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Dilema nuclear

O Brasil discute a reativação de seu programa nuclear em um momento em que alguns países retomam a construção de reatores e outros desligam usinas

furnas/divulgação

Os reatores de Angra 1 e 2 estão estrategicamente posicionados entre Rio e São Paulo

No próximo dia 22 de junho, a história brasileira viverá um curioso aniversário: 31 anos atrás, o governo brasileiro, presidido pelo general Ernesto Geisel, assinava acordo para financiamento e construção das usinas nucleares de Angra 2 e Angra 3. A primeira começou a funcionar à plena carga em 2000. A segunda nunca foi implementada, apesar dos gastos de 750 milhões de dólares em compra de equipamentos. Mas a história poderá ter novo capítulo em breve. Reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), prevista para ser realizada até o início de julho, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deverá trazer uma novidade: a retomada das obras de Angra 3 e do programa energético nuclear brasileiro.

A decisão poderá representar o início da implementação de novas usinas nucleares no Brasil. No estudo indicativo sobre o planejamento da oferta e demanda do setor elétrico até 2030, o governo diz que haveria espaço para quatro a oito usinas nucleares no Brasil. No plano decenal até 2015, o governo já contaria com o ingresso da energia produzida por Angra 3 – cerca de 1.000 megawatts (MW) – no sistema.

“A energia nuclear hoje é competitiva, está saindo a 150 reais o megawatt/hora (MWh), enquanto em uma térmica a gás estaria em 170 reais”, afirma o ministro de Minas e Energia, Marcio Zimermann. “Além disso, tem um custo de investimento inicial alto, mas o de operação é baixo”, analisa o ministro. “A energia nuclear é uma possibilidade como todas as outras, ela consta do planejamento para os próximos anos, porque o Brasil já tem Angra 1 e Angra 2 em operação. Qualquer decisão de retomada só será feita pelo presidente da República”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento do setor elétrico.

Há sinais crescentes de que o presidente Lula vai optar pela retomada da usina, que consome, desde a década de 1980, 20 milhões de dólares anuais com a manutenção do equipamento. A modelagem financeira para a realização do empreendimento já estaria até pronta. Um consórcio de bancos franceses liderados pelo Société Générale deverá financiar cerca de 30% da obra, orçada em 7,2 bilhões de reais. BNDES e Eletrobrás devem participar do restante.

Lixo e riscos

Vinte e um anos depois do acidente nuclear de Chernobyl, na Rússia, que causou a morte de 4 mil pessoas e teria influenciado a de outras 96 mil por câncer, segundo estimativas do Greenpeace, a energia nuclear é um assunto na ordem do dia das principais economias do mundo. Estados Unidos, Inglaterra e França começam a discutir a reativação de suas usinas, interessados em aumentar sua capacidade energética. Já Espanha e Alemanha, pressionados por ambientalistas, implementam programas progressivos de abandono da opção nuclear.

“Finlândia, China, Índia, Coréia do Sul e Japão são os únicos países que estão construindo usinas, o resto é apenas discussão”, afirma o físico Luiz Pinguelli Rosa, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O ex-presidente da Eletrobrás diz que uma das vantagens das usinas nucleares é que elas não produzem os gases que causam o efeito estufa e, num momento em que o mundo discute o aquecimento global, são vistas como opção de redução da emissão de poluentes. Em contrapartida, sobram incertezas em relação à eliminação do lixo atômico. “As soluções de segurança existentes no mundo não são satisfatórias”, diz o físico.

Há dejetos atômicos de alta, média e baixa radioatividade, que se mantêm ativos por milhares de anos, emitindo partículas nocivas às pessoas. Não há soluções adequadas para os resíduos de alta radioatividade. Para dejetos de baixa e média, que estariam no caso de Angra 3, seria necessária a construção de um depósito semelhante ao erguido em Abadia de Goiás, onde há toda uma proteção para que o lixo radioativo fique isolado e não contamine as pessoas. “Ninguém vai querer que um novo depósito fique em seu quintal”, diz Pinguelli.

Riscos de acidentes também preocupam. Em abril de 1986 um acidente na usina de Chernobyl, na Rússia, produziu uma nuvem de radioatividade que atingiu a então União Soviética e Europa Oriental. Mais de 350 mil pessoas tiveram de deixar a própria casa ameaçadas pela contaminação.

