Transparência em debate

Com relatório pronto, deputados discutem PL das ‘fake news’ nesta semana

Alvo de ataques de bolsonaristas, PL das Fake News garante a liberdade de discurso, não tem vínculo ideológico e busca combater crimes

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Matéria institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como PL das Fake News

São Paulo – A Câmara deve discutir nesta semana o Projeto de Lei 2.630/2020. A matéria institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como PL das Fake News. O PL tramita em regime de urgência na Casa, após votação atribulada na última terça-feira (25). O relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), entregou o texto final para apreciação na quinta-feira.

Enquanto isso, parlamentares da extrema direita utilizam de todas as armas para impedir sua aprovação. Resumidamente, a matéria é um instrumento para reduzir a circulação de desinformação, mentiras e discurso de ódio nas redes sociais.

Para tentar impedir o avanço da legislação, pessoas ligadas ao bolsonarismo e a espectros radicais de direita adotaram como tática central justamente o que o PL tenta evitar: o disparo massivo de mentiras. Na última semana, o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-promotor da Lava Jato, chegou a divulgar que o PL baniria das redes trechos da Bíblia. Contudo, mais do que não falar sobre isso, o texto sagrado dos cristãos contará com proteção especial no PL.

Liberdade no projeto

Logo no artigo 5º, parágrafo 1º, o projeto deixa claro que “vedações não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”. Ao contrário do que versam os radicais, a legislação tem como norte a mínima intervenção do Estado nas redes. Contudo, faz-se necessário, diante da realidade destes ambientes virtuais, a regulamentação para evitar abusos e crimes, especialmente.

Então, mais do que prever qualquer intervenção, o texto legal cobra transparência de redes sociais e provedores. Desta forma define o artigo 1º. “Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos.”


Para repercutir o PL das Fakes News, O jornalista e pesquisador Jonas Valente, integrante do coletivo Intervozes e um dos autores do livro Fake News: O que as plataformas fazem para combater a desinformação, falou sobre o projeto do Revista Brasil TVT:

Ministério da Verdade e Teletela

Um dos pontos mais atacados da proposta era a criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Após pressões, o relator retirou do projeto a previsão do órgão. As grandes empresas que comandam as redes sociais (big techs) se aliaram à extrema direita nos ataques sobre este ponto da lei. Eles apelam, em conjunto, para um discurso falacioso, um sofisma. Eles dizem que o órgão seria algo como o “Ministério da Verdade”, em referência à obra 1984, do escritor inglês George Orwell.

No livro, um governo ditatorial possui um órgão responsável por verificar os discursos e narrativas na sociedade. Contudo, em nada se parece com a realidade. De fato, o conselho seria aprovado por um Parlamento democrático e traria uma composição plural, longe do controle do Executivo. Ao contrário, o Planalto sequer participaria do grupo. De acordo com a proposta, fariam parte do conselho 21 pessoas. Entre elas, representantes do Legislativo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Comitê Gestor da Internet no Brasil e da sociedade civil.

Em contrapartida do que falam os radicais de direita e os representantes das big techs, o livro de Orwell encontra semelhança mais precisa com a realidade brasileira em outro trecho da ficção. No livro, todas as casas possuem um aparelho chamado “Teletela”. Trata-se de uma tela preta responsável por passar propagandas, contra a vontade dos usuários, além de ouvir tudo que se fala nas casas dos cidadãos. Algo surpreendentemente parecido com aparelhos celulares que checam cada passo, cada ação do usuário com algorítmos obscuros, com finalidade de promover propagandas agressivas em todas as plataformas.

Debate e tramitação

Aqueles que atacam o projeto de diferentes formas também argumentam sobre “pouca discussão”. Contudo, o Parlamento discute a matéria há três anos. A autoria do PL é do senador Alessandro Vieira (PSDB-RS). O político possui histórico de atuação em campos políticos de centro e centro direita. A ele, é atribuído falsamente ligação com a esquerda pelos radicais bolsonaristas. Já o relator do projeto na Câmara, Silva é um político de esquerda habilidoso, que possui ampla janela de diálogo com políticos de todos os espectros ideológicos.

“Acredito que poderemos aprovar o texto. O relatório dialoga com tudo o que ouvi nos últimos dias. O esforço é para garantir a liberdade de expressão, mas também garantir a responsabilização das plataformas digitais”

Dito isso, fica evidente o caráter democrático do debate sobre o tema. Em nada – seja na composição ou em sua tramitação – ele carrega vínculo com qualquer ideologia. Estas características ficam expressas no texto legal. A matéria classifica desinformação como: “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”.

Relator da matéria na Câmara, Orlando Silva (PCdoB-SP). Foto: Gabriela Korossy / Câmara dos Deputados

A lei das fake news

Mesmo sem a criação do conselho, o PL das Fake News segue com previsões relevantes para ampliar a segurança no ambiente virtual. Confira alguns dos principais pontos da matéria:

  • Plataformas deverão elaborar relatórios semestrais, de fácil acesso, sobre práticas de moderação de conteúdo. Esses documentos deverão ser emitidos semestralmente.
  • As empresas gestoras das redes sociais deverão adotar medidas especiais de proteção às crianças e adolescentes.
  • Redes sociais deverão remunerar jornais que tenham mais de dois anos de atividade. Esta previsão tem como inspiração legislação similar da União Europeia.
  • Assim como os jornais, artistas também deverão ser devidamente compensados pelos conteúdos produzidos.
  • Conteúdos pagos e publicidades devem conter um aviso claro de identificação.
  • Possíveis danos de conteúdos pagos serão de responsabilidade compartilhada das redes sociais.
  • As empresas deverão tocar campanhas estruturadas de combate à disseminação de mentiras, desinformação e fake news.
  • Redes sociais serão responsabilizadas caso permitam a divulgação massiva de desinformação por robôs.
  • Plataformas terão 24 horas para remover conteúdos ilícitos.
  • A imunidade parlamentar sobre o discurso, garantida pela Constituição, será garantida nos ambientes virtuais.
  • Entre as punições para o descumprimento das normas, estão multas que chegam a R$ 1 milhão por hora. Outras sanções envolvem suspensão das atividades por tempo determinado; advertências; e proibição definitiva em casos mais graves.
Arte: Agência Câmara


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