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Yes, nós temos ciência!

Casca de banana que despolui. Caixa que detecta poluição. Borboleta que identifica reflorestamento ineficaz. Prêmio descobre e incentiva jovens cientistas, mas o país ainda está em débito com seus pesquisadores

Jailton garcia

Milena buscou soluções baratas para ajudar a resolver problemas complexos que afetam o meio ambiente

Milena Rodrigues Boniolo estudou da 4ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio em escolas públicas de Barueri, na Grande São Paulo. De família humilde, batalhou bolsa no cursinho e na faculdade para estudar Química. Mais que estudar, buscava conhecimento capaz de gerar alguma mudança no mundo. Já no primeiro ano da faculdade “colou” nos professores e soube dos cursos de verão da Universidade de São Paulo (USP). Todas as férias, “descansa estudando”. Mal terminou a licenciatura e já estava dando aulas em uma escola particular de Barueri.

Em março, Milena ficou em primeiro lugar no 22º Prêmio Jovem Cientista, categoria Graduado, por desenvolver técnica que utiliza casca de banana para retirar efluentes radiotóxicos da água. Depois de discursar para o presidente da República e ministros na solenidade de premiação, em 15 de maio, virou a atração da escola. Foram 1.751 inscrições – 268 de pesquisadores graduados com menos de 40 anos, 128 de estudantes do ensino superior e 1.355 de estudantes do ensino médio. O prêmio existe desde 1981 e prioriza soluções para problemas do cotidiano. O tema dessa edição foi Gestão Sustentável da Biodiversidade. Os projetos inscritos deveriam promover a preservação do meio ambiente, ser inovadores e de fácil aplicação.

Milena atendeu a todos os requisitos a partir de um ingrediente bem brasileiro. Ela cresceu vendo a mãe deixar cascas de banana no telhado para secar e virar adubo. Estudando o poder da fibra do coco na absorção de metais pesados, pensou em testar a banana. Encheu uma fôrma com cascas e deixou por cinco dias no telhado, sob o sol. Levou o material para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, onde faz mestrado, e mostrou a proposta a sua orientadora, Mitiko Yamaura. Numa pequena quantidade de água, ela simula efluentes industriais, no caso urânio, muito utilizado na indústria de fertilizantes. Depois de triturar as cascas e peneirar, joga o pó na água contaminada e coloca a mistura num aparelho que a agita por 40 minutos. O pó capta 65% do urânio e, por ser mais pesado, fica no fundo do recipiente. Com uma seringa, ela extrai a água limpa e repete a operação. “Cada vez que fazemos isso removemos 65% de metais pesados”, explica. Eles são altamente radioativos e ficam estocados sob o solo. Se chegam ao organismo humano, não são descartados e provocam mutações celulares que podem causar até câncer.

O estudo ainda é feito em escala laboratorial, mas Milena já começou a mexer as pipetas para explorar sua aplicação em indústrias poluentes. “Estou há dois anos dentro do laboratório. Quero fazer a idéia virar negócio e ajudar na preservação das águas logo.” Milena pretende desenvolver um filtro para utilização na indústria e pesquisar maneiras de remover outros metais pesados.

Detector de fumaça

Felipe Arditti ficou em primeiro lugar na categoria Estudante do Ensino Médio com um projeto de controle de emissão de poluentes. Estudante de uma escola judaica de São Paulo, passou 2006 inteiro concebendo seu trabalho. O resultado foi uma caixa de madeira com um cano de PVC e outro de vidro, uma célula solar (utilizada em calculadoras), uma lanterna e um voltímetro. A engenhoca é capaz de verificar se a fumaça do escapamento de um caminhão extrapola o limite de emissão de monóxido de carbono. O aluno afirma que a análise feita pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), de São Paulo, é subjetiva, já que os fiscais comparam no “olhômetro” a cor da fumaça com uma tabela de cores. “Existem variações de cinza, e busquei a precisão. Espero contribuir um pouco para reduzir a emissão de poluentes”, explica Felipe, que termina o processo de patente da idéia para apresentar à Cetesb.

O cano que sai da caixa é acoplado ao escapamento. Quando o motor é ligado, a fumaça emitida é iluminada pela lanterna, absorvendo certa quantidade de luz. Quanto mais luz é absorvida, maior a poluição. A luz que não é absorvida pela fumaça é captada pela célula solar ligada ao voltímetro e, transformada em energia, permite comparar a cor da fumaça com mais precisão. Quanto menor a energia da célula, mais poluente a fumaça.

Na categoria Ensino Superior, Ericka Patrícia de Almeida Lima-Verde, da Universidade Federal da Paraíba, levou a melhor. A estudante de Ciências Biológicas avaliou o impacto do reflorestamento de restingas sobre borboletas Nymphalidae. Concluiu que a comunidade dessa espécie que vive em locais conservados de restinga tem uma estrutura bastante diferente das que vivem em áreas com alterações ambientais. E mostrou que o reflorestamento não está conseguindo restabelecer uma comunidade de borboletas semelhante à original, o que indica um desequilíbrio do ecossistema.

A iniciativa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com Eletrobrás/Procel, Grupo Gerdau e Fundação Roberto Marinho, concedeu a nove jovens pesquisadores prêmios que variam de 7 mil a 20 mil reais. O dinheiro ajudou Milena a quitar um terreno que comprou financiado, mas o que ela quer mesmo é ser valorizada no próprio país. Para ela, deve haver um incentivo maior para a comunicação entre o setor produtivo e a academia. “Eles têm os problemas e muitas vezes temos a solução, mas não falamos a mesma língua. Eu questiono o que está sendo feito para os jovens cientistas de hoje serem grandes empreendedores de amanhã.” O desafio está lançado. “Um pesquisador no Brasil passa o dia em projetos que devem ajudar a sociedade e ganha muito pouco. É por isso que há tanta emigração de conhecimento para o exterior. Existe a possibilidade de eu ir estudar no Canadá, mas gostaria de poder aplicar minha pesquisa e meu conhecimento aqui. Assim como a banana, eu sou muito brasileira, mas preciso ser reconhecida.”

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