Histeria

Mercado não esperneou com gastança de Bolsonaro. Não tem razão para estressar agora

Após Lula reafirmar combate à fome e à miséria como prioridades, Edinho Silva manda recado à Faria Lima: “Zero fator de instabilidade. Não haverá sobressaltos na política e tampouco na economia”

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"Mercado de capitais está sofrendo por antecipação com aquilo que não existe", diz Edinho

São Paulo – Bastou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) questionar as vacas sagradas do neoliberalismo, como o Teto de Gastos, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Regra de Ouro, para o mercado financeiro soar alarmes contra o futuro governo. Um dos principais auxiliares de Lula, o prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva, questionou: “Onde está a dúvida? Onde está o fator da instabilidade? Zero fator de instabilidade”.

Antes, em discurso emocionado ontem (10), Lula anunciou um “novo paradigma de funcionamento” no Brasil, em que a questão social e a população mais pobre sejam centrais para a tomada de decisões dos poderes. Ele chegou a chorar quando voltou a repetir que a sua missão é garantir novamente que todos os brasileiros tenham direito a pelo menos três refeições por dia.

“Ora, por que as pessoas são levadas a sofrerem para garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? (…) Por que as mesmas pessoas que discutem o teto de gasto não discutem com seriedade a questão social desse país? Ou por que o povo pobre não está na planilha da macroeconomia? Por que temos meta de inflação e não temos meta de crescimento?”, provocou Lula. “Por que não estabelecemos um novo paradigma de funcionamento nesse país?” 

Advogando em defesa dos próprios interesses, e revelando alto grau de aporofobia – aversão aos pobres –, o “mercado financeiro” entrou em parafuso. De um lado, a Bolsa de São Paulo (B3) caiu 3,35%. Por outro, o dólar subiu 4,09%, encerrando o dia perto de R$ 5,40, maior alta diária desde o início da pandemia.

Mais tarde, Lula ironizou o comportamento histérico do mercado.

Ansiolítico neles

Hoje foi a vez de Edinho Silva, coordenador da comunicação da campanha de Lula, chamar à razão os operadores da Faria Lima, principal centro financeiro do país, na capital paulista.

“Não há a menor possibilidade da existência da ‘perda das rédeas’ dos gastos públicos em um governo liderado pelo presidente Lula. Essa possibilidade é zero”, afirma Edinho, em artigo enviado às principais redações do país. “Governar com responsabilidade está na essência das posições de Lula, e ele já demonstrou isso quando foi governo”, acrescentou.

Confira a íntegra do artigo de Edinho Silva:

Os mercados não podem sofrer por antecipação

Onde está a dúvida que gerou tanta turbulência nos mercado de capitais nos últimos dias? Qual o real problema? Qual a explicação racional? Vamos pôr razão, luz sobre esse movimento.

O centro dos questionamentos o mercado já precificou, e já tem tempo: o déficit da gastança desenfreada do governo Bolsonaro para ganhar as eleições.

Os primeiros dados, conta simples e rasa, apontam para mais 100 bilhões de reais só em despesas realizadas e anunciadas, empenhadas, pelo atual governo. O problema está na transição de governo? Portanto, não.

Então, o que se esperava na transição de governo? Qual a expectativa? Maquiagem do déficit? Que se omitisse o rombo nas contas públicas? Aí, sim, mora o problema real na construção de uma política fiscal previsível. Sim, teríamos a quebra da relação de confiança com a sociedade e com os investidores. Aí, sim, estaríamos no caminho para a instabilidade econômica.

Portanto, racionalmente, não há nada de novo em se mensurar déficit para pagar contas empenhadas e impedir descontinuidade de programas e projetos existentes. Assim como não tem nada de novo na política fiscal, o Estado ter capacidade para investir e para aquecer a economia, irrigando setores econômicos que têm capilaridade para dar sustentabilidade ao crescimento de forma mais rápida. Onde está a novidade?

As maiores economias do planeta foram muito mais arrojadas que isso que está sendo proposto pela transição de governo para impedir a depressão econômica. Durante a pandemia, adotaram a expansão da base monetária, o que é muito mais heterodoxo da perspectiva de uma política econômica sustentável, do regramento fiscal.

