made in ubatuba

Alunos lançam satélite e tornam-se os mais jovens do mundo em projeto espacial

Odisseia, que começou em escola municipal, envolve o Inpe, a Agência Espacial Brasileira (AEB) e até a Nasa. Estudantes chegaram a apresentar trabalho no maior congresso aeroespacial do Japão

Divulgação/Ubatubasat

Estudantes de Ubatuba no Centro Espacial de Tsukuba, no Japão. Em 2013, submeteram artigo – que foi aprovado – e participaram do maior congresso aerospacial japonês

São Paulo – Alunos da Escola Municipal Presidente Tancredo de Almeida Neves, de Ubatuba, litoral norte de São Paulo, em parceria com a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (Jaxa, da sigla em inglês), lançaram na manhã de hoje (16) o Tancredo-1. O pequeno satélite, que mede nove centímetros de diâmetro, 13 centímetros de altura e pesa apenas 700 gramas, foi colocado na órbita da Terra, a 400 quilômetros de altitude, a partir do módulo japonês na Estação Espacial Internacional. 

Apesar do tamanho reduzido, vai ajudar no estudo da formação de bolhas de plasma na atmosfera, fenômeno que interfere na captação de sinais de satélite e em antenas parabólicas principalmente em países da linha do Equador, afetando sinais de GPS e o controle de aeronaves. E carrega ainda uma mensagem gravada pelos estudantes, que pode ser captada por qualquer equipamento de radioamador em qualquer ponto da Terra. 

Totalmente construído no Brasil, o satélite contou com apoio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), além de universidades brasileiras, como a USP de São Carlos, e estrangeiras, como Stanford e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. 

Odisseia

Para além da aplicação prática, o Tancredo-1 significa uma odisseia que não deixa dúvidas sobre a viabilidade da escola pública quando a determinação de professores e alunos intrépidos encontra respaldo na parceria de instituições, convertida em auxílio técnico e sobretudo investimentos.

A brincadeira, como diz o professor de Matemática Cândido Osvaldo de Moura, que tem mais de 30 anos dedicados à escola pública, começou em 2010. “Li uma nota sobre uma empresa americana, que para financiar seus estudos em turismo espacial, estava comercializando kits escolares para construção de satélites”, conta. Quando decidiu comprar, porém, não imaginava que ao longo dos seis anos seguintes ele e seus alunos se tornariam parceiros de institutos de pesquisa de renome nacional e internacional.

Entusiasmado pelo universo aeroespacial, Moura envolveu a direção da escola, os pais e outros professores, que introduziram aulas de eletrônica e informática e foram em busca de apoio técnico. Entre eles, a USP de São Carlos, onde captou patrocínio para a importação dos componentes e para a viagem aos Estados Unidos, e o Inpe, para parceria técnica.

“Como o foguete lançador do fabricante do kit não ficou pronto até hoje, tivemos de fazer mudanças no projeto com ajuda do Inpe”, conta Cândido, que atualmente cursa mestrado na instituição, onde desenvolve o projeto de uma câmera para captar raios do espaço para aplicação em satélites com finalidade pedagógica.

Em busca de um novo lançador, a turma de Ubatuba foi à Califórnia em 2013, onde visitou a Universidade de Stanford, a Nasa e o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), nos Estados Unidos.

No ano seguinte, a escola inscreveu artigo no Simpósio Internacional de Ciência e Tecnologia Espacial, patrocinado pela Jaxarelatando o projeto, que foi aprovado. Com ajuda da prefeitura de Ubatuba, do governo federal (primeira gestão do governo Dilma Rousseff) e do Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), 12 estudantes e quatro professores viajaram a Nagoya e visitaram o Centro Espacial de Tsukuba, onde são realizadas operações da Jaxa.

“Levamos 12 alunos. Em sua apresentação a cientistas e astronautas de verdade, Bruna, então com 14 anos, mostrou uma foto tirada na escola com colegas, no início do projeto, quatro anos antes. ‘Essa foto é de quando iniciei a pesquisa, ainda muito jovem'”, conta Cândido, em meio a risos. “Foi muito engraçado.”

Desde então, as relações com a agência japonesa se estreitaram. A escola passou a ser visitada por cientistas e por representantes do governo japonês, que querem conhecer mais sobre a experiência. “Querem fazer lá escolas como a nossa”, diz Cândido, que conta ter recebido convites para lecionar no exterior.

Para o professor, pesam fatores como o clima e a comida do Brasil. Além disso, há novos projetos a serem desenvolvidos no país. Entre eles, o Tancredo-2, que deverá ser discutido nos próximos dias com o novo prefeito de Ubatuba, José Sato (PSD), mesmo partido de Gilberto Kassab, atual titular do MCTIC. 

Independentemente do andamento do projeto em tempos de cortes na pesquisa científica, ao contrário do período em que foi desenvolvido, todos têm a comemorar. Conhecida em toda a cidade, a escola criou um curso técnico com ênfase em ciências e informática, além de um curso de inglês que ensina seus alunos a falar “de verdade”.

“A gente cumpriu o papel a que se propôs, de colocar o aluno em contato com a ciência, para trabalhar com pesquisa, ao lado de profissionais, mostrar como é esse mundo, independentemente do que acontecer com o satélite”, diz.

Da turma que começou o projeto, houve quem mudou de escola e de cidade porque, como diz o professor, o mundo não deixou de girar por causa do Ubatubasat.

Entre o que ficaram, a maioria terminou o ensino médio e disputa vagas em cursos concorridos, como os do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em áreas ligadas à tecnologia aeroespacial. Pelo jeito, a experiência está imprimindo outro título ao município de Ubatuba, cidade de belas praias: a capital mundial da pesquisa aeroespacial estudantil.

Confira trailer de documentário sobre o projeto: