Medo na floresta

Indígenas denunciam crime político e temem pelo futuro. ‘O que acontecerá conosco?’

Pelo menos 100 indígenas voluntários atuaram para encontrar o indigenista e o jornalista na floresta. País ainda deve explicar as motivações do crime, conter os interesses que o cercam e quem os defende

Reprodução
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São Paulo – A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) afirma que os brutais assassinatos de Bruno Pereira e de Dom Phillips devem ser qualificados como crime político. Para a entidade, o indigenista afastado da Funai e o jornalista do The Guardian morreram por defender as comunidades originárias. “Ambos eram defensores dos direitos humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas”, afirma a associação em nota. “Pelo nosso direito ao bem-viver, ao nosso território e recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida.”

A Univaja ressalta que desde 2021 envia informações sobre invasões na Terra Indígena Vale do Javari por intermédio da equipe de vigilância das comunidades. “Enviamos uma série de informações qualificadas ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e à Fundação Nacional do Índio. Indicamos a composição de uma quadrilha de pescadores e caçadores profissionais, vinculados a narcotraficantes, que ingressam ilegalmente em nossos territórios para extrair nossos recursos e vendê-los nos municípios vizinhos. Mas providências não foram tomadas com a devida rapidez”, denunciam os indígenas. “Por isso, hoje assistimos ao assassinato de nossos parceiros Bruno Pereira e Dom Phillips.”

A cada crime político impune, outros se repetem

As buscas pelo indigenista e o jornalista só chegaram aos criminosos, e aos detalhes de sua atuação sórdida, graças à atuação voluntária de ao menos uma centena de indígenas, de cinco etnias. Porém, nenhum indígena participou da entrevista coletiva da PF nesta quarta-feira (15). Os indígenas começaram as buscas antes mesmo das autoridades brasileiras. Além disso, foram eles que mapearam os 26 quilômetros quadrados de extensão percorridos pelas equipes de busca. “Fomos os primeiros a percorrer o Rio Itaguaí ainda no domingo (5). Desde então, a única instância que esteve ao nosso lado como parceira nas buscas foram policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga”, afirma a Univaja.

A preocupação tem sentido, porque o crime contra Bruno e Dom não é o primeiro. Nem tampouco a revelação de seu(s) ator(es) deve se resumir a um episódio de vingança de um pescador ilegal incomodado. Isso porque a presença de exploradores ilegais dos recursos naturais é uma realidade que conta com a simpatia do atual governo. “O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças? Precisamos aprofundar a investigação. Também precisamos de fiscalização territorial efetiva no interior da Terra Indígena Vale do Javari. Precisamos que as Bases de Proteção Etnoambiental da Funai sejam fortalecidas”, alerta a Univaja.

Excluídos

Apesar da importância da participação das comunidades nas buscas, na entrevista coletiva desta quarta a Polícia Federal não mencionou o trabalho dos indígenas. Além disso, não havia nenhum deles na coletiva. Entretanto, participaram das buscas indígenas das etnias Marubos, Maiurunas, Matis, Kulinas e Kanamaris. As equipes receberam treinamento do próprio indigenista Bruno Pereira.