Pelo Brasil

Nove estados, 58 cidades e 20 dias depois, como foi a caravana de Lula

Milhares estiveram no caminho para ver passar a caravana. Levavam gratidão por oportunidades que jamais haviam tido na vida, temor de que tudo se perca e compromisso de solidariedade e resistência aos retrocessos. Mídia nacional não quis ver

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
Em Marcolândia, no Piauí, estado onde a caravana fez 14 paradas, a maioria de improviso

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quis retomar a experiência de suas caravanas pelo Nordeste. A região foi a que mais desfrutou as transformações sociais nos 12 anos seguintes à sua posse do governo, em 2003. De um lado, os programas sociais puseram comida na mesa de miseráveis. De outro, essas famílias passaram a ter as crianças na escola e com a vacina em dia. Essa pequena renda pingadinha em cada família, somada ao salário mínimo recebido pelo aposentado do trabalho rural, garantia a sustentação econômica dos municípios mais longínquos e também das periferias nas grandes cidades.

Em outra ponta, os filhos dessas famílias que deixavam a linha de pobreza para trás, com muito trabalho, passaram a encontrar perto de casa o colégio técnico e a universidade pública. Por não precisar mais migrar para a capital ou o “sul maravilha”, o conhecimento permaneceu em sua terra. As empresas passaram a encontrar essa mão de obra. E surgiram investimentos em infraestrutura – água, energia, estradas, plantas de fábricas, técnicas agrícolas, inovação. Além das cooperativas e empreendimentos solidários em torno da agricultura e pequenos negócios familiares apoiados por políticas de crédito – entre outros fatores que até hoje, em plena crise a abater o país, sustentam no Nordeste crescimento do PIB acima da média nacional.

As populações nordestinas não precisavam dos grandes jornais e TVs para saber o que estava acontecendo. Sentiam isso na própria pele. Não foi à toa que Lula se tornou o presidente mais bem avaliado da história, com mais de 80% de aprovação – e no Nordeste estão apenas 25% dos eleitores brasileiros. Isso explica também porque, por onde passou a caravana Lula pelo Brasil, o ex-presidente era acolhido com múltiplos sentimentos, como gratidão, admiração e apreensão com os retrocessos promovidos por Michel Temer. Além de solidariedade: à causa de Lula de unir as forças progressistas em torno de um novo projeto nacional; e à resistência do ex-presidente à perseguição midiática e judicial com objetivo de tirá-lo dessa causa, seja como possível candidato em 2018, seja como líder político capaz de encontrar o nome que leve adiante esse projeto.

Percurso de 4.900 quilômetros

Na Bahia, as agendas previam eventos em Salvador, Feira de Santana, Cruz das Almas e São Francisco do Conde, e teve mais uma em Jandaíra. Em Sergipe, houve cinco compromissos previstos na agenda (Aracaju, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória, Estância e Lagarto) e outros improvisados em Campo de Brito, Japoatã e São Domingos. Em Alagoas, foram Penedo, Arapiraca e Maceió. Seguindo para Pernambuco – com eventos em Recife e Ipojuca –, comunidades de Araripina, Goiana e Xexéu também pararam o ex-presidente. Assim como os paraibanos de Nova Palmeira se somaram aos de João Pessoa, Campina Grande e Picuí.

No Rio Grande do Norte, além de Mossoró e Currais Novos, parou em Acari, Campo Grande, Florânia e Jucurutu. Ceará tinha roteiros em Quixadá, Juazeiro e Crato. E contou paradas em Banabuiú, Cedro, Ibicuitinga, Icó, Iguatu, Quixelô, Quixeré, Solonópole e na Usina de Produção de Biodiesel de Quixadá. No Piauí, as paradas em Alegrete, Campo Grande do Piauí, Ipiranga, Inhuma, Passagem Franca do Piauí, Barro Duro, Miguel Leão, Monsenhor Gil, Demerval Lobão e Vila Irmã Dulce se somaram às agendas de Marcolândia, Picos, Altos e Teresina. E no Maranhão, estado em que encerrou a viagem, Lula teve compromissos em São Luiz e em Timon.

