Resistência

Por que o mundo apoia Lula contra ala de militares golpistas e escalada extremista

Emergência ambiental e freio na extrema direita global colocam mundo civilizado em defesa do Brasil contra articuladores do retrocesso

Ricardo Stuckert/Arquivo/PR
Ricardo Stuckert/Arquivo/PR
Lula manteve relação republicana com militares em seu primeiro mandato. Relação azedou depois de setores da caserna se encastelarem em milhares de cargos durante governo Bolsonaro

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido coerente e persistente no tom de seus discursos desde a intentona golpista de 8 de janeiro. Em vez de “lapidar” ou “ajustar” suas intervenções, Lula aprofunda os recados aos destinatários – dos ruralistas aos militares. No meio da tarde do domingo passado, o presidente classificou como fascistas os que promoviam destruição sem precedentes nas sedes dos Três Poderes. Determinou a busca obstinada aos responsáveis pelo terror e sua punição nos limites da lei.

Desse modo, mandou ainda recados diretos a setores investigados desde o ano passado como financiadores do golpe. Entre eles empresários ligados ao agronegócio. Basta recuperar trecho de fala do presidente, ainda no calor do dia 8, em que avisa que não haverá recuo no projeto de reconstruir a política ambiental do país – compromisso que põe as principais economias do planeta ao lado do novo governo brasileiro. Isso porque interessa ao mundo civilizado avançar em pelo menos duas searas de interesse global: o combate efetivo ao aquecimento global; e também ao crescimento da extrema direita.

Dias depois, Lula voltou a mandar avisos a atores do agro de que sabe o que eles andaram fazendo nos últimos verões. Disse, por exemplo, que não havia entre os agressores do 8 de janeiro quem reivindicasse melhores salários, empregos, programas habitacionais ou ampliação de políticas agrícolas. Queriam apenas atacar o resultado das eleições, ganhar no tapetão e sequestrar a democracia.

Lula, os militares e o papel constitucional de cada um

Além de falar com potenciais financiadores, Lula passou a falar com escalões mais altos do estafe golpista. Primeiro, apontando que, com as portas do Palácio do Planalto abertas, não foi necessário arrombá-las. Autoridades militares teriam, portanto, facilitado a invasão. Segundo, passou a desafiar o silêncio que as altas patentes das Forças Armadas se impõem desde os atos terroristas.

Lula afirmou na quinta-feira (12) que aos militares do país não cabe papel de moderador, e que deles espera respeito à lei. “As Forças Armadas têm um papel na Constituição, que é a defesa do povo brasileiro e da nossa soberania contra possíveis inimigos externos”, disse. “É isso que é o papel das Forças Armadas e está definido na nossa Constituição Federal. É isso que eu quero que eles façam bem feito.”

O antropólogo Luiz Eduardo Soares, especialista em segurança pública, afirma ter “gostado muito” das recentes declarações do presidente Lula. “No calor dos acontecimentos, quando ele estava em Araraquara, talvez tenha dado um de seus mais importantes pronunciamentos. Ele deu nomes aos criminosos, que chamou de fascistas, e deixou muito clara a natureza política daqueles atos golpistas. E mais: disse que não relaxaria no esforço de identificar os responsáveis, estivessem onde estivesse, como enfatizou”, observa Soares, em entrevista ao Revista Brasil TVT.

Fator de estabilidade

A comunidade internacional também acompanha atentamente a resistência republicana ao golpismo no Brasil. Seria um país chave para a extrema direita tentar manter sua ascensão no mundo, em especial na América do Sul, avalia o jornalista Jamil Chade. “O Brasil não é um ator qualquer. O Brasil nos últimos quatro anos foi fator de instabilidade regional. Antes, por décadas, havia sido fator de estabilidade. O mundo sabe disso”, diz, também no Revista.

Jamil Chade cita reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) ocorrida na quarta-feira (11), em apoio ao resultado das urnas. A entidade pede também a identificação e a punição dos responsáveis – processo que ainda pode chegar ao ex-presidente derrotado.

O embaixador brasileiro na OEA, Otavio Brandelli, afirmou na reunião extraordinária convocada para tratar do golpismo, que o Brasil não concederá anistia e tampouco impunidade. “O Estado dará respostas à altura da gravidade dos atos cometidos. Sob a égide dos preceitos da Constituição de 1988, o Brasil registra o mais longo período de convivência democrática em sua história republicana”, disse.

Mas a reunião da OEA não era só sobre o Brasil. “Era sobre a democracia nas Américas. Ao condenar os ataques da extrema direita no Brasil, cada embaixador direcionava o discurso para dizer ‘chegou a hora de a gente pensar sobre a democracia na região’. Vamos tentar entender o que está por trás de uma reunião dessas. A grande preocupação é que isso se espalhe. Se a extrema direita tem êxito no Brasil, incentiva a extrema direita nos demais países”, afirma Jamil.

Desfaçatez e fim da linha

Os nove votos no Supremo Tribunal Federal (STF) para ratificar o afastamento do governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, são um sinal de que a Corte está coesa na defesa das instituições democráticas. Apenas dois ministros, Nunes Marques e André Mendonça – indicados por Bolsonaro –, votaram contra. Também vem do STF o pedido de prisão de Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança nomeado por Ibaneis para, ao que tudo indica, criar as condições para o 8 de janeiro.

“Tudo indica que houve um plano, um treinamento e uma intenção aberta de atacar os edifícios dos Três Poderes. O secretário da Segurança Pública Anderson Torres, hoje preso, tinha absoluto conhecimento disso. Como ministro da Justiça de Bolsonaro ele corroborou atos golpistas durante todo o mandato”, afirma a professora Eloísa Machado, da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“O fato de Torres ter viajado é mais um indício de que havia uma tentativa de fugir de responsabilidades pelo evento. Para usar uma palavra mais correta, foi uma desfaçatez, viajar dias depois de tomar posse – por tanto não havia razão para férias – e às vésperas dos ataques anunciados. E para supostamente se encontrar com Bolsonaro. Torres não pode nunca mais ocupar um cargo público”, defende Eloísa.

O pedido de prisão preventiva feito pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) considera Torres investigado por atos terroristas, dano, associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. A Polícia Federal encontrou na casa do bolsonarista uma minuta de de decreto de instauração de “Estado de Defesa” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O objetivo do documento, inconstitucional, era anular eleição de Lula.


Acompanhe as entrevistas citadas do Revista Brasil TVT

Luiz Eduardo Soares

Jamil Chade

Eloísa Machado


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