cinema

Mergulho nos fatos

Para o cineasta Evaldo Mocarzel, fazer documentário, mais que misturar cinema com jornalismo, é captar a profundidade da história

gerardo lazzari

O cineasta Evaldo Mocarzel

Evaldo Sérgio Vinagre Mocarzel, carioca de Niterói, é um dos mais premiados documentaristas brasileiros. Mas, antes de se tornar autor premiado até na Alemanha (49º Festival de Oberhausen 2003), este cineasta formado em 1982 quase desistiu do ofício no meio do caminho. “Com o início do governo Collor (1990-1992), o qual acabou com o cinema no país, fui forçado a mudar para o jornalismo. Só depois resgatei meu idealismo de fazer cinema”, conta Mocarzel.

Assim, seu primeiro filme foi realizado apenas em 1999 – o curta-metragem de ficção Retratos no Parque (Pictures in the Park) – resultado de um curso que fez durante três meses na New York Film Academy, nos Estados Unidos, com apoio do jornal O Estado de S. Paulo, no qual trabalhou durante 15 anos. O curta retrata o confronto entre um morador de rua e um turista japonês no Central Park. E acabou inspirando o documentário À Margem da Imagem. Lançado como curta-metragem em 2001 e como longa dois anos mais tarde, recebeu 17 prêmios em festivais nacionais e internacionais.

“Fiquei três anos pesquisando o assunto e também focalizei o tema dos sem-teto, dos movimentos de moradia e ainda das cooperativas de catadores de materiais recicláveis. A idéia era no final do filme ter um apêndice com a crítica dos próprios moradores à manipulação que eu havia feito com as imagens deles”, conta. “Fiz, então, uma primeira montagem e fui projetá-la num cinema para os personagens que tinham participado do filme.” O diretor lembra que, nessa exibição, lideranças dos movimentos de moradia pediram para sair do filme, porque os sem-teto não seriam moradores de rua, mas movimentos politicamente organizados que estavam fazendo justiça social, ocupando prédios abandonados na região central de São Paulo. “Com os catadores, aconteceu o mesmo: eles também não quiseram permanecer em À Margem da Imagem, argumentando que estavam organizados em cooperativas.”

O resultado é que Evaldo Mocarzel acabou idealizando uma “tetralogia da margem”, que – além de À Margem da Imagem – terá uma espécie de seqüência com À Margem do Concreto, sobre os sem-teto, lançado em março deste ano; À Margem do Lixo, que deve ser filmado em setembro e retratará os catadores de materiais reciclados; e À Margem do Consumo, que discutirá o consumismo do capitalismo selvagem brasileiro a partir de um grupo de moradores de favelas de São Paulo.

O filme mais conhecido de Evaldo Mocarzel é Do Luto à Luta (2005), a respeito de pessoas com síndrome de Down, estrelado por sua filha Joana Mocarzel, a Clara da novela Páginas da Vida. “Quando minha filha Joana nasceu com síndrome de Down, meu mundo desabou e eu fiquei completamente perdido e catatônico. Passei por um processo de difícil aceitação daquela situação. Uma rejeição não necessariamente à minha filha, mas a uma situação de dor que invadiu minha vida e com a qual não queria conviver. Passados alguns meses, vi que havia sofrido estupidamente, por absoluta falta de informação”, recorda. Foi quando pensou em desmistificar o assunto. “O Manoel Carlos pediu para ver o filme e incluiu o tema na novela Páginas da Vida, o que ampliou diariamente para 60 milhões de pessoas o objetivo do documentário, que foi lançar um novo olhar sobre a síndrome de Down”, observa o cineasta.

Evaldo Mocarzel trabalha na montagem de vários novos documentários. Entre eles, Brigada Pára-Quedista, a respeito da tropa de elite do Exército brasileiro; BR-3, inspirado no espetáculo homônimo encenado no ano passado pelo Teatro da Vertigem em mais de quatro quilômetros do Rio Tietê e ganhador do Prêmio Shell; O Cinema dos Meus Olhos, em parceria com o realizador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Leon Cakoff, sobre a paixão pelo cinema a partir de entrevistas com críticos e cineastas; e Cineastas de Periferia, uma série de filmes sobre jovens de São Paulo que participam de oficinas de cinema coordenadas pelo cineasta Christian Saghaard para a Associação Cultural Kinoforum.

Mocarzel considera-se um documentarista acidental, mas diz que pretende fazer ficção em breve. “Aprendi a gostar muito dessa outra ficção de representação do real, que é a linguagem do documentário, uma espécie de híbrido de cinema com jornalismo. Só que um documentário não é de modo algum uma reportagem, em que temos de ouvir todos os lados envolvidos num assunto polêmico. No filme documentário, precisamos ser profundos no recorte histórico que fazemos do mundo e do tema que estamos focalizando”, finaliza.

Premiado
À Margem do Concreto
Segundo de uma série de quatro filmes que pretende investigar as estratégias de sobrevivência de pessoas que vivem à margem da cidade de São Paulo. O anterior foi À Margem da Imagem (2003). Os próximos serão À Margem do Lixo e À Margem do Consumo. Candango de Ouro de melhor som no Festival de Brasília e de melhor filme pelo Voto Popular. Troféu Redentor de melhor documentário, no Festival do Rio. 2006. 85 minutos.

Do Luto à Luta
As limitações e potencialidades das pessoas com síndrome de Down. Grande vencedor do Cine PE-Festival do Audiovisual 2005: melhor filme, documentário, direção, fotografia (Carlos Ebert), montagem (Marcelo Moraes), Prêmio da Crítica e do Júri Popular. Ganhou também prêmio TV Cultura da 10ª edição do festival É Tudo Verdade, prêmio especial do Júri em Gramado e do Júri Popular do Festival do RJ. 2005. 75 minutos.

Mensageiras da Luz, Parteiras da Amazônia
O conhecimento milenar e a dedicação das tradicionais parteiras do Amapá, estado com maior incidência de partos normais no Brasil (12%). Elas atravessam distâncias, ajudam no nascimento de bebês, passam a primeira semana de vida com eles e ainda fazem o cadastro dos nascimentos. 2004. Possui versões curta, de 15 minutos, e longa, de 72 minutos. Premiado em festivais em Belém, Pernambuco e Bahia.

À Margem da Imagem (2003)
Primeiro documentário da “tetralogia da margem”, aborda temas como exclusão, alcoolismo, loucura e discute a exploração da estética da miséria. Indicação ao Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor documentário. Kikito de Ouro de melhor documentário, Festival de Gramado, e prêmio de melhor documentário no Festival do Rio. 2003. 72 minutos. Possui uma primeira versão em curta-metragem (2001), que ganhou 19 prêmios em festivais nacionais e internacionais, entre eles Menção Honrosa do Júri Oficial e do Júri Ecumênico no 49º Festival de Oberhausen 2003, na Alemanha.