Tendências

Novos caminhos do emprego

A economia, a sociedade e o mundo estão em constante mudança. Como isso mexe com o mercado de trabalho? E com o futuro? Procurar essas respostas ajuda iniciantes e experientes a encontrar um rumo profissional

gerardo lazzari

Thiago e Winston apostaram num mercado que cresce 10% ao ano no Brasil: eles trabalham com design de games

Revolução tecnológica, reestruturação produtiva, novos padrões de consumo, surgimento de valores como responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, terceiro setor… ufa! Mais do que entrar de vez para o vocabulário dos comportamentos econômicos e sociais, esses fenômenos influenciam todas as áreas de atuação e vêm transformando o mercado de trabalho. É preciso estar atento porque, enquanto novas profissões ganham espaço, outras minguam, ficam estagnadas ou desaparecem. Atividades ligadas ao bem-estar, por exemplo, como nutrição, fisioterapia, educação física, gastronomia, estética, cosmetologia e afins, apesar de não serem novas, atualmente vêm sendo mais valorizadas.

O diretor de Graduação do Centro Universitário do Senac, Eduardo Ehlers, destaca como promissoras também atividades relacionadas ao design e à comunicação visual, de moda a games. Assim como tudo que diz respeito a tecnologia, responsabilidade social e impactos ambientais. Outra característica que o professor considera importante no profissional é o espírito empreendedor, seja ele candidato a abrir seu negócio ou a uma vaga numa empresa.

Recém-formada em Naturologia, Mariana Alves Correia, 24 anos, inaugurou há poucos meses um spa. Antes, trabalhando em clínicas de São Paulo, verificou que serviços direcionados para a terceira idade estão em expansão. “Montamos terapias com foco nesse público, que é 40% dos nossos clientes.” De Piraí (RJ), Marcele Machado, 21 anos, mudou para São Paulo com o objetivo de cursar Naturologia. Trabalha para Mariana desde o nascedouro do negócio. “As pessoas estão valorizando a qualidade de vida e eu buscava uma carreira que tivesse esse conceito. Em vez de tratar, prevenir a doença.”

Winston George Andrade Petty, 28 anos, e Thiago Larenas Faria, 21, também atuam numa área hoje promissora. Assim que concluiu a faculdade de Tecnologia em Produção de Multimídia, no Senac, há dois anos, Winston se uniu a cinco amigos e abriu uma empresa de desenvolvimento de games. “Temos mais quatro pessoas trabalhando conosco e a tendência é crescer. Esse ramo está começando no Brasil e há uma década cresce 10% ao ano”, contabiliza. A paixão por games levou Thiago a escolher o curso de Game Designer. Está terminando a faculdade e há cerca de um ano trabalha para Winston. “Ainda há pouca mão-de-obra qualificada e as empresas acabam buscando candidatos na própria universidade”, comemora.

Inovação obrigatória

Empresas de todos os setores nunca foram tão impelidas – por questão de segurança, de obrigatoriedade, de valorização da marca ou até mesmo de consciência – a pensar os impactos de sua atividade na vida presente e futura do planeta. Se há cerca de três décadas as discussões sobre aquecimento global pareciam muito distantes da nossa realidade – “coisa de veado”, como lembrou recentemente um tosco deputado paulista –, hoje estão totalmente integradas às angústias do planeta. “Mais do que simplesmente cumprir a legislação, muitas empresas querem levantar a bandeira ambiental porque sabem que essa postura conta muitos pontos em sua imagem”, observa Eduardo Ehlers, do Senac. Assim, tecnologia, engenharia e outras ciências ambientais estão em alta.

O termo responsabilidade social compreende um universo com espaço para profissionais de diversas áreas. A Fundação Bunge, braço social das empresas Bunge no Brasil, tem atividades em educação e uma equipe de 11 pessoas tocando projetos, que contam ainda com a participação voluntária de funcionários da empresa. A gerência dos projetos é de responsabilidade da jornalista Cláudia Calais, 35 anos, e a equipe é formada por assistentes sociais, historiadores, pedagogos, entre outros profissionais. “Há oito anos, quando resolvemos investir nesse projeto, não havia profissionais qualificados no mercado. Agrupamos pessoas de diversas áreas, treinamos e montamos a equipe. O trabalho social evoluiu e hoje as empresas estão buscando gente com alguma especialização na área”, diz Cláudia.

A observância das tendências não é só preocupação para jovens em início de carreira. Os mais experientes também precisam acompanhar as mutações do emprego. O engenheiro químico José Roberto Pereira, 49 anos, é um migrante. Hoje, é gerente de segurança, saúde e meio ambiente na Dow Brasil, unidade do Guarujá. “Mais que cumprir a legislação, as empresas estão conscientes de que precisam ter responsabilidade ambiental. Trabalhamos com metas de redução de resíduos, de emissão de gases e de consumo. Outras empresas vão pelo mesmo caminho e cresce a demanda por mão-de-obra especializada”, explica Pereira. Paralelamente, a empresa atua em projeto de preservação de manguezais da região em conjunto com a população local. O trabalho envolve 20 pessoas e conta ainda com o apoio da Universidade Santa Cecília, da vizinha Santos.