Silêncio nada inocente

Tão obcecada em noticiar fatos negativos em torno na imagem de Lula, a imprensa comercial do país ignorou os impactos da caravana por onde passou. Graças às reportagens como as de Cláudia Motta, em colaboração com as equipes locais da TVTe da RBA, e como as da produção colaborativa das equipes do Brasil de Fato, Mídia Ninja e Jornalistas Livres – que cobriram a empreitada do início ao fim e fizeram com que o assunto ganhasse presença campeã nas redes sociais, conforme assinalou o colunista do Estadão, José Roberto de Toledo –, os impactos dessa peregrinação não ficaram no anonimato nem no esquecimento. A imprensa internacional também considerou que essa movimentação toda era, sim, notícia.

O jornal francês Le Monde deu quase uma página inteira da passagem da caravana por Salvador. O texto é crítico ao evento – põe em dúvida sobre se a viagem é “um retorno do líder ou uma despedida, como um grande adeus”. Mas ouve de seguidores, que contam como Lula mudou suas vidas, a opositores que pediam uma intervenção militar para acabar com o evento na Arena Fonte Nova.

A agência norte-americana Reuters, como o francês de linha liberal conservadora, assinalou que “o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou o governo brasileiro de desmontar os avanços sociais conquistados durante seus anos de governo”, afirma nota da Reuters. E registrou: “Milhões de brasileiros saíram da pobreza durante seus mandatos (2003-2010). Ele permanece como o político mais popular do Brasil (…) E acusa a elite brasileira de negar aos mais pobres acesso à educação, e promete resgatar investimentos em universidades”.

O inglês The Guardian saiu com: “Lula está na estrada mobilizando aqueles que ele tirou da pobreza”. O jornal, um dos maiores do país, fez grande reportagem intitulada “Herói da esquerda brasileira desfruta de adulação enquanto roga reviver sua boa sorte política”. E descreve: “Usando suas melhores camisetas vermelhas, carregando bandeiras e cartazes, exalando excitação, milhares de pessoas, nas suas pobres e empoeiradas cidades rurais, se amontoaram nas praças centrais para ver Lula. (…) ‘Você conhece algum fenômeno mais importante do que Luiz Inácio Lula da Silva’, disse Flávio Balreira, de 65 anos, usando o nome completo do presidente, algo incomum no Brasil”.

O periódico argentino Pagina 12 destacou os olhos fechados da mídia brasileira para a caravana. “Os veículos brasileiros agem como se nada importante estivesse acontecendo no Nordeste do Brasil. Haveria apenas uma viagem de Lula, que as vezes é comunicada pela mídia como algum palanque político. Não reproduzem nenhuma foto de Lula rodeado por um mar de povo. É como se o povo não existisse.” A emissora TeleSur, comandada pelos governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua e Uruguai, fez ampla cobertura, com repórteres seguindo cada passo de Lula, até com entrevistas exclusivas com o personagem principal. “Caravana da Esperança”, nomearam a jornada do ex-presidente.

Durante a viagem, Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista aos jornalistas da imprensa independente e não demonstrou surpresa com a cobertura da mídia comercial. “Cada vez mais a gente tem de apostar nesse tipo de comunicação. Talvez a gente ainda seja primário, mas o dado concreto que vai ficando mais nítido é que nós não precisamos nos submeter aos caprichos das grandes emissoras de televisão. A gente sobrevive sem eles.”

Na entrevista – a completa você pode ler aqui – Lula já fala em planos para as próximas viagens com os mesmos objetivos. “Não posso parar porque o Brasil não é só o Nordeste. Tava querendo fazer Minas Gerais por uma razão simples: é um estado muito distinto, você tem a Minas carioca, a Minas paulista, Minas nordestina, Minas Brasília e a Minas mineira mesmo. Gostaria ir ao Vale do Mucuri, Vale do Jequitinhonha, Vale do Rio Doce, depois andar pelas outras regiões.”

As reportagens publicadas pela RBA ao longo da caravana vêm a seguir.

Maranhão

Piauí

Ceará

Rio Grande do Norte

Paraíba

Pernambuco

Alagoas

Sergipe

Bahia

Ricardo StuckertGratidão
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