Ponto de Vista

Como escolher um ministério

O presidente Lula não tem como construir um ministério homogêneo. O PT não dispõe de maioria absoluta no Congresso nem na opinião pública. Não lhe foi possível antes nem lhe será possível agora

Roosewelt Pinheiro/ABr

Walfrido Mares Guia (PTB) e Marta Suplicy (PT), dois dos novos ministros do governo Lula

Há duas formas de construir um ministério. A primeira delas é a homogeneidade partidária e ideológica. A segunda é a heterogeneidade, com a convocação de homens de posições diferentes, quando não divergentes. Um ministério homogêneo é mais ágil, mas não significa que seja mais eficiente. O que ganha no tempo das decisões, perde na criatividade dos projetos ou na imprudência, quando é ousado. Nos sistemas parlamentaristas, nos quais a composição do gabinete corresponde, quase geometricamente, aos partidos da coalizão majoritária, as divergências são inevitáveis e fazem parte da rotina, além de ganhar na moderação.

Por mais inclinados que eles estejam, para a direita ou para a esquerda, os desencontros forçam o equilíbrio, na busca do centro. Muitas vezes – é o que ocorre hoje na Alemanha – os dois partidos majoritários se reúnem em grandes coalizões. Quando isso se dá, o governo perde a velocidade, mas assegura a estabilidade política e, com ela, o desempenho da economia.

Nos sistemas mistos, em que se acomodam os modelos presidencialistas e parlamentaristas (como na França e em Portugal), nos quais o chefe de Estado conserva alguns dos poderes do presidencialismo puro, podem surgir divergências entre o presidente e o primeiro-ministro, os dois entes de soberania, como se diz em Lisboa. A convivência entre as duas personalidades cimeiras do Estado tem o nome de coabitação, sugerido pela situação em que marido e mulher não se dão, mas continuam vivendo sob o mesmo teto, a fim de cuidar da família.

Não é fácil o entendimento, mas, exatamente por isso, cuidam, tanto o chefe de governo quanto o chefe de Estado, de seguir religiosamente os dispositivos constitucionais que lhes fixam os limites. E, se a convivência se torna impossível, prevalece a chefia do Estado, com a dissolução do Parlamento, a nomeação de um gabinete de intervalo e a convocação de novas eleições.

O presidente Lula não tem como construir um ministério homogêneo. O PT não dispõe de maioria absoluta no Congresso nem na opinião pública. Não lhe foi possível antes nem lhe será possível agora. Em tese, o presidente poderia nomear o ministério apenas com especialistas ou com personalidades conhecidas por sua idoneidade moral. Nada, na Constituição, o obriga a buscar auxiliares nas bancadas do Congresso. Mas, dentro da má tradição do presidencialismo brasileiro, cerceado pelo vício de origem, os ministros são impostos pelas bancadas legislativas, ao contrário dos Estados Unidos, onde deputados e senadores estão proibidos de exercer cargos executivos.

Não lhe coube inventar o sistema, que compromete a natureza moral e política da República. Ele existe desde a queda da monarquia, porque o novo regime não ousou romper de todo com o parlamentarismo do Império. A República nasceu sistema presidencialista hemiplégico. A fim de manter a estabilidade da administração – o que poucas vezes ocorreu –, os presidentes negociam a divisão do poder com as oligarquias nacionais, representadas no Congresso.

Lula aprendeu, com a dura realidade do governo, que o presidente da República é um executivo das forças políticas nacionais, e não seu reitor. Seria muito melhor que ele negociasse com o Parlamento como poder, e não com os partidos e suas bancadas. Haveria, nesse caso, a coabitação natural entre poderes republicanos, e não a situação de hoje, na qual o número de votos parlamentares é relacionado aos orçamentos dos ministérios reivindicados. Sendo assim, a nomeação de ministros de ilibada conduta e reconhecida competência profissional, sem o aval partidário (como no caso do médico Temporão), só vem sendo possível graças à tenaz habilidade negociadora do trabalhador que chegou ao Planalto.

Mauro Santayana é jornalista, colunista do Jornal do Brasil