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Mariana (à direita) abriu um spa urbano de olho no atendimento à terceira idade. Marilene trabalha para ela desde o nascimento do negócio. Ambas cursaram Naturologia

Universidade mutante

As mudanças no mundo do trabalho e a conseqüente falta de oportunidade profissional em áreas tradicionais levam as universidades a repensar cursos. O campus Leste da USP, inaugurado na cidade de São Paulo há dois anos, abriga a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), com dez cursos inovadores, entre eles Tecnologia Têxtil e Indumentária, Ciências da Atividade Física, Ciências da Natureza, Gestão Ambiental e Gerontologia. O campus Ribeirão Preto introduziu o curso de Informática Biomédica, encontrado somente nos Estados Unidos e na Holanda. O currículo contempla novos horizontes em saúde coletiva, biologia, investigação de genomas e biotecnologia. Há também cursos recém-criados nas áreas de bem-estar, como Estética e Cosmetologia, Quiropraxia e Naturologia (Anhembi Morumbi-SP), de tecnologia, como Tecnologia em Produção de Multimídia, Tecnologia e Gestão de Turismo, e de criação, como Design Industrial e de Interface Digital (Senac-SP). As opções, como se vê, tanto tendem à superespecialização como a abusar do dinamismo.

As universidades discutem ainda a falta de preparo do jovem profissional para acompanhar com rapidez as mudanças no mundo do trabalho. Segundo o professor Helio Waldman, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Telecomunicações da Universidade Estadual de Campinas (SP), a universidade busca uma nova proposta de ensino superior que ofereça a base científica para que o aluno possa se especializar em outras áreas ao longo de sua vida. “Nosso objetivo é criar cursos mais curtos que ofereçam subsídios para a especialização. Com boa formação e proatividade, o profissional terá condições de se reciclar quantas vezes forem necessárias ao longo de sua carreira”, explica. Waldman diz que o jovem é pressionado muito cedo a fazer uma escolha e, em muitos casos, ao longo da vida resolve mudar sua trajetória profissional, que, além disso, exige constante aprimoramento.

A Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV) já promoveu uma ampla reforma em seu curso de graduação levando em conta as novas exigências do ambiente organizacional, que passaram a valorizar desafios sociais e ambientais da gestão, por exemplo.

O modelo que entrou em vigor este ano inclui três ciclos de aprendizagem – formação inicial, desenvolvimento profissional e transição para o mundo do trabalho –, divididos em três dimensões: formação humana e cidadã, formação profissional e formação investigativa.

Terra promissora

A tecnologia foi incorporada também ao dia-a-dia da fazenda e a profissionalização é cada vez mais exigência para o trabalhador do campo. Daniel Oliveira, 44 anos, gerente operacional da Fazenda Cachoeira, em Sertanópolis (PR), diz que muita atualização foi necessária para se manter no mercado em seus 17 anos de trabalho. “Os avanços na área de reprodução animal foram enormes”, informa. Grande parte dos trabalhadores que ingressam na Cachoeira não tem curso técnico ou superior e são treinados constantemente. “O profissional especializado em inseminação, por exemplo, costuma ser muito requisitado.”

Na maioria das vezes a opção começa pela mudança de endereço. A veterinária Sildivane Silva, 28 anos, assim que se formou, há cinco anos, foi contratada pela fazenda Caroatá e mudou para Gravatá (PE), a 80 quilômetros de Recife. Agora faz doutorado em Biotecnologia de Reprodução Animal e trabalha com seleção genética de caprinos e ovinos. “É preciso aprimorar o currículo, investir em relacionamento e correr atrás da oportunidade. Feiras e exposições são grandes vitrines para fazer contato”, aconselha. Sildivane acredita que investimentos em inseminação artificial vão melhorar a qualidade da carne e ampliar a produção: “Em no máximo dez anos teremos mais uma opção de carne no cardápio brasileiro”.

O Brasil possui clima e espaço raros para ampliar a produção agrícola. De acordo com o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Pio Guerra, o agronegócio emprega 38% da população ocupada e a expectativa é de crescimento. “A produção de cana-de-açúcar e mamona é insuficiente para atender à demanda do biodiesel e só o Brasil tem espaço para ampliar o cultivo”, destaca.

O impacto desse crescimento não se restringe à roça. Em abril, mês de safra, o setor sucroalcooleiro respondeu por 82% dos empregos com carteira assinada gerados na indústria de transformação no estado de São Paulo, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em algumas regiões do interior não há candidatos qualificados para assumir as vagas. Em Araraquara, três usinas se reuniram para financiar um curso de mecânica de máquinas agrícolas no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

Segundo o diretor do Senai local, José Fabri, faltam mecânicos de manutenção de máquinas agrícolas e caminhões. “Quem tiver qualificação terá ótimas oportunidades”, informa. Além de mecânicos, o setor emprega operadores de colheitadeiras, motoristas, tratoristas e soldadores.

