades das próximas gerações. Dá para viver com dignidade e com a consciência de que estou fazendo a minha parte.”

A produtora de eventos Maria Fernanda Moraes de Souza, 29 anos, vai à feira toda semana. “Orgânicos têm muito mais sabor, não agridem a natureza, são mais saudáveis. Compro tudo o que posso: tofu, arroz, farinha para fazer pão, feijão, legumes, verduras. Faço minha marmitinha e levo para o trabalho”, diz. O professor de Tecnologia de Alimentos Estebe Moreira, de 40 anos, também faz da feira seu programa de sábado, mas admite: “Só compro legumes e verduras. Frutas não dá”.

A bióloga Rita Branbilla Maronesi, produtora que emprega até 15 pessoas em sua propriedade de 20 hectares, afirma que deve a sua vida – que esteve ameaçada devido a uma alergia muito grave, decorrente de uma plaquetopenia – à alimentação orgânica. “Depois que aderi aos orgânicos minha doença sumiu, fiquei mais forte. Tem quem fale que é caro, mas o que ninguém vê é que precisamos de muito mais gente para o trabalho, usamos menos máquinas”, explica. A aposentada Dorca Moreira, de 73 anos, concorda: “É melhor gastar com comida do que na farmácia. Eu compro muita coisa aqui: palmito, espinafre, manteiga, café, açúcar, vinho, suco. Minha torta de palmito com espinafre é uma delícia. Se acompanhar um vinho fica ainda melhor”, garante.

tabela organico

Virando a mesa

Tudo o que vai para a mesa faz a roda da economia girar. Mudanças de cardápio e hábitos na sua casa e na do seu vizinho e na do vizinho do vizinho acabam mexendo com a vida de muita gente, desde quem vende a semente ou extrai a matéria-prima até quem organiza a gôndola do supermercado. Preferir uma salada sem química ou trocar a marca do sabonete pode ser uma decisão política que gera dividendo social e ambiental.

Silvia Ribeiro Reis já descobriu isso. No Mercado Mata Atlântica, uma feira de produtos orgânicos organizada pela Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, ela foi às compras. “Sei tudo o que compro, questiono, pergunto se é brasileiro, se tem veneno”, ensina a auxiliar de enfermagem. “Até xampu.” O que ela comprou tem ingredientes naturais e não é testado em animais. “Pago 6,50 e não prejudico ninguém”, calcula.

O fabricante dos xampus é Rodrigo Bolton. Ele montou sua empresa há um ano e diz que o custo dos insumos é realmente alto em relação aos sintéticos: “Para que as contas fechem é preciso reduzir os valores para que possamos vender mais”. Outro conceito que existe na empresa de Rodrigo é o just in time, segundo o qual tudo deve ser produzido, transportado ou comprado na hora exata. Para isso adequa o conteúdo, a época e o ritmo da produção ao perfil da praça consumidora. “Assim tenho a idéia do que, quanto e quando produzir.”

Atitudes como a da consumidora e do empresário influenciam toda uma cadeia produtiva, afirma Clayton Ferreira Lino, presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), a maior em área florestal do planeta, com cerca de 35 milhões de hectares em 15 estados brasileiros. Ele destaca que o xampu orgânico que Silvia comprou é feito de frutas colhidas por comunidades tradicionais da floresta. Depois são processadas pela fábrica do Rodrigo, que usa água de forma racional e não pratica crueldade contra animais. A RBMA criou o selo de certificação Mercado Mata Atlântica. “As pessoas precisam conhecer a procedência do que consomem. Não existe neutralidade. O consumidor é um dos principais agentes do mercado”, afirma.

Clélia Angelon, que comanda a Surya, empresa de cosméticos orgânicos e naturais, diz que alcançou preços justos apostando em pesquisa de ingredientes e de processos. Hoje exporta para mais de 15 países da América do Sul, Ásia e Europa e tem escritórios nos Estados Unidos e na Índia. Por trás da produção há uma filosofia: “A opção por um estilo de vida mais saudável é seguida também pelos profissionais que trabalham na empresa”. Sua empresa utiliza detergente com ingredientes de origem vegetal, não poluente e biodegradável. Folhetos promocionais, embalagens e bulas são impressos em papel reciclado. Coleta seletiva de lixo e destinação correta de resíduos de produção fazem parte da rotina.

Colaborou Xandra Stefanel

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