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Na chuva pra se molhar

Na segunda posse de Lula, o presidente reeleito e o público parecem ter saído da festa com a mesma expectativa: mais desempenho no segundo mandato

ricardo stuckert/pr

Desde as primeiras horas de 2007 chovia sem parar em Brasília. Chegou-se a dar como certo o cancelamento da cerimônia. Do outro lado da rua, na Praça dos Três Poderes, milhares de pessoas se recusavam a acreditar. “Até São Pedro conspirou a favor, né? Você viu? Na hora mais importante, não choveu”, comentou a assistente social Vera Lúcia dos Anjos, de 43 anos, que saiu de Cuiabá (MT), com a família, para passar uns dias em Brasília e assistir à festa da segunda posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Mesmo com a chuva, o povo compareceu para prestigiar. Foi espetacular”, emendou o marido de Vera Lúcia, o professor de Educação Física Lindomar Barros, de 42 anos. Na opinião de Vera Lúcia, os problemas do primeiro mandato deixaram claro que ainda é preciso percorrer um longo caminho para que o Brasil consolide sua democracia. E isso será possível com o aumento da participação popular.

O artesão Floriano Lins da Silva Jr., de 37 anos, viajou 19 dias num Gurgel 1980 cheio de cartazes, bandeiras e inscrições, especialmente para assistir à posse. Ele saiu de Pesqueira (PE). Floriano acredita que os escândalos do ano passado ajudaram a reduzir o público, mas não acha que o povo tenha se decepcionado. Como prova, mostra as cartas endereçadas a Lula, que recebeu de pessoas humildes ao longo da viagem e que entregaria “em caráter confidencial” ao destinatário.

O aposentado José Milhomen, de 67 anos, acredita que a diminuição do público na segunda posse teve a ver com o caráter repetitivo da cerimônia. “Agora é só uma passagem. Mesmo assim, está sendo uma festa maravilhosa”, ressalta. Natural de Fortaleza (CE), Milhomen está em Brasília desde a inauguração, em 1960, e diz que Lula é o melhor presidente de todos os que passaram pela capital depois de Juscelino. “Estou mais confiante agora do que há quatro anos”, garante, usando como argumento o fato de o presidente ter se coligado “a quase todos os partidos”.

Mais povo

A tentativa de governo de coalizão anunciada assim que as eleições terminaram tem sido apontada pelo presidente e auxiliares como fundamental. Mas todos sabem que ainda é cedo para comemorar que a classe política tenha amadurecido e convergido para um mesmo projeto. Prova disso é a decisão do presidente de tomar posse sem anunciar a nova composição ministerial, que só acontecerá após a eleição das mesas diretoras do Senado e da Câmara – o primeiro grande teste da coalizão.

rossana Lanadenize e família
Denize (em pé, de chapéu) trouxe toda a família para a posse

Na dúvida, a professora Denize Souza Reis, de 50 anos, aposta em outro tipo de sustentação. “O povo precisa estar junto com ele, não só no apoio, mas também nas cobranças”, resume ela, que, junto a outras 21 pessoas da mesma família, saiu de Coronel Fabriciano (MG) e viajou 15 horas em ônibus especialmente fretado para a posse. “É a realização de um sonho”, afirma Denise, que não pôde estar na posse de 2003 e para os próximos quatro anos espera mais investimentos na educação.

Investimentos em pesquisa e qualificação de mão-de-obra também são desejos do biólogo Bruno Ramos, de 38 anos, morador de Brasília e professor da rede pública. “Tudo bem investir no ensino básico, é importante. Mas tem que investir também na pesquisa, principalmente para cuidar da nossa biodiversidade”, diz. Apesar de ir à festa com uma bandeira do PT, Bruno não votou em Lula. “Sou apartidário no momento. Mas estou do lado de quem quer que este país melhore e torço pelo Lula”, justifica.

O funcionário público Ronaldo Alves chegou ao fim do primeiro governo Lula tão confiante como no início. Há quatro anos, pedalou de Teresina (PI) a Brasília. Desta vez, aumentou o desafio de fazer o percurso, 1.789 quilômetros, a pé. Saiu de casa no dia 15 de novembro e chegou à capital federal em 31 de dezembro. Mas por conta de “alguns problemas” no caminho, fez “apenas” 1.200 quilômetros a pé. O restante, concluiu de ônibus. Na bagagem, como o pernambucano Floriano, levou cartas de amigos e conhecidos que pretendia entregar pessoalmente. “Da primeira vez estava muito concorrido, agora espero pelo menos apertar a mão do companheiro Lula”, disse. 

Em meio às cerca de 10 mil pessoas que participaram da segunda posse de Lula, algumas, como o pipoqueiro Valmir dos Santos de Oliveira, de 42 anos, saíram da festa duplamente satisfeitos. “Fiquei contente com a vitória do Lula e trabalhei hoje com prazer”, disse ele, após passar 12 horas vendendo “um bocado”. Quanto faturou? “Não contei o dinheiro ainda não, mais foi bastante”, desconversou. Humilde, com poucos estudos e morador de Taguatinga, Valmir disse que repetiu o voto dado a Lula em 2002 por um único motivo: “Gostei dos preços no mercado, porque abaixou, né?” Ele, que antes era gari, conseguiu economizar o bastante para comprar seu carrinho de pipoca. E deu entrada na casa própria. Perguntado sobre que espera do novo governo, hesitou, pensou e resumiu, reproduzindo o discurso do empossado: “Espero mais desempenho”.