Agricultura familiar

Apesar do agronegócio em alta, a profissionalização na agricultura ainda é para poucos e estar no meio rural não é sinônimo de emprego. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), para cada emprego com carteira assinada no campo, existem outros dois informais. E, se o assunto em questão é futuro, o movimento pelo desenvolvimento da agricultura familiar pode sinalizar a correção dessas distorções amanhã e desenhar um novo cenário para o campo. A agricultura familiar responde por 85% dos estabelecimentos agrícolas do país, mas fatura pouco mais de um terço do valor produzido. O setor público e os meios acadêmicos e científicos estão investindo mais nesse universo de 4 milhões de famílias.

Agora em agosto, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de São Paulo organiza no município de Agudos uma feira de agricultura familiar, a Agrifem, que reunirá produtores, pesquisadores da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, de Botucatu, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Serão expostas de técnica de geração de adubos orgânicos a produção de biodiesel em pequenas propriedades. A chegada da tecnologia e a expansão do conhecimento entre as famílias camponesas de baixa renda podem representar um avanço sem precedentes no mercado de trabalho rural. Para quem aprova o conselho da veterinária Sildivane – sobre, feiras, exposições e vitrines –, o evento pode dar uma amostra da fatia de futuro presente nesse segmento.

O que dizem os búzios

fachada loja

Engenheiros de rede não para incrementar a pesca, mas a troca de dados. Especialistas em ensino a distância não por medo do aluno, mas para abrir atalhos até ele. Tecnólogos em criogenia não só para congelar corpos, mas ir fundo nas muitas utilidades das baixas temperaturas. Que carreiras colocarão mais vagas no mercado de trabalho daqui a alguns anos? Quem quer receita pronta espere sentado.

“As transformações tecnológicas e o novo marco regulatório do mercado de trabalho, em todo o mundo, têm provocado o sumiço das carreiras definidas”, afirma o economista e sociólogo Gilson Schwartz, diretor da Cidade do Conhecimento da USP e autor do livro As Profissões do Futuro. “No centro do debate há conflitos de interesses entre governos, empresas e sindicatos.”

O futuro, aqui, é o curtíssimo prazo. Entre os aspirantes a futurólogos de carreiras, os pessimistas crêem em tempos vindouros difíceis. Só que esse futuro já chegou. O sinal claro, diz Shwartz, é o Prêmio Nobel da Paz 2006, concedido a Muhammad Yunus, de Bangladesh, que concebeu um sistema de microcrédito voltado para pessoas pobres investirem em alguma fonte de renda. “É a expansão da filosofia do empreendedorismo, uma das facetas mais patéticas do fim do emprego, da fragilização dos sindicatos e da desregulamentação do mercado de trabalho”, dispara.

Se o futuro das profissões é uma incógnita, sobram pistas quanto ao perfil do profissional. “É preciso acompanhar as tendências e investir constantemente em atualização”, afirma Gláucia da Costa Santos, consultora de RH do grupo Catho. A especialização precisa ter foco preciso onde já se atua ou ainda se quer chegar. Nada de perder tempo por um diploma a mais na parede.

Schwartz cita o estilista Alexandre Herchcovitch, que há 20 anos vendia camisetas com figuras estranhas na Vila Madalena e hoje tem loja em Tóquio e desenha para a Disney. E explica: “criatividade e inovação são essenciais num mercado em que as empresas enfrentam diariamente o risco de se tornar obsoletas”.

A regra vale para todas as áreas, inclusive humanísticas. Hoje tem filósofo com quadro no Fantástico. E escola sem professor de Geografia. Medicina, Direito, Engenharia, Odontologia não vão desaparecer. Mas muda o modelo de profissional.Médico que fugir da tecnologia ficará para trás. Engenheiro que não decifrar desejos do consumidor não fará projeto. Empresa que desprezar educador, artista e necessidades sociais será pré-histórica. E mudar de profissão ao longo da vida logo será desejável e, mais adiante, talvez inevitável. Em países ricos, as melhores instituições já têm dificuldade para manter alunos mais criativos. Isso que é “paradoxo”: a voracidade do mercado exige a educação de um lado e, de outro, consome os melhores mesmo antes de formados.

Para Gilson Schwartz, a crise de empregabilidade gerou gangues, tribos e galeras entre as quais até a linguagem usada expõe a fragmentação social e a pulverização da juventude. Diante da intensidade do fenômeno, seu enfrentamento exige políticas econômicas, sociais, culturais, de desenvolvimento local e, claro, educacionais. O recrudescimento dos ambientes violentos em todos os quadrantes do planeta tem explicações econômicas e geopolíticas. Mas reflete, principalmente, essa perda de horizontes.