Por exemplo, nem por isso a Alemanha e os EUA foram para a bancarrota econômica. Racionalmente, qual o susto do mercado? Qual a heterodoxia? Fazer gestão de déficit calculado?

Racionalmente, o mercado de capitais está sofrendo por antecipação com aquilo que não existe. Não há a menor possibilidade da existência da “perda das rédeas” dos gastos públicos em um governo liderado pelo presidente Lula. Essa possibilidade é zero. Governar com responsabilidade está na essência das posições de Lula, e ele já demonstrou isso quando foi governo.

Estabelecer um déficit, calculado, administrável, em um momento difícil da vida brasileira, de transição de governos — inclusive déficit majoritariamente gerado pelo atual governo, na maior operação institucional de “compra de votos” em um processo eleitoral existente na história da nossa República —, é agir de forma transparente. É deixar claro para a sociedade e para os agentes econômicos qual caminho será trilhado para o crescimento econômico sustentável.

Ou seja, existe um déficit estabelecido, racionalmente reconhecido nas contas públicas, tranquilamente administrável. Um déficit que quando da posse, da instalação do novo governo, será gestado com muita responsabilidade e lastreado pelo crescimento do PIB.

Onde está a novidade em se estabelecer um déficit público para dar incremento ao crescimento econômico? Novidade nenhuma. Esse é o papel do Estado nos momentos de incertezas, como agora: risco de uma guerra mundial e recessão mundial pós-pandemia. Assim agiram as principais economias do planeta, como já exemplifiquei, durante a pandemia. Assim também foi feito na crise econômica de 2008, que ainda perdura. O déficit público americano ultrapassa US$ 1 trilhão e nem por isso os mercados se abalam. Por quê? Porque esse déficit está lastreado no PIB. Então, qual o debate que deveríamos estar fazendo?

Simples. Como lastrear esse déficit, racional, plenamente administrável, com crescimento do PIB. Ou seja, que o déficit seja progressivamente incorporado ao Orçamento de acordo com o crescimento do PIB.

Portanto, o debate central não é o déficit necessário, mas, sim, as políticas que serão adotadas para que haja crescimento do PIB de forma sustentável, que lastreie o déficit proposto. Esse é efetivamente o centro do debate.

Quanto aos rumos do governo Lula, o modelo está dito, está dado, é o que defende o próprio Lula desde sempre: o Brasil terá um governo que vai incentivar a iniciativa privada por meio do crédito, de parcerias público/privada. No governo Lula teremos um Estado indutor do desenvolvimento econômico sustentável e será exemplo para o mundo, inclusive atraindo investidores internacionais. Um modelo de desenvolvimento que respeite nossos biomas, com crescimento literalmente ancorado na sustentabilidade.

Onde está a dúvida? Onde está o fator da instabilidade? Zero fator de instabilidade. Estamos diante de um governo de diálogo, de composição, de pacificação, de unificação do Brasil. Não haverá sobressaltos na política e tampouco na economia. As decisões serão construídas com diálogo, como bem disse o presidente Lula em seu discurso histórico, após conclusão da apuração dos votos no dia 30 de outubro.

O mantra de Lula tem sido: credibilidade, estabilidade e previsibilidade. Não há melhor ambiente para os investidores do que esse. O que é necessário é que uma parcela do país desça do palanque. A eleição acabou. Agora é momento de “baixar a temperatura” política estabelecida na sociedade. É hora de olharmos mais o que nos une do que as nossas divergências, como bem disse o presidente Lula em 30/10, pós reconhecimento pelo TSE de sua vitória. É hora de fazer o Brasil crescer.

O combate à pobreza, o combate à fome e a busca do crescimento econômico com inclusão social, com mais oportunidades, tem que ser a busca de todos nós: governos, políticos, trabalhadores, empresários, empreendedores, investidores do mercado de capitais, do conjunto da sociedade. Não podemos permitir que haja uma “fotografia” para o mundo que no Brasil existe uma contradição entre os interesses dos mercados e o combate à fome e à miséria.

Até porque essa contradição é falsa. Todos queremos geração de riquezas e que esse crescimento econômico sustentável signifique um país mais justo.


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