No Brasil, em setembro de 1987, em Goiânia, ocorreu o pior acidente radioativo do país. Foi roubado do Instituto de Radioterapia da cidade um aparelho que continha cloreto de césio. Abandonado em um terreno, o aparelho radioativo foi encontrado por dois sucateiros, que abriram a cápsula com cloreto de césio perto de onde moravam. Um mês depois, quatro pessoas que tiveram contato com o material morreram e 21 precisaram passar por tratamento intensivo contra a radiação.

Para Pinguelli, a energia nuclear não é prioridade no Brasil. “Temos de investir mais em hidreletricidade, por exemplo.” Para o coordenador da campanha antinuclear do Greenpeace, Guilherme Leonardi, seriam necessários investimentos de mais de 7 bilhões de reais para concluir as obras de Angra 3. Com gastos de 850 milhões, o Programa de Eficiência Energética (Procel) conseguiu economizar 5.124 MW – quatro vezes mais que a capacidade de Angra 3. “Um programa com custo quase dez vezes menor trouxe quatro vezes mais ganhos; ele poderia ser mais incentivado”, afirma Leonardi.

Itaipu/divulgaçãoSem lixo radioativo
Sem lixo radioativo – Estima-se que o Brasil tenha ainda 150 mil MW de energia hidrelétrica para explorar. Quase o triplo da potência instalada. Mas a construção de usinas como a de Itaipu pode ameaçar florestas, populações locais e reservas biológicas

Tarefa complexa

A discussão, no entanto, não é tão simples assim. Hoje o Brasil tem uma potência instalada de cerca de 55 mil MW. Estima-se que ainda existam pelo menos mais de 150 mil MW em aproveitamentos hidrelétricos. Cerca de 70% desse potencial está localizado na Região Norte, principalmente na Amazônia, onde avançar com projetos é uma tarefa complexa. Um exemplo pode ser visto no licenciamento das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, previstas para ser instaladas no Rio Madeira (RO). As discussões se arrastam há mais de três anos.

“Construir hidrelétricas na Amazônia implica danos à fauna, flora e às comunidades locais ao redor do empreendimento”, afirma o biólogo e consultor ambiental Fabio Olmos. “O panorama energético do Brasil é complexo. O que vale mais: construir hidrelétrica na Amazônia ou investir em usinas nucleares?”, questiona. As usinas hidrelétricas têm a vantagem de ser uma fonte alternativa de energia e seu custo é mais baixo – chega a 120 reais o MWh.

Outra possibilidade seria incentivar projetos de co-geração de energia a partir do bagaço de cana-de-açúcar. Esse setor hoje responde por 1.600 MW de potência instalada – pouco menos que os 2 mil MW da potência somada de Angra 1 e 2. “Mas há potencial para que em pouco tempo chegue a 8 mil MW”, afirma o assessor de energia da União dos Produtores de Cana (Única), Onorio Kitayama. Os projetos demandam até 18 meses para ficar prontos – enquanto hidrelétricas e usinas nucleares chegam a demorar até cinco anos. Os usineiros, no entanto, reclamam que para alcançar o potencial seria necessário elevar o preço da energia. Na Usina Termelétrica Pioneiros (SP), que gera energia a 105 reais o MWh, alegam que o ideal seria 135 reais.

Se há opositores à idéia, existem também defensores. O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo. Usar esse potencial seria incrementar o conhecimento tecnológico do país em um campo cada vez mais usado, não apenas para fins de geração de energia como também na medicina. Nos últimos 30 anos o único acidente de grandes proporções foi o visto na Rússia. De lá para cá, os reatores ficaram mais seguros, com sistemas de ventilação mais sofisticados, que impedem o superaquecimento. A França, por exemplo, gera 80% de sua energia por meio de reatores nucleares. O Japão é outro grande investidor no setor. A energia nuclear não emite gases nocivos à atmosfera e, com a disparada do preço do petróleo, ganhou competitividade em relação a outras fontes.

O que é lixo radioativo

Rejeitos radioativos de Angra 1 e 2

Após anos de uso de uma certa quantidade de urânio, matéria-prima da reação que produz a energia nuclear, esse combustível vai se transformando em produtos como bário e césio. Ferramentas, roupas, sapatos, luvas e qualquer material que tiver contato com os produtos da fissão nuclear são considerados lixo radioativo. Materiais nucleares têm vida útil calculada em milhares de anos e continuam emitindo radiação mesmo depois de não ser mais usados na usina. Como a alta exposição à radiação é fatal, é preciso armazenar o lixo em locais protegidos. Nos EUA, restos são colocados em tambores lacrados e enterrados, bem fundo, em desertos. Também são classificados como lixo radioativo reatores desativados no mundo. Geralmente são cobertos de concreto e levados para lugares isolados.