Recado ao mercado

Dirigente do MST propõe à Faria Lima olhar para os trabalhadores para entender a natureza real da economia

João Paulo Rodrigues também revelou ao programa “Entre Vistas”, de Juca Kfouri, a preparação para um novo ministério no governo Lula que organize o desenvolvimento da agricultura familiar

TVT/YouTube/Reprodução
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O dirigente do MST também denunciou a ligação do agronegócio com as manifestações golpistas. No último sábado (12) centro do movimento em Pernambuco foi invadido e depredado por bolsonaristas

São Paulo – No programa Entre Vistas desta quinta-feira (18), da TVT, o jornalista Juca Kfouri conversou com João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Entre diversos temas, o representante do MST falou sobre as críticas da comunidade financeira da Faria Lima, em São Paulo, às declarações de Lula na conferência do clima da ONU, a COP27, em que ele tratou a responsabilidade social como uma questão importante frente à austeridade fiscal. João Paulo analisou também o surgimento de uma nova direita no mundo e os desafios que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve enfrentar para combater a fome. 

“A nossa sorte”, segundo João Paulo, é que o conjunto da sociedade não se deixou levar pelas ameaças bolsonaristas. Mesmo a Faria Lima, como é chamada a região considerada um centro financeiro, assim como a Avenida Paulista e até setores médios já reconheceram a lei suprema das urnas que garantiu a vitória de Lula. Mas ele comenta que a direita clássica, que já admitiu o resultado eleitoral, também já se colocou na oposição ao futuro presidente.

O dirigente cita a reação do mercado ao discurso do petista em defesa de um “novo paradigma de funcionamento” no país, em que a questão social e a população mais pobre sejam centrais para a tomada de decisões dos poderes. Como já vinha prometendo na campanha eleitoral, o presidente eleito confirmou que dará prioridade às políticas sociais, em especial o combate à fome. O anúncio, no entanto, soou negativo para o mercado financeiro que passou a “chantagear” Lula. “Dizendo qual é o ministro, como deve se comportar o Ministério da Fazenda, como deve ser o debate sobre o teto de Gastos”, menciona. 

João Paulo diz que a vontade do movimento é mostrar, por meio de passeatas na região, um pouco o que se produz e quem produz neste país. “O movimento sindical junto com o movimento popular, que representa parcela importante dos trabalhadores, deveria fazer uma demonstração ali na Faria Lima de como é a vida real desse país. A Faria Lima precisa de um banho de trabalhadores e trabalhadoras para compreender como é a natureza real da economia brasileira”, defendeu. 

‘O momento mais difícil já passou’

Ao contrário de muitas análises que indicam que as forças progressistas serão principalmente testadas a partir do próximo mandato de Lula, o dirigente nacional avalia que o momento mais difícil já passou. Ele faz referência aos últimos seis anos, do golpe, à prisão política do presidente eleito, até as eleições em outubro. João Paulo pondera que, agora,  depois de uma “escalada de batalhas vencidas”, a esquerda voltou a acumular forças para construir o futuro governo. 

“Ela (a eleição) nos deixou lições e ao mesmo tempo nos deu elementos para pensar tarefas que serão difíceis. Entre elas, a de governar e construir uma nova maioria na sociedade. E, ao mesmo tempo, recuperar o sentido e o papel do Estado brasileiro e da Constituição de 1988, que é garantir os direitos mínimos e fundamentais ao povo brasileiro”, observa. 

A face golpista do agro

João Paulo não minimiza, por outro lado, as manifestações antidemocráticas e inconstitucionais que estão sendo feitas por apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), inconformados com sua derrota. 

Conforme mostrou a RBA, os bolsonaristas foram do fechamento de rodovias a manifestações de pequenos grupos em frente a quartéis pelo Brasil, para ameaças, hostilizações e até ataques armados nos últimos dias. No sábado (12), por exemplo, o Centro de Formação Paulo Freire, do MST, em Pernambuco, foi invadido e depredado por apoiadores do mandatário que ainda picharam “mito” e suásticas nazistas nas paredes do espaço. 

Para o dirigente do MST, o que vem chamando sua atenção nesses atos ilegais, para além do exército bolsonarista – composto por “viúvas da ditadura, até fundamentalistas religiosos e células nazistas” –, são os empresários que financiam esses processos. “E na nossa avaliação é o setor do agronegócio que tem demonstrado que, além de ser um setor perigoso, do ponto de vista da violência no campo e do desmatamento, ele mostrou uma face que não tinha, a golpista. (…) Portanto você tem uma manifestação de populares fora da casinha. Mas o mais importante é que há um movimento da classe dominante econômica, chamado agro, que embarcou nessa tese golpista”, destaca. 

Fome e ministério 

Ele também ressaltou que mais do que um compromisso de campanha, o combate à fome é uma “causa de vida” do presidente eleito. Mas o dirigente do MST analisa que, ao contrário de seus governos anteriores, Lula enfrentará desafios novos para acabar com essa chaga social tanto por conta do teto de gastos, quanto das questões climáticas e até a estrutura do Estado atualmente destruída. 

João Paulo garante, contudo, que há condições para o Brasil sair novamente do Mapa da Fome da ONU, para onde voltou após o governo de Michel Temer (MDB) e principalmente no de Bolsonaro. Hoje são mais de 33 milhões de pessoas que passaram para a insegurança alimentar, segundo levantamento de junho deste ano da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). O que demandará de Lula o aumento real do salário mínimo, o Bolsa Família no valor de R$ 600, a garantia de alimentos com preço baixo e de qualidade e uma política de comercialização organizada pelo Estado, segundo ele. 

Em primeira mão, o dirigente do MST anunciou que o movimento trabalha para a criação de uma secretaria especial para cuidar da alimentação. Assim como atua para a criação de um novo ministério que organize o desenvolvimento da agricultura familiar, responsável pela alimentação dos brasileiros. “Nós até queríamos um nome bonito, que fosse Ministério da Terra, do Alimento e da Água. Para que fosse bem definida a sua função social, a regularização fundiária, a produção de alimentos, o cuidado com as águas”, confidenciou João Paulo.  

Assista ao programa na íntegra 

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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